Homilia de D. Jacinto Botelho nas Bodas de Ouro sacerdotais

Homilia pronunciada no dia 15 de Agosto de 2008, nos 50 anos da ordenação sacerdotal e por ocasião das ordenações sacerdotais «Mais uma vez esta Catedral da Senhora da Assunção e no dia litúrgico da Sua Solenidade abre as suas portas a quantos (e são tantos: sacerdotes e leigos) os que aqui se encontram, vindos de toda a Diocese, para, como assembleia celebrante, cantarmos os louvores da Mãe do Céu, participarmos no Santo Sacrifício da Missa, e vivermos com fervor e gratidão a ordenaç;ão sacerdotal de dois novos presbíteros para esta Igreja, e comigo agradecer também os cinquenta anos do meu sacerdócio. Celebramos a elevação de Nossa Senhora ao Céu, em Corpo e Alma. É a Sua Ressurreição, a Sua exaltação gloriosa, a Sua Glorificação, depois da de Seu divino Filho – esta afirmada solenemente na segunda leitura, verdadeiro acto de fé na ressurreição – o motivo do júbilo que a Liturgia nos faz viver. S. João Damasceno, fundamenta teologicamente este Dogma da nossa fé, com um pensamento que Pio XII cita, na Constituição Apostólica Munificentissimus Deus, da proclamação dogmática que muitos de nós já hoje rezámos na Liturgia das Horas. “Era necessário – afirma o último dos Padres da Igreja do Oriente – que Aquela que no parto tinha conservado ilesa a sua virgindade conservasse também sem nenhuma corrupção o seu corpo depois da morte. Era necessário que Aquela que trouxera no seu seio o Criador feito menino fosse habitar nos divinos tabernáculos. Era necessário que a Esposa que o Pai desposara fosse morar com o Esposo celeste. Era necessário que Aquela que tinha visto o seu Filho na cruz e recebera no coração a espada de dor de que tinha sido preservada ao dá-l’O à luz, O contemplasse sentado à direita do Pai. Era necessário que a Mãe de Deus possuísse o que pertence ao Filho e que todas as criaturas a honrassem como a Mãe e Serva de Deus.” A reflexão de S. Germano de Constantinopla, igualmente referenciada na Constituição Apostólica acima nomeada, afirmando Sua Santidade Pio XII, que, no pensamento de S. Germano, “a incorrupção e a assunção da Virgem Mãe de Deus condiziam não só com a maternidade divina, mas também com a peculiar santidade desse corpo virginal” ajuda-nos a compreender o sentido desta Solenidade. Diz S. Germano: “Vós, como está escrito, apareceis em beleza; e o vosso corpo virginal todo ele é santo, todo ele é casto, todo ele morada de Deus, de modo que, até por este motivo, ficou isento de ser reduzido ao pó da terra; foi, sim, transformado, enquanto era humano, para a vida excelsa da incorruptibilidade; mas é o mesmo, vivo e gloriosíssimo, incólume e participante da vida perfeita”. Sabemos que Nossa Senhora é uma simples criatura, não é uma deusa. É uma mulher que precisou da Redenção. Mas dentro desta limitação, como ensinou o Concílio e reflectiu João Paulo II, sobretudo na Encíclica Mãe do Redentor, é a primeira entre os pobres e os humildes do Senhor, a bendita entre as mulheres, a que sempre esteve sob o domínio da Graça. Ela, redimida do modo mais sublime, é o início do Novo Testamento. Esta Redenção singular não visou apenas a sua santificação pessoal: criou nela radical e plena disponibilidade para o serviço da salvação. É a escrava do Senhor e toda a sua vida é de cooperadora com Cristo na Redenção. A sua vida foi um sim permanente de empenhamento, sem desculpas, sem reticências, no cumprimento do plano do Senhor. Renuncia a si numa entrega total até à consumação máxima do Calvário, onde dolorosamente consente, adere, comunga o cruento sacrifício do seu Filho. Como a Jesus se lhe poderiam aplicar as palavras de S. Paulo: Fez-se obediente até à morte. Por isso Deus a exaltou. “Plenamente unida a Cristo, como sua Mãe e sua Serva humilde, associada estreitamente A Ele, na humilhação e no sofrimento, não podia deixar de vir a participar no mistério de Cristo ressuscitado e glorificado numa conformidade até às últimas consequências”. A Arca da Aliança, como a invocamos na Ladainha, é introduzida no templo, levada até Deus, colocada num trono de glória acima de todos os santos e anjos do Céu, como no-lo revelou a visão apocalíptica da primeira leitura e comentam os Padres da Igreja. Mas o privilégio concedido à Virgem Imaculada, é sinal de esperança segura e de consolação para todo o povo de Deus que peregrina na terra, que luta no meio de dificuldades e dos perigos da vida, contra o pecado e a morte. A Mãe de Jesus, como afirma o Concílio, glorificada já no corpo e na alma é imagem e é início da Igreja que se há-de consumar no século futuro. Nesta ordem de reflexão, permiti que recorde uma expressiva palavra de Bento XVI: “Maria foi elevada ao céu em corpo e alma: também para o corpo existe um lugar em Deus. Para nós o céu já não é uma esfera muito distante e desconhecida. No céu temos a mãe. E a Mãe de Deus, a Mãe do Filho de Deus, é a nossa Mãe. Ele mesmo o disse. Ele constitui-a nossa Mãe, quando disse ao discípulo e a todos nós: «Eis a tua Mãe!» No céu temos a Mãe. O céu está aberto, o céu tem um coração”. Mas a hora que vivemos é de imenso júbilo para a Diocese com a ordenação sacerdotal de dois novos presbíteros. É a grande benemerência de Deus a esta Igreja de Lamego e a este pobre padre que hoje celebra os 50 anos do seu sacerdócio. Recordo o momento em que colei o meu