A Igreja católica no Oriente

O trabalho da Igreja clandestina, a formação de seminaristas, o exemplo de Fengxiang e o aumento das práticas religiosas são cenários na China Com a realização dos Jogos Olímpicos em Pequim, a China expôs-se ao mundo e quis enfrentar a oportunidade de se afirmar na comunidade internacional, pondo também debate as fragilidades da sociedade chinesa. A ausência de liberdade, em especial a falta de liberdade religiosa é uma dessas fragilidades que percorre a história da China desde meados do Séc. XX. Em Novembro de 1995, foi transmitido na televisão francesa um documentário sobre os cristãos na China. Os bispos, padres e religiosos filmados foram detidos. Até hoje, James Su Zhimin, bispo de Baoding, continua desaparecido. Os padres e religiosos clandestino na China são vigiados de perto e por isso se tenta proteger as suas identidades. Trabalhar clandestiamente Numa das aldeias no Norte da China, as pessoas trabalham na agricultura. São pobres e a água é preciosa. As casas não têm aquecimento nem as infraestruturas sanitárias. O Pe. Pedro (nome fictício), da Igreja clandestina, passa a sua vida a viajar de aldeia em aldeia, de casa em casa. Em 23 aldeias, as famílias dão-lhe abrigo durante uma ou duas noites. Transporta consigo, dentro de um saco, todos os seus pertences. “Todos os dias celebro a missa, ouço confissões e visito os doentes. Aos Domingos, há três ou quatro missas em locais seleccionados de modo a que muitas pessoas possam assistir”, explica. O Pe. Pedro é sacerdote católico há 12 anos, quatro dos quais na paróquia onde actualmente se encontra. As suas visitas são aguardadas com entusiasmo, pois consideram-no membro da família. Mas o que ele faz é ilegal, pois é padre de uma igreja clandestina. “Somos perseguidos”, admite o sacerdote, acrescentando que a liberdade na China ainda está muito longínqua na China, mas temos de ter fé. Jesus disse-nos «Não tenhais medo». A Igreja de Roma foi perseguida durante 300 anos e no final consegui a sua liberdade”. O governo chinês tolera a religião sob o apertado controlo das chamadas Associações Patrióticas, que têm por objectivo assegurar que as crenças religiosas não ameacem a linha partidária. Existem três igrejas, uma das quais depende inteiramente da Associação Patriótica. Outra pertence ao Papa e à Associação Patriótica. Outra é exclusivamente leal ao Papa”. José, (nome fictício) é um trabalhar na aldeia e explica que o seu baptizado foi realizado na Igreja patriótica e só mais tarde descobriu que havia duas igrejas – a patriótica e a clandestina. “Comecei a rezar e a pedir a Deus que me ajudasse a perceber qual delas é a verdadeira Igreja”. Os cristãos que não rendem a sua fé às directivas governamentais são conduzidos para a clandestinidade, correndo o risco de serem detidos a qualquer momento. A missa é celebrada secretamente, uma vez que as igrejas provisórias podem ser destruídas pelas autoridades de um dia para o outro. Na China comunista foi sempre difícil ser cristão. “Fui baptizada em criança. Durante a revolução cultural os católicos eram perseguidos. Espancaram-me e eu abandonei a fé. Durante esses anos, não dei glória a Deus, mas mesmo não tendo sido fiel, acredito que Deus é o verdadeiro Deus”, explica Teresa (nome fictício), trabalhadora na aldeia. A partilha de um sacerdote por 23 aldeias requer a participação de todos. A Irmã Maria, da Igreja clandestina, explica que leu a Bíblia e conversou com outras pessoas acerca da vida cristã. “Faço visitas aos velhos e aos doentes, no Verão dou catequese aos jovens para eles aprenderem os ensinamentos da Igreja”. Catarina (nome fictício), da Igreja Clandestina explica que “aldeias como esta a maioria das pessoas não sabem nada sobre o Cristianismo. Mas vêem como os católicos rezam com os doentes e isso ajuda-os a perceber como Deus os ama”. Paulo (nome fictício), da Igreja Clandestina explica que trabalha no campo. “Não terminei a escola, mas sei tocar órgão e, apesar de não tocar muito bem, consigo acompanhar os cânticos da missa e agradeço a Deus a sua dádiva”. Ser seminarita Noutra localidade da China central, o ensino da Igreja clandestina tem de ser realizado secretamente. Jovens frequentam a universidade com milhares de outros alunos, mas os seus colegas não sabem que estes alunos, levam uma vida dupla. Pertencem a uma comunidade clandestina onde se encontram a receber formação para se tornarem padres. Matias (nome fictício), seminarista da Igreja Clandestina, explica que “antes de ir para a universidade, sentíamos um grande desejo de evangelizar os alunos. Mas se queremos ficar muito tempo na universidade, temo de ter cuidado e evitar o risco de sermos descobertos”. Agora o seu objectivo principal é estudar e assim que tiverem terminado os estudos “teremos mais liberdade para evangelizar”. Para evitar serem detectados, os alunos dividem-se em pequenos grupos e mudam-se para apartamentos colocados à sua disposição por famílias católicas. Comparada com o seminário, esta é uma casa luxuosa. A rigorosa rotina diária permanece idêntica. O dia começa às 4 horas da manhã e inclui cozinhar e fazer limpezas, mas também rezar e estudar. O melhor quarto da casa foi convertido em capela. Perante o olhar leigo, uma caixa decorada contém o pão da eucaristia. “Por vezes somos descobertos e temos de mudar de casa”, explica o Pe. Nicodemos (nome fictício), reitor do Seminário da Igreja clandestina. “Estivemos já em muitos lugares”. Quando era seminarista o sacerdote recorda ter mudado três vezes de residência e todas as mudanças foram feitas secretamente, a meio da noite. “Por vezes os seminaristas da Igreja patriótica juntavam-se nós. Temos de ser prudentes, nesta situação, porque receamos que eles sejam espiões”. O próprio reitor do Seminário conhece a prisão por dentro. Mas não é isso que o preocupa mais. A qualidade da formação teológica a oferecer é a principal preocupação. “A nossa maior dificuldade é não ter professores. O reitor do Seminário ensina um pouco de tudo, mas no final acabamos por mão conseguir ensinar nada devidamente. Outro problema é a falta de bons livros para estudar”. A diocese de Fengxiang Lucas Li Jingfeng, nasceu em 1922. Passou 23 anos da sua vida na prisão e em campos de trabalho, uma situação normal para um bispo da sua geração. A primeira onda de perseguição teve início quando os comunistas chegaram ao poder em 1949. Os missionários foram expulsos, os bens da Igreja foram confiscados e os bispos e padres foram presos tendo muitos deles sido assassinados. Na altura em que D. Lucas Li foi preso pela primeira vez, sabia que não podia esperar mais nada. O bispo da Igreja Clandestina aprovada pelo governo afirma que “não tinha medo. Era normal ser perseguido. Se não tivesse sido perseguido teria sido um milagre”. Por isso “não havia tristeza, temor, medo ou dor. Havia sofrimento, mas Cristo sofreu por nós”. A perseguição intensificou-se em 1966, na altura que Mao Tsé-Tung lançou a Revolução Cultural, para eliminar os seus opositores políticos. Durou uma década, matou milhões de pessoas e destruiu o tecido da sociedade chinesa. A religião em geral, e a Igreja Católica em particular, foi apontada como contra revolucionária. “Durante a revolução cultural, os que não estavam na prisão, sofreram mais do que nós sofremos quando estávamos na prisão”, recorda o Bispo Lucas Li. As igrejas forma destruídas, fecharam-se seminários, e os clérigos foram assassinados ou presos. D. Lucas Li recorda não ter sofrido muito. “Um dos meus colegas de turma sofreu muito mais. Foi muito corajoso. Era um homem de fé, um cristão convertido. Espancaram-no, esfaquearam-no e rasgaram-lhe as roupas e enquanto era torturado repetia «sou padre da Igreja Católica. Se vocês me maltratarem como uma pessoa normal, não importa. Mas se me maltratam porque sou padre, não temo nada»”. O programa de liberalização de Deng Xiaoping, de 1978, começou a abrir portas para o regresso da religião à vida pública chinesa. Mas esta liberdade religiosa limitada tinha um preço – o controle das associações patrióticas criadas sob o domínio de Mao tsé-tung para assegurar a compatibilidade da religião com o ideal do partido comunista. Para os católicos a ligação à Associação Patriótica significava a renúncia ao poder papal. D. Lucas Li negou. “Se não estivermos unidos a Roma, ao Vaticano e ao Papa não somos católicos”. D. Lucas Li conseguiu algo de excepcional na China. Desde a sua libertação, as boas relações que mantém com o governo permitiram-lhe contornar a Associação Patriótica, através da direcção da sua diocese. O Bispo Lucas Li nunca renunciou ao Papa e ainda consegue trabalhar sem disfarçar. “É um milagre”, considera o Bispo. A Associação Patriótica nunca foi ter com D. Li e nunca falou com ele. “Negoceio directamente com o governo”. A maior força de D. Lucas Li é o apoio que recebe de todos os sacerdotes da sua diocese. Aqui, os católicos fieis a Roma, não são obrigados a fazer o seu culto secretamente. Nesta diocese foram