Entrevista conduzida por Paulo Rocha
– O que é que levou um estudante do quarto ano de Engenharia Mecânica a deixar o curso e decidir ser sacerdote?
– Todas essas coisas são um processo. Depois não se pode resumir, são coisas que vêm de longe e que têm momentos intensos. Mas, antes de mais nada, gostava de dizer que tenho muito gosto em celebrar estes 50 anos de padre e poder ter esta conversa com a Ecclesia.
– É um grande gosto, mas se quisermos recordar esta ocasião…
– Às vezes faço esta retrospetiva e encontro sempre novas frentes. É uma coisa que foi amadurecendo, porque sempre tive desde miúdo, e lembro-me desde muito miúdo, esta grande preocupação com a vontade de Deus: o que é vontade de Deus?
Lembro-me de um retiro no final dos anos do colégio – andei oito anos no Colégio João de Brito, em Lisboa – fui para a Instrução Primária – que foi muito intenso, mas depois havia muitas coisas: eu tinha algumas ideias profissionais, algumas empurradas pelo meu pai, outras por mim, jogava râguebi, estava muito envolvido nisso tudo, tinha uma namorada, que corria muito bem, mas sempre vinha ao de cima uma certa…
– A questão da vocação…
– Sim, sempre. Sem ser uma inquietação! De vez em quando vinha.
Por outro lado, a engenharia não me estimulava assim tanto. Não era contra, mas também não era um impulso. O que é que eu vou fazer com isto? Como é que isto abre mais para as relações humanas, mais para as questões humanas, que sempre me interrogaram? Não havia ali, de facto, um grande caminho. Podia ser uma profissão, mas não provavelmente uma vocação, um encantamento.
Andando, andando… Algumas coisas puxaram mais, a morte desta namorada teve influência, mas sobretudo teve uma grande influência alguém que me veio dar, por volta desses tempos, o primeiro livrinho que se publicou em Portugal, do padre Teilhard de Chardin, «O pensamento do Padre Teilhard de Chardin».
– Um jesuíta também…
– Sim. E foi para mim, talvez a primeira coisa que se publicou do padre Teilhard de Chardin, que praticamente nunca tinha ouvido falar. E foi o António Alçada Batista, que era uma figura, um grande editor daquela altura, da Editora Morais, que eu conheci, e que disse: tenho um livro para ti que acabei de editar. De facto, foi o rasgar de horizontes e de vontade de encontrar um caminho de síntese para as coisas. Em miúdo sempre fui muito pensativo com a ideia de como é que as coisas se ligam, quais são as relações. Sempre fui um bocadinho inquietado por isso. E aquele livro rasgou-me um horizonte extraordinário.
Depois a direção espiritual com o padre do colégio. Embora já estivesse na universidade, mantinha uma conversa regular com o padre Raposo. E então começou realmente a ganhar corpo essa possibilidade.
– Não só a opção sacerdotal, mas também a opção pela Companhia de Jesus…
– Sim! Nunca separei as duas coisas! Embora eu tivesse a presença e muita amizade da minha paróquia, que era Santa Isabel, em Lisboa, e dava-me muito bem com o prior de lá e com os outros, mas a marca do colégio: quando pensava em padres, as minhas imagens eram um coletivo daqueles oito anos, muito ricos, com muitas coisas. No último ano, uma grande viagem à Alemanha com um grupo do colégio para os encontros dos vários colégios. Então, escolheram-me também para ir.
– Idades que são marcantes nesse processo educativo.
– Acabei por entrar com 24 anos.
– Na Companhia de Jesus
– Sim: entrei no noviciado, que era em Soutelo. Coincidiu também com a entrada do padre António Vaz Pinto, éramos muito amigos. Isso também ajudou, porque puxámos um pelo outro. Foi engraçado, porque nunca tínhamos falado sobre isso, embora fôssemos muito amigos, e tivéssemos mesmo um grupo de amigos. Foi uma coisa que não falámos, mas, de repente, encontramo-nos a dizer que estávamos a pensar mais ou menos no mesmo.
– Dois jesuítas que marcaram a história da Companhia aqui em Portugal nos últimos anos.
– E depois fomos ordenados juntos, neste mesmo 12 de Julho. Só que, há dois anos, ele morreu.
– No dia 1 de Julho de 1922.
– Fizemos um percurso muito interessante, éramos amigos. E, de facto, entrámos juntos, porque, quando fomos propor a entrada ao Provincial, ele disse que era melhor irmos juntos, do que um em cada ano.
– Regressemos a esse livro do padre Teilhard de Chardin, porque decorre daí também uma marca da sua forma de ser sacerdote: essa leitura cristã do mundo foi uma marca permanente, ao longo destes 50 anos?
