A cruz escondida

Religiosa portuguesa fala do medo da guerra no Líbano

Com o coração nas mãos

 

A Irmã Maria Lúcia Ferreira vive na Síria, no mosteiro de São Tiago Mutilado, na vila de Qara, situado muito perto da fronteira com o Líbano, e diz à Fundação AIS que as religiosas estão apreensivas, tal como a população local, face ao evoluir da situação de guerra no país vizinho e são já muitos os que procuram entrar na Síria.

“Estamos um bocadinho com o coração nas mãos e aqui à nossa volta toda a gente [se questiona] sobre o que vai acontecer.” Numa breve mensagem telefónica para a Fundação AIS em Lisboa, a Irmã Maria Lúcia Ferreira, que vive no Mosteiro de São Tiago Mutilado, na vila de Qara, muito perto da fronteira com o Líbano, expressa assim a preocupação pelo evoluir da situação no país vizinho com os ataques de Israel contra alvos do movimento Hezbollah, que tem uma forte presença na região. A religiosa portuguesa, que pertence à congregação das Monjas de Unidade de Antioquia, refere também o temor da população local pelo regresso aos tempos da guerra e assegura que são muitas as pessoas que procuram agora atravessar a fronteira e entrar na Síria. “As pessoas do Líbano estão a fugir de suas casas e querem entrar na Síria”, diz a irmã, acrescentando que se têm registado bombardeamentos na região. As explosões são tão fortes que até já fizerem tremer portas e janelas no Mosteiro na vila de Qara. “No outro dia estávamos a preparar a hospedagem a um grupo [de peregrinos] que devia vir no fim-de-semana, e de vez em quando as portas e as janelas tremiam e uma senhora que nos estava a ajudar perguntava o que era aquilo: Era o Líbano”, descreve a religiosa, que também é conhecida simplesmente como Irmã Myri.

Fuga das populações

Segundo dados das Nações Unidas divulgados dia 30 de Setembro, calcula-se que pelo menos cerca de 100 mil pessoas, libaneses e sírios, tenham já atravessado a fronteira rumo à Síria nos últimos dias. Recorde-se que o Líbano, país com cerca de 4 milhões de habitantes, tem uma forte comunidade oriunda da Síria, pessoas que fugiram da guerra e se refugiaram no país. Mas agora, especialmente desde 2019, com o agravar da situação económica no Líbano, com uma inflação galopante e altos níveis de desemprego – estima-se que cerca de 80 % da população vive já abaixo do limiar da pobreza –, que muitos sírios e entre eles muitos cristãos têm manifestado também vontade de deixar este país e de regressar ao seu país de origem. Uma vontade que, agora, poderá crescer ainda mais com o risco do alastramento do conflito armado. Sinal disso, nos últimos dias, milhares de portugueses têm estado a receber nas suas casas um apelo da directora do secretariado nacional da Fundação AIS para uma ajuda de emergência ao Líbano que, nos últimos dias, voltou a conhecer o significado da palavra ‘guerra’. Os combates, especialmente na região sul do país, estão a evidenciar a situação de enorme fragilidade em que já se encontrava este país que é ainda o reduto da maior comunidade cristã do Médio Oriente. A Igreja Libanesa é, neste momento, provavelmente o único porto de abrigo para milhares de famílias em desespero, e é para apoiar o esforço extraordinário de padres e irmãs que procuram socorrer todos os que estão em maior necessidade, que a Fundação AIS acaba de lançar a campanha “SOS Líbano”. No apelo, Catarina Martins de Bettencourt explica a urgência de mais esta campanha, de mais este gesto de solidariedade que é tão necessário para com a comunidade cristã do Líbano. “O país já atravessava uma profunda crise económica, com uma inflação galopante que conduziu as famílias para a miséria. Mas, agora, tudo está ainda pior”, diz a responsável do secretariado da Fundação AIS.

Uma diocese a distribuir comida

Actualmente, a Fundação AIS desenvolve 200 projectos em todo o Líbano. Muitos deles, que já estavam direccionados para ajuda de emergência, são agora mais necessários do que nunca. Exemplo disso é o que se passa na Diocese de Sidon. “Muitas pessoas abandonaram as suas casas no sul do Líbano e refugiaram-se na nossa diocese”, relata D. Maroun Ammar. “Temos de ajudar os deslocados e distribuir-lhes cabazes de alimentos”, acrescenta o prelado. Tal como nesta diocese, um pouco por todo o Líbano a Igreja transformou-se num lugar de refúgio. Marielle Boutros, que é a coordenadora dos projectos da Fundação AIS para o Líbano, descrevia-nos como tudo está a suceder um pouco por todo o país. “As pessoas estão agora a viver nos salões das igrejas, pelo que vão precisar de alimentos, produtos sanitários, colchões, cobertores e, se a situação se mantiver, vamos precisar de aquecimento para o Inverno, embora, claro, esperemos que isto não dure tanto tempo.”

Ir em socorro dos que mais sofrem

Marielle Boutros receia que esta nova guerra possa provocar outro êxodo, diminuindo ainda mais a presença e a influência dos Cristãos nesta região tão sensível do globo. “Tenho 37 anos e já vivi mais de cinco guerras no Líbano. Não é fácil viver num país onde num dia se está bem e no outro é preciso esconder-se dos mísseis”, explica. É neste cenário, que poderá vir a agravar-se ainda mais nas próximas horas, nos próximos dias, que a Fundação AIS acaba de lançar a campanha “SOS Líbano”. “Nesta situação tão grave, todos somos chamados a ajudar a Igreja do Líbano, todos somos chamados a dar apoio aos padres e às irmãs que estão lá, no terreno, junto das populações em sofrimento. É nos momentos de angústia que se vê a nossa solidariedade. E é isso que peço, uma vez mais, a todos os benfeitores e amigos da Fundação AIS”, diz Catarina Bettencourt na mensagem que está a ser enviada para casa de milhares de portugueses. “Nesta hora de aflição em que o Líbano volta a ser um campo de batalha, é preciso ir em socorro dos que mais sofrem é preciso ajudar as famílias cristãs que estão assustadas e de mãos completamente vazias. A vossa ajuda é essencial, tal como as vossas orações. Muito obrigada, uma vez mais, por todos os gestos de carinho e solidariedade que os Portugueses têm dado à Igreja que sofre no mundo”, conclui a responsável do secretariado português da fundação pontifícia.

Paulo Aido

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