construídas cerca de 30 novas igrejas. Isto foi possível porque com a abertura da China, os bens da Igreja “foram-nos devolvidos e aqui o governo local é tolerante”, explica o Pe Yang Xiao Jian, da Igreja Clandestina, apoiada pelo governo. Nova Igreja construída perante o olhar dos inspectores do governo. Chinesa por fora, por dentro a igreja é complemente romana. A Igreja foi construída em estilo chinês. “Em geral, os fiéis preferem igrejas em estilo europeu, que proclamam que a nossa fé vem de Roma. Mas o nosso bispo encorajou-nos a construir em estilo chinês como sinal da aculturação da fé católica na cultura chinesa”, explica o Pe. Yang Xiao Jian. Na aldeia de Jian Hong Tu, a cerca de 1125 quilómetros de Pequim, a divisão ideológica entre o comunismo ateísta e a religião, foi ultrapassada por dois homens. O sacerdote da paróquia católica e o secretário do partido comunista, que juntaram força para oferecer uma escola às crianças locais. Yan Qike, Secretário do Partido comunista em Baishan, explica que a reconstrução da escola foi possível graças ao pároco da paróquia e com a ajuda de uma fundação alemã. “A Igreja católica cumpre as suas promessas. Apoiaram-nos desde o início da construção até ao fim. Se no início o governo tinha criticas a fazer, no final, depois de ter falado com vários funcionários públicos responsáveis, deixaram-nos avançar”. A abordagem do secretários do partido comunista é pragmática. “Nesta área existem muitos cristãos que são cidadãos modelo. As autoridades reconhecem este facto e não interferem nas actividades da Igreja. A reputação dos cristão aqui é de pessoas exemplares no respeito pela lei”. A diocese de Fengxiang de D. Lucas Li, na província de Shaanxi, é exemplo de relações novas e melhoradas. Existem alguns casos de protestantes e ortodoxos russos que actuam sem filiação a uma associação governamental. Mas este acordo, apenas aprece possível a uma distância segura de Pequim. Parece uma incógnita o facto de o governo tolerar esta liberdade a uma maior escala. Prática religiosa em alta A religião é ainda um dos segredos mais bem guardados da China. Ninguém sabe ao certo quantos crentes religiosos existem na China mas todos sabem que os números elevados e se encontram em rápido crescimento. Os estudiosos chineses começam a avaliar este novo factor. O professor Tong Shijun, Vice presidente da Academia de Ciências da Universidade de Xangai conduziu a primeira pesquisa de opinião em larga escala sobre a adesão religiosa na China e descobriu que mais de 30% das pessoas se considera religiosa. Significa isto que cerca de 300 milhões de chineses rezam. “O número de pessoas que diz acreditar em algum tipo de sistema religioso é mais elevado do que esperávamos. Na China, actualmente as pessoas estão mais abertas para se exprimirem nestes aspectos, enquanto que antes provavelmente teriam hesitado em exprimir-se como seno ou não religiosas”. Outro pressuposto questionado pelo estudo diz respeito à classe social. “Esperávamos que as pessoas em áreas economicamente mais prósperas manifestassem um menor interesse religioso, mas não é esse o caso. Para nossa surpresa não existe paralelo entre a situação religiosas e a situação de sucesso económico”. Financiado pelo Ministério da Educação chinês, o estudo faz parte de uma abordagem nova e mais descontraída ao velho inimigo, a religião. “O governo mostrou mais atenção ao papel das religiões na construção da chamada sociedade harmoniosa socialista. Houve no passado atitudes mais negativas e inibitórias”. As atitudes em relação à religião podem estar a mudar, mas a solução proposta permanece a mesma , o Marxismo. “O Marxismo pode também ir de encontro às crescentes necessidades de vida espiritual na China. Existe um interesse crescente na vida e na dimensão espiritual entre os chineses”. Mas na China, que tem uma tradição secular, “a procura do sentido da vida pode também ser satisfeito por ideologias seculares”. O surto religioso na China impressiona o governo. Mas um factor ainda mais alarmante, é a comissão disciplinar, 20 dos 60 milhões de membros do partido serem crentes e 10 milhões participarem regularmente em serviços religiosos. A liderança chinesa trocou os ideais do marxismo pelo capitalismo. Falta saber se o próximo será o ateísmo. Redacção/Romereports e Chatolic Radio and Television Network/Ajuda à Igreja que Sofre

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Agência ECCLESIA

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