– Sim, sempre. E depois também veio ter comigo, já nos princípios do ano de 2000, um grupo, mas sobretudo a figura do António Paixão, a ideia de trazer para Portugal a Associação de Amigos do padre Teilhard de Chardin, uma coisa em França, na Bélgica e noutros países, que tem muita força. Então aliei-me a ele, porque achei que, finalmente, alguém quer agarrar nisto a sério, a difusão dos textos e dos livros do padre Teilhard de Chardin. Então o António Paixão arrastou-me, e eu, com muito gosto, estive também na fundação dessa Associação de Amigos do padre Teilhard de Chardin: temos um retiro anual, temos conferências, algumas publicações…
– Um dos muitos projetos onde se envolveu, e já vamos a outros projetos. O facto de ser jogador de râguebi também teve influência no que foi a descoberta da vocação e o lançar-se nessa vocação?
– É verdade! Ainda hoje faço muitas reflexões e até o último editorial da revista ‘Brotéria’ é sobre o desporto, sempre me interessei imenso. O râguebi, para mim, é uma escola de vida. Grande influência do meu pai, que foi um grande promotor do râguebi em Portugal e construiu o Estádio Universitário de Lisboa, impulsionou o do Porto, o de Coimbra também… Sempre entendi isso como uma escola de vida: por um lado, pelo empenho que tem; por outro lado, é um desporto que não se pode compatibilizar com o individualismo ou com o elitismo de sermos estrelas. É verdadeiramente um desporto de equipa e onde há papéis muito bem direcionados. Mas, o meu pai fazia uma coisa interessante: para percebermos o nosso lugar – dos 15, cada um tem o seu lugar na equipa: ele punha-nos a jogar em todos os lugares. “Para jogares no teu lugar, tens de perceber o que é que se passa com os outros”. Foi uma máxima que me ficou.
– Foi isso que o levou a escrever, acredito que tenha sido o primeiro livro, «Râguebi, um desporto completo»?
– Sim, foi uma reflexão que fiz. Quando fui dar aulas para o colégio de Santo Tirso, transformei um campo de futebol num campo de râguebi, com um grande susto de todo o colégio. Não foi fazer um relevado, foi fazer um “ervado”: meti uma vaca com um arado e dei cabo do campo, para depois poder lá jogar. Era um campo cheio de pedras. Dali saíram alguns jogadores muito importantes, depois do colégio, quando foram para as universidades.
– E nesta abordagem ao desporto, a via profissional claro que é necessária, mas vai deturpar o verdadeiro espírito do desporto, na sua opinião?
– Pode, não necessariamente, se for equilibrado. Acho que nunca se devia ser só, só, só, desportista. Como também nunca devemos, em qualquer outra profissão, deixar de ter outros espaços, devemos ter alargado as nossas visões e outras ocupações, ou artística, ou cultural, porque senão depois, quando se acaba o desporto – e acaba cedo sempre – o que é que se faz? E nem todos são grandes figuras para ter enriquecido, antes, pelo contrário. Portanto, há ali uma coisa viciante: noutros desportos, em muitos países, o desporto deixa de ser desporto, passa a ser espetáculo. Já não são apenas desportistas, são artistas, são pessoas com grandes capacidades, a gente vai ao espetáculo, mas de desporto tem pouco, porque o desporto é uma atividade – a palavra quer dizer isso – sem porte. O “des-porte” significa não-porte. Portanto, é aquilo que se faz gratuitamente. É o lúdico do humano, um dos traços da humanidade é o “ludos”, é o jogo, a capacidade de jogar, de inventar jogos, de criar. Mas, este profissionalismo, que depois já não é profissionalismo é negócio, e negócio altíssimo, é perturbador, porque se perde a relação com as pessoas. Há quem seja capaz de lidar, mas há um perigo. Eu dizia muitas vezes isso: já não vivia na parte dos desportos, vivia na parte dos espetáculos.
– E vemos isso na história de muitos desportistas: felizmente, alguns recuperam essa parte humanista, nomeadamente no Euro…
– Sim, e tem que ser, porque se não fica uma coisa lateral, uma profissão…
Por isso é que o desporto, sem ser acompanhado por valores e por uma educação à vida, o saber perder, o saber ganhar, os ideais olímpicos, de alguma maneira, são muito mais participar do que ganhar.
– Uma marca que é, de alguma forma, uma herança paterna… Se nos quisermos focar numa herança materna, teremos a serenidade, a proximidade de todas as pessoas, com reflexo no seu percurso sacerdotal?
– Sim, sem dúvida. Acho que herdei dos dois lados.
– E isso deu-lhe um equilíbrio?
– Acho que sim. O confronto era grande… Acho que tive uma família que me conduziu bem, sem pressão nenhuma. Somos seis, com idades diferentes (agora já não somos. A minha irmã mais velha já morreu) e eu sou o segundo. Creio que as relações entre nós eram construtivas. Havia uma forma muito grande de responsabilizar, responsabilizar cada um, na sua idade, no seu tempo, no seu modo. Havia ali uma pedagogia.
– E passou, de facto, para a sua missão sacerdotal, esse perfil materno de serenidade.
– Acho que sim. A minha mãe era uma mulher capaz de ouvir. Não intervinha muito, mas percebíamos o que é que aprovava e o que é que não aprovava. Tinha esse jeito de não criar conflitos, mesmo com as coisas que podiam não estar muito a condizer com o seu coração. Devo muito a muita gente.
