Autenticidade é o segredo para ser comunicador, aponta o sacerdote ordenado há 60 anos e que tem em todo o seu ministério a marca da terra, do mar, das pedras negras, do verde e da «natureza que irrompe de uma forma tão generosa» nos Açores
Entrevista conduzida por Paulo Rocha
Foi padre em muitos locais e na comunidade das ondas. Que sacerdócio foi e está a ser, durante 60 anos?
Não sei explicar bem o que fui… Fui sendo o que me parecia que Deus me chamava a ser em cada momento, em cada circunstância, em cada local, já que foi referido que andei por muitos locais, e de facto andei. Não que os tivesse procurado, mas antes que muitos deles tivessem chamado por mim para ser um sinal da Igreja de Jesus Cristo. E, por isso, só dou graças a Deus pela experiência que me deu, desde logo eclesial: ver a Igreja nas suas hierarquias como nas suas bases, nas suas comunidades mais anónimas, a viver a intensidade de ser Igreja e de estar no mundo. Nunca foi apenas nem uma Igreja nem um mundo. Foi uma Igreja e o mundo, que a Igreja foi convidada a salvar e a proclamar a Boa Nova do Jesus Cristo.
Sente-se pároco das ondas, através dos media, e pároco das gentes?
Sinto-me mais pároco das gentes do que das ondas, porque as ondas são uma coisa um pouco abstrata e não têm os olhos a olhar para nós. Nas pessoas é uma comunicação pessoal.
O dever de comunicar nas ondas foi uma experiência muito rica, porque tive sempre de ver, para além das câmaras e das imagens que me eram pedidas e me eram apresentadas, uma comunidade viva. Foi para essa que eu falei. Não apenas a comunidade eclesial, mas a comunidade humana.
Uma das perspetivas que me foram dadas e que tentei seguir foi a da humanidade: carregar de humanidade tudo aquilo que eu tivesse, mesmo que fosse divino. Que nunca fosse separado do quotidiano e das pessoas.
Qual o segredo para uma boa comunicação da Noa Notícia?
Não sei contar segredos sobre isso… Sei que fui vivendo à medida que fui percebendo o que eram as coisas, o que era a realidade, o que era a Igreja e o que era o mundo. Juntar estes elementos é que faz de nós bons comunicadores do Evangelho. Se fui perfeito ou não, não me compete a mim dizê-lo, mas foi essa perspetiva que tentei quase sempre, em verdade e em vida, dentro de mim.
Qual o segredo para o comunicador conseguir chegar com sucesso aos seus destinatários?
É estar sempre de olhos nos olhos com a humanidade, com as pessoas, com a realidade. Ter os olhos voltados para o céu, sim, mas muito presos também na terra. Tentar unir esses dois polos é o segredo de um bom comunicador, que eu não garanto ter sido, mas terei tentado ser ao longo da minha vida como sacerdote.
O que significa comunicar com alma?
Com tudo o que eu sou, com toda a verdade que eu tenho, com todo o entusiasmo que eu tenho, com todos os sonhos que eu projeto, com todas as pessoas que eu vejo, com todos os problemas do mundo que existem e que passam por mim e que tento perceber e viver e estar no coração deles, no coração do próprio mundo, sem estar longe do próprio Deus.
Um dos projetos em que trabalhou afincadamente foi a comunicação na televisão e na rádio, de uma forma transversal a todas as religiões. Que riqueza é a comunicação inter-religiosa?
É uma comunicação muito rica. Se não temos na nossa frente um olhar, uma perceção imediata, temos um horizonte vasto de culturas, de histórias de tempos, de experiências que quanto mais intensamente nós vivermos, mais intensamente nós podemos comunicar. E nunca se comunica para ninguém: há sempre alguém do lado de lá que nos espreita, que nos vê, que nos pergunta e, até, que nos segue. Isto para mim foi e é um grande tema de responsabilidade: nada do que eu disser é um acaso, nada vai para qualquer sítio, mas tudo se dirige ao coração da pessoa humana.
No dia em que faz 60 anos de sacerdócio, que pensamento o invade?
Primeiro, ação de graças pelo chamamento ao sacerdócio. Depois por, nesta vida de sacerdote, ter tido a oportunidade de encontrar tantas pessoas, tantos acontecimentos, tanta Igreja, tanto mundo que me foram sempre entusiasmando e prendendo os olhos. Eu estava com os olhos nessa realidade e era essa riqueza que se intercomunicava comigo próprio, a que eu tentei ser fiel. Não quer dizer que o fosse e que o tenha conseguido. Muitas vezes, fazia o meu exame de consciência sobre a forma como tinha comunicado, naquele dia, e sempre percebi que o melhor que eu tinha feito era ser autêntico, era não inventar verdades, mas ser a verdade que eu próprio tinha experimentado, que eu vivia e que queria comunicar.
O segredo é a autenticidade, palavra que muito usávamos, mas que ainda hoje tem todo o sentido.
No dia da ordenação sacerdotal, nos anos de sacerdócio, hoje, os açores continuam a ser uma marca do seu ministério?
Indefetível! Uma marca que eu levo para todo o sítio. Não passei a vida a chorar pelos Açores nem a dizer todos os dias que era açoriano. Mas tenho a certeza que a experiência que ganhei nesta terra, neste mar, nestas pedras negras, neste verde admirável, nesta natureza que irrompe de uma forma tão generosa, tenho a impressão que esse todo também estava comigo. Ou melhor: eu estava plantado com todos esses seres nesta ilha, que acabava por arquear e fazer chegar a todos os sítios.
Que indicação dá aos comunicadores da Igreja, nos dias de hoje?
Eu não tenho grandes conselhos a dar. Mas reconheço que só sendo autênticos, só sendo a nossa verdade e a nossa vida é que temos algo a comunicar. Não somos teóricos, não somos abstratos, não estamos a inventar teorias para comunicar. Nós vivemos e, depois de viver, é que a gente comunica. Eu falo comigo próprio e aconselho-me a mim mesmo para ser cada vez mais autêntico para que seja cada vez mais autêntica a minha comunicação.