corpo ao chão desta Catedral como dentro de momentos o farão o Filipe e o Jorge. Quero partilhar convosco duas recentes reflexões de Bento XVI que muito me têm ajudado a mim e poderão ajudar igualmente os dois mais novos irmãos que as minhas mãos e a oração que vou pronunciar farão sacerdotes, e ajudar ainda todos os irmãos do Presbitério. A primeira é retirada de uma alocução aos sacerdotes, diáconos e seminaristas na Catedral de Brindisi, quando em 15 de Junho último visitou esta cidade. Falou assim: “Caros irmãos sacerdotes, para que a vossa vida seja forte e vigorosa é necessário, como bem sabeis, alimentá-la com uma oração assídua. Portanto, sede modelos de oração, tornai-vos mestres de oração. Os vossos dias sejam cadenciados pelos tempos de oração durante os quais, segundo o modelo de Jesus, vos entretendes num diálogo regenerador com o Pai. Sei que não é fácil manter-se fiel a estes encontros quotidianos com o Senhor, sobretudo hoje que o ritmo da vida se fez frenético e as ocupações absorvem em medida cada vez maior. Todavia temos de nos convencer: o momento da oração é o mais importante na vida do sacerdote, aquele em que a graça divina age com maior eficácia, dando fecundidade ao seu ministério. Rezar é o primeiro serviço a prestar à comunidade. Por isso, os momentos de oração devem ser na nossa vida uma verdadeira prioridade. […] Se não estivermos em comunhão com Deus, nada poderemos dar também aos outros.” A segunda reflexão é a resposta a um sacerdote no já habitual encontro com o clero do lugar onde Sua Santidade passa as férias de verão e que ocorreu em Bressanone na manhã do passado dia 6 de Agosto: “Há necessidade do sacerdote que se dá completamente ao Senhor e por isso se dá também completamente aos homens. […] O sacerdócio (ministerial) da Igreja significa que, por um lado, estamos consagrados ao Senhor, retirados do comum, mas, por outro lado, estamos consagrados a Ele, para que deste modo possamos pertencer-lhe totalmente e totalmente pertencer aos outros. […] Esta «retirada do comum» significa «entrega a todos». Este é um modo importante, o modo mais importante de servir os irmãos. […] Uma prioridade fundamental da existência do sacerdote é estar com o Senhor, isto é, ter tempo para a oração. Quero assim sublinhar: sejam quais forem os compromissos acumulados, a verdadeira prioridade é encontrar em cada dia, direi, uma hora de tempo para estar em silêncio para o Senhor e com o Senhor, como a Igreja nos propõe que façamos com o breviário, as orações do dia … e organizar a partir daqui as restantes prioridades. […] Tenho a impressão que as pessoas compreendem e sabem apreciar quando um sacerdote está com Deus, quando assume o encargo de rezar pelos outros: Nós – dirão – não somos capazes de rezar tanto, tu deves fazê-lo por nós, é o teu ofício, por assim dizer, ser aquele que reza por nós. Queremos um sacerdote que honestamente se empenhe em viver com o Senhor e depois esteja à disposição dos homens – os que sofrem, os moribundos, as crianças, os jovens (eu diria que são estas as prioridades).” Belo e exigente programa de vida sacerdotal. Iluminemos as reflexões com o mistério celebrado neste dia. Interessa-nos descobrir nele o caminho que Nossa Senhora percorreu, paradigma da nossa vida ministerial, e que está resumido na caminhada para casa de Isabel relatada no Evangelho. Não houve união mais íntima com Jesus que a que Nossa Senhora viveu nesta peregrinação de solidariedade. Depois pensemos que Ela subiu ao mais alto da glória, porque desceu na humildade do serviço, na disponibilidade abnegada. Deus eleva o que se humilha para O servir e para servir os irmãos. A visita a Isabel é a lição que precisamos de colher. Nossa Senhora incarnou no seu coração o amor de Deus que dela se serviu e serve, das suas formas sensíveis, para se aproximar de quantos se sentem carenciados, sejam eles quem for, sem exclusões, sem preferências, bons e maus, simpáticos e antipáticos, reconhecidos e ingratos, ensinando-nos que é assim que também nós temos de servir, amando. O amor de Nossa Senhora que corre apressadamente para as montanhas, retrata a solicitude do samaritano que se faz próximo de quem sofre e de quem precisa, indicando-nos que essa é a medida para amar. Ou parafraseando a bela expressão de Bento XVI: Como Ela temos de ser nós também: um coração que vê. Experimentaremos assim, de modo consciente e responsável, o agora referido no final da primeira leitura: Agora chegou a salvação, o poder e a realeza do nosso Deus e o domínio do Seu Ungido. Do coração agradecido do Filipe e do Jorge que vêem realizado o seu sonho de há tanto tempo acalentado, dos seu pais, irmãos e demais familiares, aqui presentes, dos Seminários com suas equipas formadoras e companheiros, das paróquias de Cambres e de Ariz, com os seus párocos e fiéis que os viram nascer e acompanharam o seu crescimento, das comunidades onde realizaram os estágios e beneficiaram do seu entusiasmo juvenil, do coração de todas estas pessoas e demais diocesanos, a quem saúdo do fundo do coração, e também do meu, confundido e grato pelos 50 anos de padre, brota, humilde, sincero e comprometido, o cântico da Mãe do Sumo e Eterno Sacerdote e de todos os sacerdotes: A minha alma glorifica o Senhor e o meu espírito exulta em Deus, meu Salvador.

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