– Depois da formação, da Filosofia em Portugal e da Teologia na Gregoriana, em Roma, foi ordenado sacerdote.
– Entrei de 64 para 65 e foi ordenado em 74, num tempo quente.
– Como é que viveu esse tempo, que era também do pós-concilio Vaticano II, de muita desistência, mesmo entre sacerdotes, perturbou esse ambiente?
– Não muito, mas vivíamos isso com bastante intensidade. Senti o Concílio Vaticano II como o Papa João XXIII: “ar fresco”, que era a razão de dar início a este Concílio, ir aos fundamentos da Igreja e à sua história, o reencontrar, sobretudo, a linguagem, que é sempre, para mim, a grande preocupação na comunicação. Qual é a linguagem a usar? Sem querer ferir o rigor dos termos, eu procuro muito naquilo que falo, naquilo que escrevo, ir ao encontro de uma linguagem que não pode ser rígida, por muito técnica que seja (mas também não podemos perder-nos em explicações). Gosto de perceber as coisas, de encontrar as sínteses, as linguagens. E os livros saem um bocado disso.
– Ser ordenado cerca de três meses após a Revolução de Abril, como era o ambiente?
– Era tenso, havia cuidados. O meu pai, que era administrador de uma fábrica, tinha sido saneado à força. Bom, estava a viver lá fora e a verdade é que, na televisão italiana, percebia-se melhor o que é que se passava em Portugal. Fui tão acompanhado em Itália, naquela altura, que nós íamos à televisão ver o que é que se passava. E a verdade é que estávamos sempre a ter mais informação organizada do que percebíamos com a correspondência e com aquilo que se estava a passar cá.
As coisas, evidentemente, não podiam estar a ser conduzidas e com menos isenção. E a televisão, a RAI, dava panoramas muito grandes do que é que estava a acontecer em Portugal. Estar lá fora não me tinha tirado a visão de acompanhar.
No dia da ordenação, no Colégio de São João de Brito, havia avisos: cuidado, não vamos criar aqui algumas pessoas que possam vir perturbar a celebração.
– Tranquilo?
– Não, antes pelo contrário. Antes pelo contrário!
Primeiros anos de padre: Campos de Férias
– Os primeiros anos de sacerdote foram num ambiente dos colégios, nomeadamente em Santo Tirso?
– Sim, estive um ano a dar aulas em Santo Tirso e era o perfeito dos mais velhos. Era o internato, naquela altura. O internato dá muito trabalho porque se tem, não só de organizar as aulas, mas os tempos livres, dia a dia, os tempos livres, as noites, os descansos.
– E terá sido essa experiência de proximidade com adolescentes e jovens que o levou a pensar, dez anos depois de ser sacerdote, em projetos para as férias, nomeadamente os campos de férias?
– Tinha feito alguns acampamentos com o Colégio, em miúdo. E apreciava essa ligação à terra.
Há pouco tempo, o padre Pedro Rocha Mendes comentava que se tinha impressionado com comentário meu, escrito para os 30 anos do Camtil – o Camtil é o movimento de campos de férias que fundei com muito gosto e muita alegria e que agora faz 40 anos – e que tinha este título: «O Camtil aconteceu-me». Eu acho que quase tudo me aconteceu na vida. Não fui tanto à procura das coisas, mas vinham ter comigo: nunca tinha pensado ir para um internato, nem tinha estado. Mas, aquela oportunidade, ao ver aquela coisa toda, estava a começar a mexer comigo. Nunca fui tanto de tomar uma iniciativa, mas de responder.
Em Coimbra, quando viemos fundar o Centro Universitário de Coimbra, o Centro Manuel da Nóbrega, havia, a partir do Colégio de Coimbra, Colégio de Cernache, um movimento de Campos de Férias, que se chamava Mocamfe e funcionava muito bem, para os alunos dos colégios. Agora, também há um novo movimento para os colégios, chamam-se Campinácios, naquela altura, chamava-se Mocamfe. E foi uma coisa um bocadinho revolucionária, deste padre Hélder Ribeiro. E fui indicado pelo provincial para ir trabalhar com ele, nos campos de férias. Não me era nada estranho, tinha gosto e ia aprender com ele.
Para encurtar as coisas: o padre Hélder Ribeiro, de quem era amigo, fez um percurso algo complexo no seu sacerdócio, acabou por deixar primeiro os jesuítas e depois o sacerdócio, casou e eu acompanhei um bocadinho esse processo.
A partir daí, um conjunto de pessoas a que se ligou – é importante dizer isto – não tinham a espiritualidade com que estes campos de férias tinham nascido. E os campos orientados por ele, os mais velhos, começaram a tornar-se campos de teatro, campos políticos, e aquilo começou a inquietar as famílias. Até que chegou uma grande crise. E o Bispo de Coimbra, que era na altura a instituição máxima daquele movimento juvenil – naquela altura, ainda os movimentos juvenis não podiam ter autonomia, ou dependiam do Estado ou dependiam da Igreja – dissolveu o Mocamfe, quando eu lhe fui apresentar que aquilo se estava a desviar profundamente da espiritualidade com que tinha nascido.
