A força da Igreja Timorense reside nos Leigos

Recentemente esteve em Évora o Bispo de Baucau, D. Basílio do Nascimento, que veio “matar saudades” da cidade, da Diocese e dos amigos que o acompanharam na sua formação sacerdotal. Recorde-se que D. Basílio do Nascimento estudou e foi ordenado padre diocesano, em Évora, em 1977, onde permaneceu até 1994, ano em que foi transferido para Timor. Nesta sua breve estadia em Évora, entrevistámo-lo para conhecermos de viva voz a actualidade timorense, que apesar da independência alcançada, ainda é uma nação muito jovem e com grandes desafios pela frente. “a defesa” – Como é que está Timor depois da tentativa de “golpe de Estado”, de Fevereiro passado? D. Basílio do Nascimento – Por mais estranho que pareça, penso que o “golpe de Estado” criou uma certa consciencialização para que as pessoas não se deixem levar por falsas promessas. Penso que o facto do atentado ser contra as duas mais importantes figuras do Estado, o Presidente e o Primeiro-Ministro, criou também uma consciência no povo, em geral, de que há qualquer coisa de ameaçador. Depois do atentado, fiquei com a impressão que ultrapassámos os três problemas que nos afligiam desde 2006: o Major Reinado, os Peticionários e os Refugiados. O primeiro resolveu-se como se sabe. O segundo houve capacidade de negociação para que a tensão diminuísse, com algumas reintegrações nas forças armadas. E o terceiro problema também começou a ser resolvido, sendo que dos 12 campos de refugiados que existiam em Díli, actualmente devem existir apenas metade. “a defesa” – Aquele acto violento foi fruto de um descontentamento geral ou foi apenas um acto meramente político? D. B. N. – Eu não tenho respostas. Não se sabe quem esteve por detrás, quais foram os objectivos, quais os interesses. Há muita especulação, boatos, e poucas explicações lógicas. O certo é que aconteceu, mas de resto ignoram-se muitas respostas. “a defesa” – Os timorenses estão a viver melhor ou pior do que há 5 anos? D. B. N. – Creio que pior. Contudo, do ponto de vista da segurança e da estabilidade, julgo que estão melhores. Do ponto de vista económico, sendo que esta crise mundial também nos atinge, estamos pior. A crise alimentar que assola o mundo também se faz sentir em Timor. Por exemplo, um saco de arroz de 50kg que há 3 meses custava 13 dólares, hoje custa 40 dólares. “a defesa” – Já se vêem efeitos do petróleo? D. B. N. – Ainda não. Por mais paradoxal que pareça, quando falamos com os membros do Governo, eles dizem sempre que dinheiro não é problema. Somente para se ter uma ideia, dizem os Governantes, que actualmente os benefícios do petróleo rondam os 240 milhões de dólares por mês. Simplesmente olhando para a realidade de Timor, necessariamente, nos interrogamos: onde está aplicado esse dinheiro? “a defesa” – A Igreja continua sendo aceite pelos timorenses? D. B. N. – Sim. Num dado momento, pensei que os ânimos esmorecessem um bocado, e é verdade que depois da independência houve uma diminuição de prática, mas hoje em dia vê-se de novo aquele esplendor em termos de prática e de afectividade. Há vários fenómenos que é necessário interpretar, mas convenço-me que há elementos de identidade timorense dos quais não podemos fugir à realidade: o catolicismo entra hoje como um elemento de identidade timorense. “a defesa” – As duas dioceses existentes fazem cobertura de toda a ilha? D. B. N. – Fazem, com sacerdotes e catequistas (remunerados e voluntários). Além disso não se podem esquecer os animadores de comunidades. Não tenho dúvidas de que a força da Igreja Timorense residiu e reside nos Leigos. Hoje em dia, apesar da limitação de formação, cada vez mais se vê que os leigos, aqueles que têm papel a exercer dentro da Igreja, fazem-no com maior convicção e, direi mesmo, militantismo. Dão a entender que de facto a Igreja também é deles. Na minha diocese tenho: 42 sacerdotes entre diocesanos e religiosos; 242 catequistas remunerados; 1700 catequistas não remunerados. Digamos que estes são as bases que estão em quase todos os lugares, animando as comunidades, mesmo nos lugares mais recônditos. Em suma, os leigos, sempre o fizeram, e actualmente, estão a fazer um belíssimo trabalho. “a defesa” – Em que estado se encontra a questão da terceira Diocese? D. B. N. – Penso que o Vaticano está a aguardar a definição por parte do governo, em relação, à divisão administrativa do território. Uma futura abrangerá certamente a zona de Mariana. “a defesa” – As actuais dioceses trabalham em comum? D. B. N. – Sim. Neste momento estamos a preparar projectos em conjunto. Apesar de ainda não termos uma conferência episcopal, há já estruturas que estão a ser criadas em ordem a esse objectivo. Procuramos uma unidade de acção e de prática, tendo cada diocese a sua autonomia. Quando a terceira diocese for criada, e quando tivermos que constituir a nossa conferência há já alguma coisa criada, não se partindo do zero. “a defesa” – Como é que a diocese continua a dirigir as estruturas implementadas, como a tipografia, o turismo, a formação?. D. B. N. – Como sabe estas estruturas surgiram, tentando dar resposta a uma frase de um nosso antigo reitor do Seminário, um sacerdote jesuíta que dizia, na altura, “metam na vossa consciência que nunca poderão pregar o Evangelho a estômagos vazios”. Foi com esta ideia que cresci, e sempre pensei, que