Relatório do organismo, após 12 meses de trabalho, traça perfil das vítimas e denuncia «abusos de autoridade», associados a crimes sexuais
Fátima, 18 jun 2024 (Ecclesia) – O Grupo VITA, que acompanha situações de violência sexual de crianças e adultos vulneráveis na Igreja Católica, apresentou durante o último ano 66 “sinalizações” a estruturas eclesiásticas e 24 à Justiça portuguesa (PGR/PJ).
“A discrepância entre as situações sinalizadas a estruturas eclesiásticas e à PGR/PJ relaciona-se com o facto de alguns suspeitos terem já falecido e, noutras situações, ter já decorrido (ou estar a decorrer) um processo judicial de natureza criminal”, indica o segundo relatório de atividades do organismo, apresentado hoje em Fátima.
O documento, divulgado em conferência de imprensa, precisa que as estruturas eclesiásticas envolvidas são as dioceses portuguesas, os Institutos de Vida Consagrada e a Nunciatura Apostólica.
Em particular, precisa o organismo, houve 43 sinalizações efetuadas às Comissões Diocesanas de Proteção de Menores, no primeiro ano de atividade do Grupo VITA.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) e a Polícia Judiciária (PJ) recebem todas as denúncias de violência sexual, no contexto da Igreja, exceto nas situações em que o denunciado tenha falecido ou quando tenha decorrido, ou esteja a decorrer, um processo judicial.
Dos contactos recebidos através da linha telefónica e do formulário do site, bem como do e-mail geral, foram identificadas 105 vítimas de violência sexual (69 entre maio e novembro de 2023, e 36 entre dezembro de 2023 e junho de 2024) e uma pessoa (leigo) que cometeu crimes sexuais.
Esta situação “tinha já sido sinalizada às entidades competentes (penais e canónicas)” e a pessoa foi “encaminhada para apoio psicológico”.
O relatório precisa que “aproximadamente 40% das vítimas só agora revelaram a situação abusiva e 20,7% destas revelaram-na pela primeira vez” ao próprio organismo.
O relatório apresenta uma caraterização dos 58 atendimentos efetuados até à data, precisando maioria das vítimas (72,5%) recorreu ao Grupo VITA para “efeitos de apresentação da sua situação”; as outras situações tinham sido já sinalizadas à Comissão Independente, criada pela Conferência Episcopal Portuguesa (CEP).
A maioria destas vítimas é do sexo masculino (60,3%) e todas elas possuem nacionalidade portuguesa; quando aos autores da violência autores, foram sobretudo do sexo masculino (98,3%) e sacerdotes (91,4%).
Na sua maioria, não foi apresentada denúncia pela vítima ou por outra pessoa às estruturas da Igreja (81%) nem aos órgãos de Polícia criminal ou Ministério Público (86,2%).
Globalmente, as situações abusivas ocorreram no último século (86,3%), mais de metade nas décadas de 60 (29,3%) e 80 (25,9%), sendo menos frequentemente reportados comportamentos abusivos nas décadas de 70 (19%) e 90 (12,1%).
A partir do ano 2000, os casos registados representam 13,7% do total.
Em termos de estratégias da pessoa que cometeu a violência sexual, na quase totalidade das situações reportadas (91,4%), as vítimas identificam que houve “abuso de autoridade” resultante do estatuto do agressor.
“Os excertos mostram que o agressor frequentemente utilizava a religião como uma ferramenta de controlo e justificação para as suas ações”, pode ler-se.
A maioria das situações reportadas “ocorreu no confessionário, como anteriormente registado, seguido da sacristia”.
Este tipo de abuso psicológico cria danos graves nas vítimas, ao manipular as suas crenças religiosas fundamentais, tornando-as mais vulneráveis e menos propensas a pedir ajuda. A intimidação através do medo do Inferno ou de consequências divinas cria um ambiente de constante terror psicológico”.
A 1 de junho, a CEP deu início ao período de “apresentação formal” dos pedidos de compensação financeira às crianças e adultos vulneráveis que foram vítimas de abusos sexuais, no contexto da Igreja Católica, que devem ser apresentados formalmente por escrito, até 31 de dezembro de 2024.
“Cerca de um terço das vítimas (34,5%) indicaram a necessidade de apoio financeiro, embora nem todas tenham ainda formalizado um pedido de compensação financeira”, indica o Grupo VITA, no seu novo relatório.
O documento precisa que 67,2% das vítimas pedem apoio psicológico; dez vítimas reportaram a necessidade de apoio psiquiátrico e seis de apoio social.
As consultas de Psicologia e de Psiquiatria estão a ser asseguradas pela bolsa de profissionais constituída pelo Grupo VITA, sendo estes custos suportados pela Igreja Católica em Portugal.
Desde janeiro de 2021, a Igreja Católica em Portugal tem novas diretrizes para a “proteção de menores e adultos vulneráveis”, sublinhando uma atitude de vigilância nas várias atividades pastorais e de colaboração com as autoridades.
Durante o ano de 2022, a CEP pediu um estudo sobre casos de abuso sexual na Igreja em Portugal nos últimos 70 anos a uma Comissão Independente, que validou 512 testemunhos relativos a situações de abuso, que seria apresentado em fevereiro de 2023. A22 de maio de 2023, a Conferência Episcopal Portuguesa criou o Grupo VITA para acolher denúncias de abuso, trabalhar na prevenção e acompanhar vítimas e agressores. |
Neste primeiro ano de funcionamento, foram recebidas 485 chamadas telefónicas, que “não correspondem exclusivamente a situações de violência sexual no contexto da Igreja, na medida em que o Grupo VITA foi também contactado em relação a outras ocorrências, não relacionadas com a sua missão”.
28 contactos diziam respeito a situações de violência não relacionadas com a missão do Grupo VITA (abuso sexual intrafamiliar, violência doméstica), que foram encaminhadas para outras entidades.
Na audiência com o presidente da República, a 21 de maio deste ano, o organismo sublinhou a “importância em conduzir um estudo nacional, transversal a diferentes contextos, para melhor conhecer a prevalência e a natureza das situações de violência sexual”.
Os responsáveis defenderam, junto de Marcelo Rebelo de Sousa, a “criação de uma estrutura nacional de apoio às situações de violência sexual”.
OC