– Estávamos na década de 70 ainda? Ou já 80?
– Sim, 70 para 80, o Camtil começou em 84. Todos aqueles anos, de 76 para a frente, eu estive a fazer campos de férias.
Pôs-se a questão de fazer um novo. E aí pude organizar, com o grupo de casa, o que é que queremos dos campos de férias, como é que podem ser uma missão de espiritualidade inaciana. O que é que é a espiritualidade inaciana para estas idades, começando pelos miúdos, pequeninos, de nove anos, até aos mais velhos? Como é que há aqui uma gradualidade, quais são os traços de ligação à natureza, ao trabalho, à gratuidade? Quais são os valores? Então organizei os ‘pilares do Camtil’ e, a partir daí, fizemos os novos estatutos e o novo nome.
Foi um trabalho muito bonito, de equipa entre nós, e de pensar uma pedagogia ligada à natureza com inquietações ecológicas, que ainda não se falava disso, na linha da fé, do serviço, da comunidade, da alegria, do tempo livre.
– Tudo isso em liberdade?
– Sim. Exatamente. E então nasceu qualquer coisa de novo. Mas foi uma coisa que foi até comigo, tive de agarrar naquilo, caiu-me nos braços. Mas sempre apoiado nas coisas da comunidade e estávamos sempre a por os jesuítas mais novos como animadores, como diretores de campo.
– O papel do animador, em todo esse processo, é central?
– Centralíssimo.
– Até a nível pessoal, do próprio?
– Eu digo que os grandes beneficiários dos campos de férias são os animadores. E é nesses que temos de apostar a preparação. Porque é muito importante que se delegue. Nos campos de férias não há anarquia, mas há uma grande delegação nas responsabilidades pessoais e nas missões que se vai tendo no dia-a-dia: quem vai ajudar na cozinha, quem vai levar a louça, quem vai às latrinas? E isso tudo roda com…
– Voltámos à equipa de râguebi e às várias funções de cada jogador.
– É claro. Está sempre essa ideia. É a matriz.
Centros Universitários
– Avancemos também no acompanhamento que foi fazendo alunos, adolescentes e jovens, depois universitários. E aí, os centros universitários que inspirou, que fundou e que acompanhou: qual foi a preocupação essencial pessoal e da Companhia de Jesus para essa presença na Universidade?
– A presença na Universidade nasceu de um grupinho, o padre António Vaz Pinto, o padre Alberto Brito e eu. Enquanto estudantes, íamos pensando nisso, tínhamos passado pela Universidade e achamos que havia um buraco na pastoral universitária. Os colégios, sim, imensas coisas. Mas o tempo fundamental da formação humana, em Portugal, pelo menos, havia um buraco grande. Nós próprios tínhamos uma ou duas residências universitárias, mas não propriamente Pastoral Universitária direta.
Então foi a invenção dos centros universitários e começámos por Coimbra, onde tínhamos uma casa que já tinha sido também uma espécie de residência, mas que estava praticamente abandonada. Aí podíamos também colaborar os três de alguma maneira, cada um mais com a sua especialidade. E eu tinha feito, em Roma, a Teologia normal, três anos, e depois dois anos de Espiritualidade. Portanto, a minha formação foi em Espiritualidade. E sempre me interessou muito o acompanhamento das pessoas. Mas isso já antes.
Mesmo antes de entrar. Não é que eu goste de ser muito conversador, não sou nem de ter muitas iniciativas, mas sou capaz de ouvir os problemas dos meus amigos.
– É o papel pacificador da mãe, que há pouco falamos…
– Sim! E, então, sempre me coube e sempre me dediquei à escuta, ao acompanhamento espiritual, que é uma dimensão ligada aos exercícios espirituais de Santo Inácio: não há exercícios espirituais sem acompanhamento personalizado. O padre Alberto Brito estava muito desenvolvido em questões de relações humanas e questões sociais, o padre António Vaz Pinto tinha, na Alemanha, feito Teologia Fundamental e, portanto, tínhamos aqui um trio que de alguma maneira se completava. E a experiência era muito engraçada, porque depois conversávamos sobre as experiências que estávamos a fazer, os grupos, as pessoas que acompanhávamos e, depois, a ideia depois juntar o noviciado. O noviciado tinha passado por uma crise muito forte: durante praticamente dez anos, não entrou ninguém!
Foram os tempos difíceis!
– Estávamos em Coimbra ainda…
– Sim, mas naqueles dez anos, de 69 a 79, praticamente não havia ninguém. Um aqui, outro lá. E entrar na vida religiosa e nos seminários, foi sempre muito difícil. Em 79 abrimos no noviciado.
– Esse centro universitário nasceu primeiro em Coimbra, depois aqui o de Lisboa, que está a fazer 40…
– A seguir o António Vaz Pinto veio para Lisboa, eu depois fui para o Porto. Coimbra estava lançado!
