Pastoral dos ciganos: Bruno Oliveira é mediador sociocultural e gostaria que a sua função «não existisse»

Há 20 anos a fazer a ponte entre a comunidade cigana e o mundo hospitalar, Bruno ajuda na burocracia, na diminuição de dificuldades e a ultrapassar preconceitos que são como «uma criança num quarto escuro»  

Foto: Agência ECCLESIA/MC

Lisboa, 17 jul 2024 (Ecclesia) – Bruno Oliveira, mediador sociocultural no Centro Hospitalar de Lisboa Central, ajudando a fazer a ponte com a comunidade cigana, disse à Agência ECCLESIA que o ideal era a sua função não existir mas a desigualdade mostra a necessidade.

“O mediador procura atenuar uma desigualdade que existe no acesso à saúde, no meu caso, em relação às comunidades ciganas. Nós temos menos de 16 anos de esperança média de vida em relação à sociedade maioritária. Quando esse equilíbrio for uma realidade a minha função deixa de fazer sentido”, conta o mediador em funções há 20 anos, mas reconhecido institucionalmente há dois.

Bruno Oliveira integra o Gabinete de Segurança, pertencente à Comissão para a Diversidade e Inclusão do Centro Hospitalar de Lisboa Central, ou seja, acompanha os hospitais Dona Estefânia, Santa Marta, São José, Curry Cabral, Capuz e a Maternidade Alfredo da Costa.

Na função que desempenha está disponível para ajudar alguém que chega e não sabe onde se dirigir para ter uma consulta; informar sobre como obter consultas – encaminhando, por exemplo, para o médico de família; informa sobre tempo de espera, para que a pessoa perceba que não está esquecida; sobre regras do hospital, burocracia e linguagem “mais técnica” geradora de conflitos.

Bruno Oliveira procura também criar uma educação para a saúde entre a comunidade cigana, contrariando a “ideia de que falta de saúde é ter uma pena partida”.

Mas também em ambiente hospitalar é necessário criar uma cultura de encontro que permita ultrapassar situações potencialmente geradoras de conflito.

A solidariedade é um valor ético para a comunidade cigana. Quando um familiar ou pessoa próxima está num momento de fragilidade, as pessoas deixam de ir trabalhar para acompanhar quem está sozinho ou fragilizado”.

Bruno Oliveira fala em valores que a comunidade procura manter: “O respeito que nós temos pelas pessoas mais velhas é muito, muito grande. Com eles está a sabedoria, está a experiência da vida, são eles que resolvem problemas nos matrimónios, promovem a união e o perdão entre pessoas; nas festas comunitárias é tradição eles dão a bênção”.

“Estive de luto pela morte do meu pai e vesti o típico luto cigano, todo de preto, barba e chapéu. Um dia, ia entrar por uma porta do hospital, onde só entram os funcionários e um segurança questionou-me. Tive de lhe mostrar o meu cartão do hospital porque ele não acreditava que eu trabalhava lá”, recorda.

Bruno Oliveira esclarece que “os sinais externos” são importantes para as pessoas ciganas como forma de expressão de sentimentos: “Há pessoas que exprimem os sentimentos através da pintura, da arte. Nós exprimimos o nosso sentimento de tristeza através do luto. E também é uma forma de honrar aqueles que já partiram”.

Mas há também “experiências muito positivas” que vive no trabalho: “Quando eu estava de luto, houve um almoço no serviço, e os meus colegas pediam um prato de peixe porque sabiam que eu não comia carne. Eu brincava com eles a dizer que eles estavam um bocado ‘aciganados’”.

Bruno Oliveira recorda que desde cedo cresceu aberto à diferença e ao respeito, tendo crescido no bairro Padre Cruz, na freguesia de Carnide, em Lisboa, na rua a jogar à bola, a “apanhar fruta no quintal dos vizinhos” com crianças de diferentes culturas, “algumas de famílias retornadas” e a aprender o valor da diferença; nas ruas onde viveu nunca se sentiu discriminado porque ali crescia-se com solidariedade.

“O preconceito é como uma criança que está numa sala às escuras, que na própria cabeça cria os seus próprios monstros, os seus próprios medos, que são imaginários, e quando acende a luz esses monstros simplesmente desaparecem porque há conhecimento sobre quem é o outro”.

“Vivemos hoje numa sociedade intercultural, onde as culturas estão em interação, trocam conhecimentos e valores. Esta interculturalidade convoca ao respeito e ao conhecimento do próximo, ultrapassando preconceitos e muitas barreiras que existem na muita falta de diálogo e ruído na comunicação”, constata.

Quando era pequeno a sua mãe sempre lhe disse que seria o doutor da família e cedo acompanhar os pais na venda nas feiras lhe provocava um “vazio enorme”; quando a oportunidade de fazer a formação para mediador sociocultural surgiu na sua vida agarrou o estudo com muito entusiasmo, dedicando-se ao aprofundamento de áreas como Psicologia, Relações Interculturais, Psicopatologia, a História do Povo Cigano e Saúde.

“O mais importante não é o que nós queremos ser no futuro, mas é ter objetivos no futuro. O preocupante é que quando não se tem objetivos, nem se pensa no futuro”, lamenta.

A conversa com Bruno Oliveira, mediador sociocultural no Centro Hospitalar de Lisboa Central, pode ser acompanhada esta noite no programa ECCLESIA na Antena 1, pouco depois da meia-noite, ficando disponível no portal de informação e no podcast ‘Alarga a tua tenda‘.

LS

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