Homilia na abertura da Semana da Educação Cristã

«Do deserto espiritual à Vida em abundância» 1. As referências à vinha de Deus nas leituras de hoje, assumem particular expressão nesta assembleia cristã reunida na Igreja de Nossa Senhora de Encarnação de Olhalvo. De facto, estamos numa das zonas do nosso país mais ricas em produção vinícola. Acabaram, praticamente, as vindimas deste ano e todos nós conhecemos os trabalhos e as canseiras, as expectativas e os receios de quantos, afincadamente, cuidaram das vinhas – plantas tão sensíveis e ameaçadas pelo ambiente –, para que pudessem dar frutos abundantes e de qualidade. Louvemos a Deus pelo trabalho e a sabedoria dos homens e das mulheres agrícolas, e demos graças pelas Bênçãos que d’Ele receberam ao longo deste ano agrícola. 2. Na Sagrada Escritura, tanto no Antigo como no Novo Testamento, a vinha tem um profundo significado simbólico. Na primeira leitura (Is 5, 1-7), Isaías identifica a vinha com o Povo de Israel, Povo escolhido, com quem Deus, simbolizado no agricultor, fez Aliança e a quem dedicou um amor constante e fiel, semelhante ao dum esposo pela sua esposa (cf. Os 3, 1). O facto de a vinha não ter produzido uvas, significa que esse Povo não correspondeu ao amor que Deus lhe dedicou: adoraram outros deuses e abandonaram o cumprimento dos mandamentos da Lei. Por isso, como ouvimos: Deus “esperou deles a justiça, e eis que só há injustiça; esperou a rectidão e eis que só há lamentações” (Is 5, 7). Mas Deus não desiste do amor pelo Povo que escolheu. Virá o dia em que a vinha dará frutos, porque Deus, como um guarda vigilante, a libertará daqueles que a destroem: “Eu, o Senhor, sou o seu guarda; rego-a a cada momento e guardo-a dia e noite para impedir qualquer assalto” (Is 27, 3). Queridas crianças, Caríssimos adolescentes e jovens, Podemos concluir que Deus nos acompanha no seu amor e que espera de nós, que dizemos ter fé, a correspondência a esse amor, esforçando-nos para que a nossa vida seja coerente com a fé que professamos. Só com persistência e confiança em Deus a nossa vida poderá dar bons frutos, como uma vinha carregada de belas uvas, pronta a ser vindimada. 3. São Mateus, na passagem que escutámos (Mat 21, 33-43), descreve a parábola dos vinhateiros homicidas. Nela, Jesus alude à imagem da vinha referida por Isaías. Também aqui, a simbologia é rica e abundante. O ponto central da parábola é o filho do chefe de família que os vinhateiros mataram, com o qual Jesus se identifica, numa alusão, embora velada, à sua própria morte que se aproximava. Nesta parábola, Jesus denuncia o Povo de Israel pela recusa em ter recebido os profetas enviados por Deus, e, também, “os sumos-sacerdotes e os fariseus” (Mt 21, 45), chefes do Povo, fechados ao reconhecimento de Jesus e da sua Boa Nova de salvação. Mas, a morte Jesus será vencida, como Ele próprio deixa antever, ao citar o Salmo 118: “A pedra que os construtores rejeitaram transformou-se em pedra angular. Isto é obra do Senhor e é admirável aos nossos olhos” (vv. 22-23). Sobre esta pedra angular, que é Jesus Cristo, edifica-se a Igreja, Povo da Nova Aliança. Na sua entrega de amor pleno, que o conduziu à morte, Cristo testemunha a fidelidade que Deus esperava de Israel e que este não conseguira alcançar. No sangue derramado, Cristo representa Israel na autenticidade da sua vocação de Povo de Deus, fiel ao seu desígnio de amor. Cristo é, também, a vinha fecunda que produz frutos de salvação. Une a si os seus discípulos como os ramos estão ligados à cepa: “Eu sou a videira verdadeira e o meu Pai é o agricultor (…) Eu sou a videira; vós, os ramos” (Jo 15, 1.5a). Como a seiva percorre toda a planta e, assim, alimenta e vivifica os ramos, Cristo dá-nos a participar da sua própria vida, estabelecendo uma comunhão, que se alimenta e renova, em especial, através da escuta da Palavra de Deus e da celebração da Eucaristia. 