– E aí iniciaram os respetivos centros universitários. E se quisermos olhar o panorama em Portugal, Évora também tem uma presença de jesuítas agora?
– Agora tem, é mais recente e temos grande esperança. Embora com este quase pesadelo da morte do padre José Maria Brito, que nos surpreendeu… Foi o meu primeiro grupo de noviços. Faço-lhe homenagem!
– Era um grande impulsor também da comunicação na Companhia de Jesus…
– Sim, sim. Quando eu o conheci no Porto, ele estudava jornalismo.
– Estava o padre Vasco Pinto Magalhães no centro…
– Sim, quando fui para o CREU, que era o Centro de Reflexão e Encontro Universitário, ele começou a aparecer lá nas minhas coisas e lembro-me de ele ter organizado na Faculdade de Jornalismo, que era dura, de esquerdas ‘básicas’, uns debates sobre o aborto. E convidou-me. E aqui foi duro!
Da “Ala dos Namorados” às “Damas e Valetes”
– Foi no Porto também, ou já antes, que lançou formalmente os grupos de acompanhamento a namorados e depois casais?
– Casais já havia. Comecei em Coimbra a fazer cursos de noivos. E, em Coimbra, parecia-me que as coisas estavam a pedir: havia por ali muitos namorados e namoradinhos e depois havia grupos de casais… Então comecei, em Coimbra, com uma coisa que se chamava ‘A ala dos Namorados’. Quando eu fui para o Porto, achei que este nome não me caía bem no Porto. Esses grupos, no Porto, passaram a chamar-se ‘Damas e Valetes’. E funcionaram muito bem.
Eu dizia: muitas vezes, os casamentos falham porque se namorou mal. E, portanto, não se fizeram verdadeiras decisões.
– E foi desse trabalho, em conjunto, com namorados e depois com casais, que foi criando também alguma escola neste tema?
– Sim, existe um livrinho sobre isso, porque essa escola eram as que me acompanhavam nos cursos de noivos. Chama-se «O que não cresce, decresce». Que inventaram também uma coisa muito simpática, que está agora a funcionar muito bem e que está a vir do Porto, com o exemplo deles. Chama-se ‘Estação de Serviço’. ‘Estação de Serviço’ é um casal que se fez conhecer durante a formação das equipas de noivos e que depois do casamento acompanha um ou dois casais que queiram ser acompanhados a percorrer o seu primeiro ano de casamento, sobretudo. Porque também é um problema: imensa preparação, mas depois são largados. Quem é que os acompanha? São casais relativamente próximos, mas já com uma estrutura familiar, que ficam encarregados de ser a ‘Estação de Serviço’. Um deles, os casalinhos novos, podem “ir à bomba” de vez em quando restabelecer, ver como é que andam os pneus…
– Gostava ainda de focar mais dois projetos a que o padre Vasco Pinto de Magalhães esteve particularmente ligado e depois já vamos a este tema da família de uma forma mais abrangente. Agora, o grupo ‘Ao 3º Dia’.
– Ah, sim! Também isso é uma coisa muito bonita, onde também fui “apanhado”, com todo o gosto. Mariana Abrantes Pinto, uma mulher de grande qualidade, de grande intervenção e de uma espiritualidade muito forte; criou grupos de acompanhamento de pessoas ou doentes graves ou doenças crónicas e que às vezes ficam muito perdidas e não têm quem as acompanhe. Uma coisa é acompanhamento diretamente religioso. Outra coisa é, independentemente da religião, oferecer a estas pessoas a oportunidade de se encontrarem e de partilharem as alegrias difíceis e as tristezas para aprender a viver nesta formulação cristã de renascer, de se redimir, de ultrapassar… A ideia “ao terceiro dia”, da ressurreição. As pessoas que vivem a proximidade da morte de uma forma muito dolorosa, doenças crónicas muito difíceis, vão criar alguns grupos onde podem trocar as suas descobertas, as suas difíceis aceitações ou não. E o grupo chama-se ‘Ao 3º Dia’: procuramos não ficar nem no primeiro, que é o estado de choque, nem no segundo, que é a elaboração dolorosa das coisas, a interrogação e a mastigação disto tudo e às vezes sem saída, há pessoas que ficam longamente no segundo dia… Até que nos podemos ajudar a encontrar caminhos! Encontrar caminhos para não iludir que tem uma doença gravíssima, que é mesmo uma coisa crónica que não vai sair dali ou que está pendente de muitas coisas. Não, vamos enfrentar essa realidade e encontrar caminhos! Então, os grupos ‘Ao 3º Dia’ que se devem mais à Mariana do que a mim.
– Padre Vasco, recorde-nos esse tempo da fundação do Centro de Bioética, onde esteve também envolvido…
– Mais uma… As coisas foram acontecendo. É o que eu digo!
