Padre Vitor Pereira, Diocese de Vila Real
Face ao processo sinodal que está a decorrer na Igreja, deixo um olhar e um contributo para a realidade paroquial. Diz o Papa Francisco no nº 28 da Evangelium Gaudium: “A paróquia não é uma estrutura caduca; precisamente porque possui uma grande plasticidade, pode assumir formas muito diferentes que requerem a docilidade e a criatividade missionária do Pastor e da comunidade. Embora não seja certamente a única instituição evangelizadora, se for capaz de se reformar e adaptar constantemente, continuará a ser «a própria Igreja que vive no meio das casas dos seus filhos e das suas filhas». Isto supõe que esteja realmente em contacto com as famílias e com a vida do povo, e não se torne uma estrutura complicada, separada das pessoas, nem um grupo de eleitos que olham para si mesmos. A paróquia é presença eclesial no território, âmbito para a escuta da Palavra, o crescimento da vida cristã, o diálogo, o anúncio, a caridade generosa, a adoração e a celebração.”
Aqui há uns anos, num congresso dedicado à nova evangelização em Espanha, realizado pelas Dioceses de Vic e Solsona, o Bispo francês Dominique Rey apontou os sete critérios para se poder escrutinar o «bom funcionamento», a vida saudável de uma paróquia ou comunidade. Todos sentimos que as nossas paróquias estão sempre a precisar de se renovar e revitalizar, na forma e no conteúdo, se querem ser paróquias vivas e fecundas, capacitadas para cumprir a missão de Jesus Cristo no mundo. O mundo mudou, com novos apelos e desafios, e muitas comunidades cristãs, por vezes, passam a imagem de permanecem no sono do jardim das oliveiras, agrilhoadas a convicções bafientas, métodos e pastorais já fora do prazo de validade, esquemas carcomidos, piedades cansadas eå insípidas, estruturas lívidas, conquistas e louros do passado.
Muitas das nossas paróquias são paróquias fechadas, muito viradas só para as rotinas e hábitos que se assimilaram, para as tradições e a piedade que cristalizaram, paróquias de sacristia, paróquias centradas na «salvação da alma». Precisamos de regressar às origens da Igreja, e por aqui quer ir o processo sinodal, onde as comunidades eram abertas e se estruturavam na riqueza dos ministérios eclesiais, num culto e num ensino centrados na Palavra de Deus e na Eucaristia fervorosamente vivida e na aproximação à sociedade, a quem se queria levar o Evangelho e a caridade experimentada na Eucaristia. Cristãos e não cristãos, e até meios cristãos, habituaram-se a viver com o «muro da indiferença», ambos aceitando que têm de seguir caminhos diferentes e que não têm de se preocupar uns com os outros. Mas não pode ser assim. A Igreja não pode deixar de se aproximar dos homens de todos os tempos, a quem é chamada a propor o Evangelho desinteressadamente, a convocar para o Reino de Deus, e a levar a salvação de Deus (vida de Deus), na convicção de que só em Deus e com Deus o homem é feliz e se realiza plenamente.
Como organizar bem uma paróquia, para esta ser comunicadora de Cristo e ser exemplo de Igreja? Eis os sete critérios do bispo Dominique Rey, tendo como actor principal o padre, guia e orientador da paróquia, protagonismo que agora deve ser dado à comunidade: Delegar funções e tarefas a um grupo de pessoas capacitadas para o fazer, recebendo a devida formação e orientação. Face à nova realidade eclesial, não pode estar tudo centrado no padre, mestre da banda que tocava todos os instrumentos, modelo que imperou nos últimos séculos, que, de certa forma, infantilizou e empobreceu as comunidades cristãs. Uma boa fatia de cristãos ainda se recusa a selar o caixão deste modelo, não se apercebendo de que é errado e inexequível.
Discernir os dons e as qualidades de cada membro da comunidade e fazê-las dar fruto, ao serviço do bem comum da comunidade. Não há muito tempo, dois ou três membros à volta do padre, comodamente ao serviço deste, faziam tudo, diante de uma multidão de cegos, coxos e paralíticos… Há que despertar a utilidade, sobretudo a vocação, de todos, para os vários ministérios que se podem desempenhar na vida eclesial. Quanto maior é a participação e colaboração dos membros da comunidade, mais viva, capaz, interessante, rica, fecunda, disponível e eficaz ela se torna.
Testemunhar a alegria e que essa alegria seja genuinamente notória. Uma comunidade triste não passa de uma triste comunidade. Quem quer fazer parte de uma comunidade que não manifesta entusiasmo e encanto por aquilo que vive e celebra? O quanto as nossas comunidades têm a crescer neste aspecto. Contemplem a cara com que muitos cristãos saem da Eucaristia dominical e o júbilo que transpiram no trabalho e nas actividades quotidianas.
Ter capacidade de renovação, não se deixando arrastar atrás de métodos e formas que já não têm sentido, adequando-se as estruturas à realidade que tem de se enfrentar, mormente a nova evangelização e os novos desafios dos tempos atuais. Já não vivemos em cristandade, onde quase toda a sociedade era cristã. Dava-se um pontapé numa pedra e surgia um cristão. Vivemos em sociedades que têm cristãos, e por vezes, já cristãos em minoria. A dinâmica, as estruturas e os esquemas das comunidades têm de ser outros.
Cuidar da beleza e da dignidade das celebrações, sobretudo da Eucaristia, que é o espelho da comunidade e onde a Igreja melhor fala de Deus e o pode dar a conhecer. Em tempos, como Bispo de Bragança, D. José Cordeiro, afirmava em Fátima que «infelizmente, em muitos lugares a liturgia reduz-se a uma proclamação de textos e execução técnica de gestos, sem cantos, sem uma linguagem verbal e não verbal que manifeste o mistério e a arte de bem celebrar». «É urgente uma liturgia séria, simples, bela, que seja experiência do mistério, e ao mesmo tempo inteligível, capaz de narrar a perene aliança de Deus com os homens, não esquecendo o equilíbrio entre a palavra, o canto, o silêncio e o rito». A Eucaristia é o espaço sublime onde se deve dar a oportunidade de fazer a experiência e o encontro com o sagrado. Quanta rotina árida está para aí instalada.
Organizar a paróquia em pequenos grupos ou células, que dinamizem a pastoral e vão ao encontro das pessoas no terreno, possibilitando uma integração suave e articulada dos batizados não evangelizados ou dos recém-convertidos. A configuração institucional da Igreja gera frieza e cria distanciamento, ressumbra necessidade de reverência e adornos de poder. É preciso mais proximidade e presença no pátio do mundo, junto das pessoas concretas, numa atitude samaritana.
Uma paróquia deve ser um foco de irradiação de verdadeira caridade entre os seus membros e para fora de si mesma, uma genuína teia de relações humanas saudáveis, assentes no respeito, na atenção, no conhecimento e na entreajuda mútua, e que isso se note a quem a contempla de fora. O mais belo testemunho, que dá credibilidade a tudo o que a paróquia celebra e faz, é a caridade. Actualmente, é inquestionável que há uma carência alarmante de fraternidade em muitas comunidades cristãs. Não é difícil constatar que, como disse D. António Vitalino, «as comunidades cristãs estão muito apáticas, sem relações interpessoais, sem interesse mútuo pelas pessoas». Como estão a funcionar as nossas paróquias?