4. Estas perspectivas da fé cristã, que colocam Deus no âmago da vida humana, como seu fundamento e fonte de sentido, contrastam com uma posição, hoje muito difundida e que o Santo Padre Bento XVI lembrou, recentemente, aos jovens reunidos na XXIII Jornada Mundial da Juventude, em Sidney: a defesa da exclusão de Deus da vida e de que a religião e a fé, embora aceitáveis no plano individual, devem ser banidas da vida pública ou utilizadas, somente, para alcançar determinados objectivos pragmáticos. E o Papa sublinha que esta perspectiva secularizada procura explicar a vida humana e plasmar a sociedade com pouca ou nenhuma referência ao Criador (1). No mundo contemporâneo, são muitos os aspectos positivos que resultam das capacidades e esforços humanos e da percepção natural da importância da construção da vida baseada em valores. Documentam-no o rápido crescimento científico e tecnológico e a ampla consciência da necessidade de assumir valores universais como a liberdade, a justiça, a solidariedade e a paz, alicerces da civilização do amor (2). Mas, como também realçou o Papa nas referidas Jornadas Mundiais, ”em muitas das nossas sociedades, ao lado da prosperidade material vai crescendo o deserto espiritual: um vazio interior, um medo indefinível, uma oculta sensação de desespero” (3). A causa principal desta situação é a recusa de Deus e a rejeição da fé – luz que esclarece a razão humana e força que alimenta a esperança –, consequências da falsa ilusão de que o homem, na sua auto-suficiência, consegue responder aos seus anseios profundos de realização. A consciência da presença do Deus de Amor, que age em nós e nos transforma, é a chave para a transformação do nosso mundo, de deserto espiritual em terra fértil, onde a promessa de Cristo do dom da vida em abundância pode ser alcançada por todos (cf. Jo 10, 10). 5. A Educação é uma responsabilidade permanente e um desafio inadiável. É fundamental baseá-la em certezas e valores fundamentais. Só assim, contribuirá para o desenvolvimento harmonioso e equilibrado de personalidades capazes de traçar um projecto de vida com sentido. Só assim, também, se poderá responder às aspirações a uma educação formativa, e não apenas informativa e ao sabor da subjectividade de cada educador, manifestadas pelos diversos intervenientes: as famílias, os professores, os catequistas, os jovens e a própria sociedade. Neste Ano Paulino, que será também marcado pela realização da XII Assembleia-Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos sobre A Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja, que hoje se inicia em Roma, renovo a proposta da Comissão Episcopal da Educação Cristã lançada aos cristãos empenhados na área da Educação de, na sua actividade educativa, darem primazia ao anúncio da Palavra de Deus – sobretudo das Cartas de São Paulo –, e à leitura orante da mesma, porque a Palavra de Deus transmite-nos a verdade que dá sentido à vida. Destaco, neste sentido, a responsabilidade primordial das Famílias (especialmente dos pais e dos avós), mas também de quantos trabalham nas Paróquias, sobretudo na Catequese da Infância e adolescência, nas Escolas Católicas e nas Escolas estatais, particularmente os professores de Educação Moral e Religiosa Católica. Empenhem-se também as crianças, os adolescentes e os jovens em criar o gosto pela leitura e o aprofundamento da Palavra de Deus, sobretudo da Bíblia, em ligação directa com as realidades da vida quotidiana. Só assim poderão responder ao apelo que o Papa dirigiu aos jovens, em Sidney: para serem profetas de uma nova era, em que o amor seja sincero, puro, aberto aos outros e respeitador da sua dignidade; e para serem, também, mensageiros do amor de Cristo, capazes de atrair as pessoas para o Pai e de construir um futuro de esperança para toda a humanidade (4). 6. Na segunda leitura, S. Paulo dirige, da prisão, um apelo à alegria aos cristãos da cidade de Filipos: “Alegrai-vos sempre no Senhor! De novo o digo: Alegrai-vos!” (Fil 4, 4). Por maiores que sejam as dificuldades que atravessemos, a exemplo de São Paulo, devemos sempre dar testemunho da alegria, da serenidade e da paz, que brotam da fé e que se alimentam da oração. O testemunho e a intercessão de São Paulo reforcem a nossa comunhão com o Santo Padre e os Bispos reunidos no Sínodo, e dêem a todos os educadores e educandos o conforto e a esperança necessários para o bom desempenho da sua missão. Homilia na abertura da Semana Nacional da Educação Cristã, Igreja de Olhalvo, 5 de Outubro de 2008 Tomaz Pedro Barbosa Silva Nunes, Bispo Auxiliar de Lisboa Presidente da Comissão Episcopal da Educação Cristã NOTAS: 1 – Cf. Bento XVI. Discurso na Festa de acolhimento dos Jovens. 17.07.2008. 2 – Cf. Comissão Episcopal da Educação Cristã, “Palavra de Deus, verdade que dá sentido à vida”. Mensagem para a Semana Nacional da Educação Cristã 2008, n. 2. 3 – Bento XVI. Homilia na Celebração Eucarística. 20.07.2008. 4 – Cf. Ibid.

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