Isso foi uma experiência também muito bonita. Agora estou com isto mais fácil, porque estes dias tenho estado a rever o filme, com alegria. E essa foi uma grande experiência. Ainda dura, embora esteja numa fase um bocadinho… Mas foi a primeira organização de bioética em Portugal. Coimbra prestava-se porque estabelecemos grandes amigos, sobretudo entre médicos, entre juristas, alguns psicólogos. E as questões de bioética estavam a despoletar: era uma palavra nova, não existia. Potter, americano, tinha lançado um livro «Bioética, uma ponte para o futuro». E era uma grande novidade! A palavra bioética era um neologismo: havia ética, a ética médica. Mas esta ligação profunda entre a ciência e a prática científica e a ética é uma experiência que não se pode separar, que, mais que ética médica, é bioética, que se alastra e depois se combina com ecologia e outras frentes, estava na ordem do dia. E ali e também no Porto, com alguns médicos e não só, o professor Walter Oswald, professor Daniel de Serrão, em Coimbra, Jorge Biscaia, Agostinho Almeida Santos, Barbosa de Melo… Começámos a reunir, depois surgiu a primeira revista e começámos a fazer ciclicamente pequenos cursos de alertar e ir buscar esta reflexão, onde se apanham todos estes temas, com um estudo profundo da dimensão ética da vida, mas particularmente as questões éticas que se levantam, das coisas mais evidentes. Então, hoje, tudo agora se triplica com as questões que se levantam, com as ideologias de género e outras coisas todas por aí.
Foi uma experiência muito rica: gente muito boa, muito dedicada. Então construiu-se o CEB, Centro de Estudos de Bioética, que continua: depois teve a sua sede no Porto, até há pouco tempo. Estava ligada à Universidade Católica, no Porto.
– E estes são alguns projetos onde o nome do padre Vasco Pinto Magalhães emerge rapidamente. Acredito que muitos outros projetos, muitas outras iniciativas, também assinalam estes 50 anos de sacerdócio…
– Pois, até me espanto! Realmente, falámos de tanta coisa… Acontece-me.
– Não vira costas?
– Não, não digo que não. Fico ali a ponderar, porque eu levo tempo. Levo tempo porque preciso sempre de ponderar para perceber bem se é A, é B, é C, porque não D?
– E se quisermos encontrar uma marca que sempre foi identificando a presença do padre Vasco Pinto Magalhães, a palavra acompanhamento pode defini-la?
– Acho que sim. É o que eu faço mais. Então, atualmente… Nem vou escrevendo, porque os livros também não são livros que eu tenha escrito, assim como tal. Por exemplo, estes dois que falámos, eram os temas que eu tratava, que ficavam depois escritos ou gravados, num curso. Depois, pode-se “cozinhar” e dar um livro, mas não nasceu para ser um livro. A maior parte destes livros foram gravações de cursos.
– Também este que temos aqui em cima da mesa, «Só avança quem descansa»?
– Sim, um bocadinho mais tratado, mas eram coisas que eu andava a tratar e a falar sobre elas. Antes do livro, a conversa e a gravação e depois… Os outros quase todos… Também o que agora está para sair, são o conjunto de três noites aqui na ‘Brotéria’. Uma coisa sobre o discernimento espiritual. O discernimento das opções e o discernimento da vida interior.
– E vemos aqui no programa da ‘Brotéria’, julho-setembro, que no dia 20 de julho, fará aqui uma sessão especial, precisamente sobre este livro «Só avança quem descansa».
– Sim. Mais que sobre o livro, sobre a realidade.
A ideia é: na vida agitada que a gente tem, na correria, tão importante saber descansar.
Também é uma sabedoria: a sabedoria do descanso. Descansar não é parar e ficar a olhar para o teto. Descansar é uma atividade. Pode não parecer!
– Entre os vários livros que foi escrevendo, confesso que para identificar um livro com o seu autor, recordo-me imediatamente de «Não há soluções, há caminhos». Que também surgiu de programas na Rádio Renascença, creio eu?
– Sim. Na Renascença, eu fazia uma frase para cada dia, que ao princípio até ia lá eu dizer. Às vezes havia alguém que podia fazer a locução, mas escrevia um pensamento para cada dia do ano. E, na Renascença, saiu um livro que tem um pensamento para 365 dias… Na verdade, que acrescentei depois um 13º mês. Portanto, não são só 365 pensamentos.
– E este livro indica também o sentido da sua missão sacerdotal, do acompanhamento que faz, da presença que tem: não há preocupação de dizer imediatamente ao seu interlocutor “é por aqui ou é por acolá”. Há uma provocação, o levá-lo à descoberta?
– Sim! Isso é o Evangelho. O Evangelho não dá soluções, faz propostas e desafios e faz-nos pensar como é que depois se podem aplicar na minha vida, como é que, ao longo de 20 séculos, essas propostas são sempre atuais. Aquilo não é uma coisa para ser cumprido à letra, é um desafio a ser lido conforme a circunstância e o tempo.
O Evangelho faz isso: temas com um olhar positivo para a vida, no meio da negatividade, no meio dos pessimismos todos, no meio das inquietações, ter ali um pensamento diário. Isso não tinha novidade, mas quando a Renascença me convidou para poder fazer isso, que ainda há e havia outros, então depois aquilo, um dia, deu um livro.
