Padre Hugo Gonçalves, Diocese de Beja
Aparentemente, segundo conversas que circulam em alguns meios eclesiais, o inferno teve de fechar as suas portas por falta de clientes, fruto da extinção do pecado e, consequentemente, por já não existirem pecadores, deste modo o diabo e os seus colaboradores ficaram no desemprego.
Afirmava Gil Vicente que “ridendo castigat mores” – porque por vezes o uso da sátira e da comédia são necessárias para falar e fazer pensar em temas sérios. Infelizmente a temática do inferno e do demónio há muito que desapareceram das pregações e das catequeses e o ‘mal’ ficou órfão, reduzido a uma questão ética, tantas vezes sujeita à avaliação e critérios pessoais (relativismo moral). Talvez no passado se tenha, de forma excessiva e pouco pedagógica, insistido de forma exaustiva no pecado e no demónio, como se todos estivessem perdidos, esquecendo que de Deus não só vem o juízo, a condenação, mas também o perdão – não existe pecado algum que Deus não possa perdoar, quando de coração contrito, e com propósito de emenda e reparação, o penitente se aproxima da confissão. A ausência destes temas das catequeses e pregações de hoje tem levado a um ‘baixar da guarda’ de muitos católicos e, como já referido, à queda no relativismo moral, com todas as consequências gravosas para a pessoa. Se existe Céu também é verdade que existe o seu oposto, o inferno – o próprio Senhor Jesus o afirma. Não poucas vezes, quando se aborda em conversa o tema do pecado, parte das pessoas considera-se que não é pecadora, pois para elas o pecado é matar, roubar, etc, e por isso não considera necessária a confissão. Mas, a abono da verdade, também em alguns pastores ou se perdeu as noções de pecado, inferno, mal, demónio, ou por uma questão de ser politicamente correto não se abordam estas questões; por outro lado denota-se a falta disponibilidade para estar no confessionário e as confissões ficam reduzidas a dois momentos no ano pastoral, o da Quaresma e do Advento. Também existem aqueles que, muitas vezes sem consciência, preferem fazer uma celebração penitencial com absolvição geral, abusando de uma faculdade que é dada pelo direito canónico para situações muito particulares – este tipo de atitudes só prejudicam gravemente os leigos, levando-os a considerar o extraordinário como ordinário e perdendo o hábito importante de confessar os seus pecados, de ter direção espiritual e de ter uma correção e penitência consonantes com os pecados enunciados na confissão.
Nesta última década em particular, à sombra de afirmações de que ‘Deus é misericordioso’, de que ‘Deus é amor’, foi-se construindo a ideia de que, não obstante todo o pecado e a ausência de conversão, de arrependimento e de confissão, Deus acabará por perdoar a pessoa. Esta é uma ideia errada, não porque Deus não seja amor, não seja clemente, compassivo, misericordioso e justo, mas porque falta algo de fundamental e que está acima de tudo isto e lhe dá sentido e que é a Verdade; pois não há amor, justiça, misericórdia sem Verdade – o próprio Jesus nos diz que Ele é o caminho, a Verdade e a Vida, que ninguém vai ao Pai se não por Ele.
Formar a consciência à luz da palavra de Deus é fundamental e redescobrir o Sacramento da Confissão como lugar de encontro com Deus, o Pai misericordioso que se esconde na figura paternal da parábola do filho pródigo, que ouve os seus filhos confessarem os seus pecados, que os perdoa e que os auxilia com a Sua graça, também é deveras importante. Esta é uma tarefa que em primeiro lugar é imputada aos pastores, seguidamente aos catequistas e, por fim, à própria família.
Não devemos ter medo de falar no diabo e do pecado; não falar nestas realidades não as torna não existentes, apenas as reveste de uma camuflagem pela nossa negação, mas elas continuarão atuantes e agradecerão o nosso estado de negação, o qual permitirá uma melhor e maior ação.
Pe. Hugo Gonçalves
Diocese de Beja