D. Antonino Dias, bispo de Portalegre-Castelo Branco
Galileu, criador do método científico, foi um lutador contra a negação da ciência, um defensor da liberdade e da honestidade intelectual. Ao defender as ideias heliocêntricas, viu-se em palpos de aranha, foi condenado. Má sorte! Mesmo que obrigado a negar publicamente o que a ciência lhe dizia, não deixou de segredar: ‘no entanto, ela move-se’. Faleceu em prisão domiciliária na noite de 8 de janeiro de 1642, desgostoso e sofrido. A questão não foi tanto entre religião e ciência. Nem o próprio Galileu via a coisa assim. Aliás, foi o Padre Nicolau Copérnico, Cónego da Catedral de Frauenburg, Polónia, o primeiro que, fazendo da torre da catedral o seu observatório astronómico, defendeu a teoria heliocêntrica, contradizendo a geocêntrica de Ptolomeu. As contribuições de Kepler e de Galileu, também católicos, é que confirmaram mais essa constatação. O problema esteve do lado de quem tinha poder e se julgava dono da verdade. A Bíblia nunca foi nem é um livro de ciência. A linguagem bíblica é metafórica e não se pode dizer que tenha erros. O erro está em interpretá-la de forma literal ou em usá-la como coisa que ela não é. Urbano VIII, embrulhado pelos seus acólitos, cultura e ambiente do tempo, fez isso, errou. A Igreja, porém, também ao seu mais alto nível, reconheceu o erro e seguiu em frente. Nunca desistiu da ciência, penetrando também ela por vários caminhos da criação e divulgação de conhecimento. Sempre o fez, vendo na ciência uma espécie de ‘purificação intelectual’, um serviço à verdade e ao próprio homem. São João Paulo II, afirmou-o, pública e humildemente. O Papa Francisco, em tempos, afirmou que nem o Big Bang nem a teoria da evolução de Darwin estão em conflito com a fé. Bento XVI falava eloquentemente sobre a necessidade de a ciência e a fé darem as mãos para chegarem ainda mais longe. Através dos tempos, muitas pessoas da Igreja, incluindo padres e bispos, fizeram descobertas científicas que marcaram a história da ciência e o progresso científico. Alguns continuam a desbravar esses caminhos.
Os nossos dirigentes europeus e nacionais, hoje, não ignoram, por certo, a ciência, promovem-na. Em certos âmbitos, porém, fazem dela tábula rasa. O Parlamento Europeu aprovou uma resolução a reclamar que o recurso ao aborto, como método anticoncetivo, seja consagrado como direito fundamental na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Segundo essa petição, no Artigo 3º deve constar que “todas as pessoas têm o direito à autonomia sobre o corpo, o acesso gratuito, informado, pleno e universal à saúde e aos direitos sexuais e reprodutivos, e a todos os serviços de saúde conexos, sem discriminação, incluindo no acesso ao aborto seguro e legal”. A intenção é eliminar todas as restrições e obstáculos afetivos, parentais, jurídicos, financeiros, sociais, médicos, etc. etc. que se oponham ao aborto, pressionando ou obrigando mesmo os países a que o façam, também em conformidade com as orientações da OMS que estão na mesma linha.
Se os meus apontamentos estão certos, houve 336 votos a favor, 163 contra e 39 abstenções. No entanto, a petição precisa ainda de ser aprovada por outras instâncias da EU. Entre nós, afinam pelo mesmo diapasão o PS, o BE, o PCP, o PAN, o L e a IL. Os homens têm livre escolha de procriar, as mulheres não. Por isso, a única maneira de acabar com esta descriminação, é que as mulheres tenham o direito ao aborto, dizem. Para eles, o aborto não mata, salva vidas. Além disso, defendem que as mulheres têm o direito de decidir sobre o seu próprio corpo. A questão, porém, é que se trata doutro ser humano. A ciência diz que, desde a sua conceção, há uma nova vida. Não uma qualquer espécie de vida, mas uma vida humana. Não nascida, é verdade, mas existente e viva. Sabemos que os conhecimentos sobre o ADN, as ecografias 3D, 4D e 5D permitem afirmar isso e acompanhar o crescimento da criança. Não será essa, pois, uma iniciativa contra a ciência? O direito ao aborto será mesmo um direito humano? Uma liberdade fundamental? Será que o aborto não mata mesmo o outro, mas salva vidas? Ou será que a verdade científica e os direitos humanos, em certas circunstâncias, podem depender de maiorias parlamentares ou outras, ou da vontade subjetiva de cada um? Será que a ciência aqui não conta? Ou será que, hoje, o negar a ciência já não significa atraso nem obscurantismo e passou a demonstrar progresso e ideias arejadas? E será que o direito sobre o próprio corpo não promove a desigualdade, tornando os mais frágeis vítimas de quem sobre eles superentende? Não será isso consagrar na lei que há seres humanos que nem sequer têm o direito de que os deixem nascer e viver? Mas o direito à vida não é o direito fundamental, o maior dos direitos sobre os quais assentam todos os outros direitos? E será que a iniciativa em causa constitui mesmo um avanço nos direitos das mulheres, um progresso para os países, um direito sexual e reprodutivo e/ou um passo fundamental para a defesa da liberdade, da igualdade, da justiça e da saúde sexual e reprodutiva em toda a União Europeia, como afirmam? Não será isto meramente ideológico, anticientífico, promotor da desigualdade humana e destruidor duma sociedade a partir de dentro? Será que o direito de decidir sobre o meu próprio corpo, me permite decidir sobre se o outro, que depende total e absolutamente de mim, deve continuar a existir ou deve ser morto por interesses vários? Não vem isso contradizer a essência dos direitos humanos e a essência do próprio direito? Será que a criança é propriedade da mulher e que entre a criança e ela não existe uma relação pessoal, maternal, filial? Não é um dever da legislação, dos políticos, da política e duma sociedade que se preze de o ser, servir os mais frágeis e desfavorecidos, sobretudo os que estão à mercê da vontade de terceiros? E não dizem as autoridades públicas que estão para servir o povo, todo o povo? Então, porque se vive preocupado em tutelar os ‘direitos’ de quem mata e não se defende quem vai ser morto? Será um verdadeiro Estado democrático aquele que disponibiliza serviços e subsidia a ‘morte segura’ (!) dum ser humano para que não cause problemas àquele que mata, abortando? Não será mais justo e humano que o Estado faça tudo para que as mulheres vivam com alegria a sua maternidade? A grandeza e a dignidade da mulher bem como os direitos humanos não merecerão mais, muito mais, muitíssimo mais e melhor?
Desde 2007, que se saiba, só em Portugal já se realizaram mais de 250 mil abortos voluntários. A estratégia é clara e tem feito o seu caminho. Embrulha-se a mensagem em algumas verdades para que se torne simpática e a mentira passe, mesmo que lentamente. Manipula-se a linguagem, deixa-se de usar a palavra aborto, dá-se-lhe nomes mais simpáticos e enganadores, como se isso mudasse a realidade. Quere-se fazer crer que é uma mera questão religiosa e não humana, fomentando o desprezo teórico em relação às religiões, como retrógradas, e promovendo os promotores da causa, como peritos na matéria. Ridiculariza-se, como reacionário e obscurantista, quem luta contra tal embuste e defende o contrário. Até se pretende obrigar os profissionais de saúde a executar o aborto, mesmo quando invocam o seu direito à objeção de consciência. Os ideólogos destas causas, regra geral, só admitem a democracia, e são democratas, quando os outros pensam e dizem o que eles dizem e pensam!…
Sempre achei que o homem deve duvidar de si mesmo, não da verdade.