– E está entre, enfim, as dezenas que têm com a sua autoria…
– O livro que é uma coletânea grande de temas, e tem mais a ver com a ética, é uma coleção de temas e de conferências, em debates, mais a ver com a bioética, chama-se «Olhar e o Ver».
Os programas que fazia com o Henrique Manuel na Renascença também deram livros. Eram conversas que depois passaram para a escrita.
Acompanhamento
– Padre Vasco, para além dos muitos projetos, dos momentos da vida, creio que há temas que sempre o definem e gostava que refletisse connosco hoje aqui sobre esses temas. Já vamos à família, já vamos também a uma fase mais adulta, mas antes a juventude, a universidade. Trazendo o sacerdócio para os dias de hoje, de que forma é possível o acompanhamento que sempre fez quando a assunção de valores, de ideais, de decisões permanentes é cada vez mais não só difícil, como rejeitada mesmo?
– Há todo um trabalho de ajudar as pessoas a motivarem-se para não ficar no imediatismo ou atrás das filosofias ‘emotivistas’, que são uma doença grave, para ajudar as pessoas a cultivar a distância crítica e o pensamento crítico. A distância crítica significa isto: não me deixar envolver imediatamente pelas opiniões, por muito que eu goste mais desta ou daquela. Analisa primeiro. Mantém a tua liberdade e ensinar as pessoas, no acompanhamento, ajudar a pessoa a perceber se está a ser livre ou se está a repetir qualquer coisa, ou se está num seguidismo de grupo ou de partido que, para o fazer, seja por opção. E, por isso, o cultivo da distância crítica que é uma coisa muito importante dos exercícios espirituais. O cultivo da liberdade interior. Falamos todos de liberdade, mas estamos todos tão prisioneiros a imagens, a esquemas, a modas, que é muito difícil depois a pressão social não dominar. E então vamos por emoções. E por isso também a importância do pensamento crítico. Avaliar e também o pensamento crítico de si próprio. Acho que isto está muito na base daquilo que pode servir às pessoas. Porque se não vou nesta corrente, vou naquela corrente, sou boa pessoa, está bem, sim, com certeza. Mas depois não há intervenção personalizada, há grupos que facilmente se radicalizam. E então já não há pensamento, estou a defender a minha dama. Mas pensa: o que é que podes encontrar de positivo no outro lado? Para uma coisa que também me parece muito importante num acompanhamento de espiritualidade, que é uma outra vertente, que é a aceitação pessoal versus pressa de ser feliz. E aí às vezes é terrível.
– É preciso não ter pressa para ser feliz?
– É. Porque a pressa estraga tudo. A pressa come coisas, passa por cima, não consegue distinguir o que é que é mais importante. E há uma correria, mas todos temos muita pressa de resolver, de fazer o curso, de ser feliz, de experimentar. E a pressa atropela. Não é ficar na ressaca, também não é adiar. Adiar não ajuda ninguém. Ou ficar a olhar para trás. Mas a pressa é perigosa, é muito perigosa. Porque faz parte da sabedoria do tempo. Que é dar tempo ao tempo. As coisas precisam do seu tempo. E a pressa é uma tentação que todos temos, mas atropela, faz passar por cima, não deixa ver. E é preciso ter tempo para ver, para contemplar.
– É possível rejeitar essa tentação quando a pressão do ranking, dos objetivos está sempre presente?
– Ou se cultiva uma vida interior com alguma solidez ou então, muito fragilizados, corremos atrás da bola. Mas não passamos a bola.
O nosso mundo, oferecendo tanta coisa e com tanta competição, cria muitas vezes dificuldades da aceitação pessoal. Estamos cheios de modelos e vamos atrás disso: os felizes são estes… E a cultura, de alguma maneira, cultiva a competição. Não é competência.
E esta gente nova sofre muito por se encontrar consigo própria. O que é que eu sou? O que é que eu ando cá a fazer?
Estas duas linhas, tenho-as bastante claras. Mas, cada caso é um caso!
Família
– E se quisermos pensar na família… O padre Vasco escreveu e disse várias vezes que a família é capaz de ser a instituição mais atacada nos dias de hoje.
– Sim, é verdade. Acho que sim. Diretamente ou indiretamente, as ideologias à roda da ideologia de género, destroem a família. Consciente ou inconscientemente é o objetivo, é o que vai acontecer. Porque todas estas questões à roda de uma sexualidade por mero impulso, tanto faz, destroem isso. Medo da natalidade… Queixamo-nos muito na natalidade, mas temos imenso medo da natalidade. E já se consegue meter esse medo aos mais novos. Não comentes nisso!
E isso destrói aquilo que me parece – e não é preconceito – que a célula base da sociedade é a família. A família tradicional, chamem-lhe o que quiser, é a família natural. Porque natureza pura não há, nem há famílias quimicamente puras. Há famílias, há orientações e estruturas. De facto, a base da sociedade é o homem e a mulher, fecundo, responsáveis pela vida.
– E é esse o propósito que é essencial garantir?
