Diretora do Instituto Bioética da UCP diz que «nunca é tarde para colocar limites»
Lisboa, 30jun 2024 (Ecclesia) – A diretora do Instituto Bioética da Universidade Católica Portuguesa (UCP) considera que os avanços da inteligência artificial representam um desafio “antropológico”, que ultrapassam as questões tecnológicas, defendendo que a reflexão ética ajuda todos a “permanecer humanos”.
“As questões da inteligência artificial são uma oportunidade para compreendermos quem somos, quem queremos continuar a ser e que escolhas queremos ter para que, permanecendo humanos, a tecnologia possa ser um meio de realização”, disse Mara de Sousa Freitas, convidada da entrevista semanal conjunta Ecclesia/Renascença, emitida e publicada aos domingos.
“A forma como nos relacionamos, comunicamos, ensinamos, aprendemos, somos cuidados e cuidamos, têm vindo a sofrer um impacto e uma alteração considerável, decorrente do uso destas ferramentas”, acrescenta a especialista.
Para a diretora do Instituto de Bioética da UCP, perante o avanço da tecnologia, a questão fundamental é “como permanecer humano através”.
“Como é que nós, enquanto pessoas, somos capazes de melhorar a nossa qualidade de vida utilizando estas ferramentas, maximizando o bem e, por inerência, tentando ter a máxima prudência e evitar todo o mal que seja possível ser evitado. Este é o verdadeiro desafio”, indica.
A entrevistada considera que a ética está a ser colocada na “vanguarda da reflexão”, perante as questões da inteligência artificial e suas ferramentas, em particular o “uso secundário das novas tecnologias com finalidades que possam ser menos benévolas ou até maléficas”.
“Ainda está muito por fazer, mesmo que muito já esteja feito, e acho que nunca é tarde para procurarmos colocar limites”, declara.
Mara de Sousa Freitas dá como exemplo o desenvolvimento dos drones, agora usados como arma de guerra.
“Percebemos claramente qual é o uso que pode ser dado a ferramentas desenvolvidas por meios científicos adequados, rigorosos, com finalidades que serviam os propósitos da sociedade, mas com usos possíveis secundários que têm de ser prevenidos e delimitados, ou efetivamente eliminados”, precisa.
Será que podemos falar em avanços tenológicos e inovação se o fruto, se o resultado dessa inovação tiver um impacto que possa prejudicar a nossa qualidade de vida, agravar as questões de justiça, de desigualdade, de guerra?
Mara de Sousa Freitas valoriza o potencial da partilha de dados para “enriquecer” o ecossistema com elementos de qualidade que “permitam construir ferramentas confiáveis, seguras”, mas admite que nem todos estão qualificados para assegurar a transparência dos sistemas.
“É necessário ouvir quem precisa, o que precisa e como precisa, percebermos qual a perspetiva dos cidadãos sobre o uso destas ferramentas”, sustenta.
Recordando o discurso do Papa na Cimeira do G7, a 14 de junho, a diretora do Instituto de Bioética observa que “a inteligência artificial será, provavelmente, o maior desafio antropológico de todos os tempos”.
“Esse desafio requer, efetivamente, uma resposta de conjunto, em que os princípios que orientam a ação individual possam contribuir para o caminho que é necessário ser feito neste global, nesta Casa Comum”, acrescenta.
Não tenho um discurso de medo perante a inteligência artificial, mas sobretudo de grande responsabilidade. Não posso deixar de a enquadrar num fenómeno histórico que não é novo, é apenas fruto da evolução e das capacidades humanas, desenvolveu-se e é uma ferramenta poderosa. Como é que nós usamos este poder?”
A professora auxiliar da Faculdade de Medicina da UCP evoca os avanços da medicina ligados à inteligência artificial, mas sublinha que “do ponto de vista de confiança, vínculo emocional, respeito e reciprocidade” as máquinas ainda estão longe de poder “avançar para esse nível de relação”.
Ângela Roque (Renascença) e Octávio Carmo (Ecclesia)