se tivesse uma responsabilidade na Igreja, deveria fazer algo ao nível material. Tentou-se criar uma série de estruturas que visam a formação das pessoas e dar o pão diário a algumas famílias. Tudo começou às apalpadelas, pois a ideia era bonita, mas não sabíamos bem aonde íamos. Mas fomos tendo apoio do Governo Português, de entidades, de amigos e, hoje, os objectivos já estão mais definidos. Felizmente podemos dizer que o pão não falta, o que é motivo de contentamento, mas como deve imaginar dirigir tudo isso dá muitas dores de cabeça. O certo é que as coisas se vão bastando a si próprias. Não há dívidas, mas também não há ainda lucros. Pensamos que é um investimento que dará os seus frutos. “a defesa” – A par do desenvolvimento económico e social, há também o desenvolvimento espiritual. Há muitas vocações? D. B. N. – Felizmente há vocações e não só em Baucau. Penso que é uma das grandes riquezas da Igreja Timorense, o crescimento das vocações para a vida consagrada. Hoje em dia, Timor-Leste é um país onde as vocações florescem. Para dar um número, o Seminário Menor está lotado, com 120 seminaristas, sendo que no ano passado tivemos que recusar cerca de 230 candidatos. O Seminário Maior, em Díli, tem 83 seminaristas. Ainda há um Seminário intermédio, que neste momento, tem 43 seminaristas. Trata-se de um Seminário Propedêutico, onde se ensinam línguas, algumas introduções e espiritualidade. Para este Seminário vão também aqueles que não fizeram o Seminário menor. Neste momento, os três Seminários tem mais de 230 seminaristas “a defesa” – Qualquer dia começam a exportar Padres para a Europa? D. B. N. – Já há pessoas que falam nisso. Desde que as estruturas estejam bem definidas, e de acordo com o curriculum do Instituto Superior de Teologia de Évora, gostaria de enviar alguns alunos para cá. Depois da ordenação poderá ser feito uma espécie de acordo para que fiquem por aqui alguns anos, para ganhar mais experiência, o que será rico também para a Igreja Timorense. “a defesa” – Na última vez que falámos com o Bispo de Baucau, estava muito preocupado com a questão das Escolas. A situação melhorou? D. B. N. – A situação continua. Este ano o Governo já decidiu dar um subsídio, que nos ajudará a resolver muitos problemas. No entanto, o dinheiro ainda não está nas nossas mãos, embora o acordo esteja já assinado. Como digo, espero que com essa ajuda as coisas comecem a ter alguma solução. A educação é primordial para a sociedade timorense, o Governo não tem capacidade para dar resposta a tudo, e a Igreja já tem uma rede bem montada e articulada em todo o país. Mas faltam-nos meios económicos para que esta nossa ajuda ao Governo seja melhor. “a defesa” – Para quem visitou Timor há 5 anos, que modificações encontra hoje? D. B. N. – Díli está diferente para melhor. Muitas casas já foram recuperadas. As ruas estão mais limpas. A urbanização em Díli ainda continua a ser um caos, mas esperamos que os técnicos possam contribuir para o embelezamento da cidade. Por outro lado, o parque automóvel, que sabemos que a maioria é dos funcionários da ONU, contradiz o rótulo de pobre que temos. A nível de segurança não se registam problemas. Na saúde há melhorias. Infelizmente, em termos de estradas não tiveram grandes melhorias, mantendo-se ainda as que foram deixadas pelos indonésios, como acontece com as pontes, que só agora estão a ser finalizadas. Em termos de agricultura, o actual ministro da tutela está a dar um grande dinamismo ao sector, porque compreendeu que a agricultura nesta fase deve ser a força motriz de Timor. Há grandes investimentos neste sector. Por exemplo, dizem as fontes oficiais que Timor necessita 90 mil toneladas de arroz, sendo que só produzimos 30 mil. Por um lado, esta situação obriga-nos a apertar o cinto. Por outro lado, deve ser uma motivação para tirar melhor partido das terras que temos. Contudo, realço sobretudo o clima de segurança e de paz que se respira em Timor. “a defesa” – No sector das Pescas. Há melhorias? D. B. N. – Infelizmente não há. Existe a pesca artesanal. Neste momento há contratos com a Tailândia que vêm pescar nas nossas águas. “a defesa” – Já se produz leite e queijo? D. B. N. – Infelizmente também não. Quer dizer, existem vacas leiteiras, mas não há iniciativa. Lembro-me que no meu tempo de criança, um padre dos Açores, com duas vacas produzia queijo e manteiga. Creio que se hoje existisse alguém que ensinasse a fazer, os timorenses aprendiam. “a defesa” – Como está o ensino do português em Timor? D. B. N. – Penso que comparando com a situação de há 5 anos, as coisas estão a tomar outro rumo. Este governo tem ideias mais claras sobre a importância do português como língua oficial. Uma coisa é considerar o português língua oficial, e outra coisa é criar condições para que a língua se torne de facto um instrumento utilizado por todos. Felizmente já há medidas, por exemplo, no ensino primário, a partir do próximo ano lectivo o indonésio deixe de ser a língua de transmissão, como também o tétum, para que seja apenas o português. A nível secundário, estão a sair agora os primeiros bacharéis que irão ensinar o português nesse nível de ensino. As informações que tenho apontam para que o ensino secundário comece a ter o português como língua de transmissão, nos próximos 3 anos.

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