– É essencial garantir. Porque se não, estamos a suicidar. Um mundo onde nos fechamos sobre nós próprios, onde o amor é fundamentalmente satisfação, porque, ainda que seja muito ajudar o outro, isso não dura sempre, se isso não tem fecundidade… Como cristãos, é essa a nossa responsabilidade de criar, recriar: somos feitos para criar o mundo, não só para o amparar.
– E chegamos novamente a esse título, «O que não cresce, decresce».
– Sim. Porque a família é isso, é um processo de crescimento: pessoal, interpessoal e transpessoal, no sentido de ajudar a vida a outros. Sem isso, estamos a matar, estamos a eliminar.
Dá muito trabalho, é caro! É claro que é um problema político também aqui, a escola, os acompanhamentos, mas não viemos a este mundo para nos tentar distrair e divertir um bocadinho.
Mas, mesmo isso, não é necessário ser crente para perceber o que é que eu faço?
– Diante de muitas pressões, de muitos modelos apresentados, também para a família, para a vida em grupo, para a vida em sociedade, aquela sugestão do padre Vasco Pinto Magalhães do distanciamento, da autocrítica, é também a solução?
– Isso está sempre na base! O que eu faço, faço de uma forma responsável porque pensei sobre isso. Não fiquei ali às voltas, para encontrar o que é que faz sentido. E não é, voltando ao outro título, não é encontrar uma solução, é encontrar um caminho. Caminho que cada um faz depois no seu ritmo certo. Faz o teu caminho!
Diante da indiferença
– Um terceiro tema e último… Sobre a experiência crente, nomeadamente a participação nas comunidades crentes, a Igreja Católica ou outras. A indiferença é hoje o principal, não diria opositor, mas o interlocutor que é preciso ter presente, a indiferença diante do fenómeno religioso?
– Eu acho que faz procurar outras pertenças, mais imediatistas, mais a curto prazo, porque o que assusta é um bocado o longo prazo, é o casamento para a vida. Acho que é um risco! As Igrejas e religiões não podem ser paternalistas, não podem querer estar a formatar. A forma não é uma forma. Há uma forma de ser, mas não há uma forma. E a liberdade é isso: tanta informação, tanta coisa que as pessoas sentem-se inseguras, onde é que eu me pego? E uma das reações é não pegar em nada. Não percebo, não me pega nada, não me diz nada, não me dá respostas nem soluções rápidas… Então há uma espécie de desconfiança, de indiferença. Para o bem e para o mal tudo se critica, pode-se chegar a esse medo de dar um passo de compromisso. Chama-se indiferença.
Não quero que as pessoas sejam indiferentes, porque rapidamente a substituem por outra coisa.
– Rejeitam, então?
– Rejeitam esta que está velha, que tem uns tipos que ninguém percebe, que tem uma linguagem que não sei o quê, que está a repetir sempre o mesmo, aquela que a gente já percebe de onde é que vem e que faz dinheiro com não sei o quê, e portanto há, muito rapidamente, umas formas de rejeição, mas para aderir a outras coisas.
Não queria muito estar a falar disso, mas o que é o “woke”? É uma religião, é uma forma religiosa. Aderir àquela coisa sem pensar é uma espécie de fé que estava tudo mal e agora vai estar tudo bem. Porque há uma nova liberdade, porque há um renascimento… E, ainda por cima, é uma religião que se impõe, porque quem não quiser seguir aquilo, é atrasado mental.
Há assim uma espécie de querer ser moderno, mas é uma coisa muito religiosa.
Há dias estava a ler umas coisas sobre as heresias dos cátaros e os albigenses, do século XIII, têm coisas muito parecidas. Acho que estamos a voltar àquela onda terrível, que demorou 200 anos a superar… Eles também se chamavam os puros, eles é que sabiam. Tinha um dualismo de vida terrível, porque achavam que o corpo vinha do princípio do mal e o espírito vinha do princípio do bem. E portanto podia haver um bom espírito no mau corpo ou no corpo errado, também achavam isso.
– Nesse ambiente que nos caracteriza, que importância tem centros de cultura, de encontro, de diálogo, como é este centro da Brotéria?
– É muito importante. Depende muito também da dedicação. Acho que há também a dimensão da arte, da literatura, da revista. O pensamento debatido e pensado, e temos a galeria de arte que faz um trabalho muito difícil de classificar, porque é uma coisa muito no seu tempo. E às vezes não temos distância ainda para nada disto… Mas, por outro lado, tem que se estar na onda.
– Estes são os centros também de escuta e de acompanhamento?
– Todos devem ser, de alguma maneira. Não é esta a especialidade, não é um centro de espiritualidade. Mas um padre não pode fazer uma coisa esquecendo a outra: posso estar a falar de arte, ou de literatura, ou de râguebi, mas não posso esquecer como é que isto tudo se integra.
– 50 anos após a ordenação do sacerdotal, é aqui, no centro de Lisboa, que continua esse desafio?
– É um desafio muito grande, muito interessante, com muita grande dificuldade de lugar, estamos em cima do cavalo. Acho que aqui há uma equipa muito determinada e com muita boa vontade.