D. Jorge Ortiga: «A situação de pobreza é pior do que as estatísticas mostram»

A Santa Casa da Misericórdia de Famalicão concluiu no Sábado, com homenagem aos irmãos com mais anos de “casa”, uma semana de intensa actividade, mostrando a vitalidade de uma instituição secular, que continua a ter um papel de grande relevo na sociedade. D. Jorge Ortiga, Arcebispo Primaz, esteve na cerimónia e chamou a atenção precisamente para a importância das Misericórdias, lembrando que a situação de pobreza é pior do que os números que as estatísticas indicam. «Uma coisa são as estatísticas e outra coisa bem diferente é a realidade. Os números falam por si, e vêm de organismos nacionais e internacionais. Infelizmente são demasiado eloquentes. Na minha experiência pessoal, uma vez que uma das minhas missões como bispo é visitar as pessoas, faço isso com frequência e sei o que se passa. A situação é pior do que os números que as estatísticas nos apresentam », refere o prelado. D. Jorge Ortiga diz que fala com frequência com sacerdotes e outras pessoas com responsabilidade nas paróquias, isto é, que estão por dentro das dificuldades com que as pessoas começam a viver. «Não é necessário raciocinar mui to. Basta relacionar os salários com as constantes subidas de preços de bens de primeira necessidade, além dos medicamentos, e depois fazer as contas», afirmou. Outra forma de constatar as dificuldades por que passam as pessoas, de acordo com o Arcebispo de Braga, é passar um dia na Cáritas de Braga, para se verificar a quantidade de pessoas a solicitar ajudas para pagar a renda da casa, a luz, os medicamentos, entre outras despesas. O responsável máximo da Igreja Católica de Braga espera que a sociedade, Igreja incluída, seja capaz de encontrar soluções que revertam o actual quadro. No entanto, D. Jorge Ortiga também não deixou de enviar um recado contra o consumismo. «Teremos que nos educar para uma vida um pouco mais regrada. Por vezes, há necessidades que se criam, principalmente na classe média, que se habituou a ter tudo. Já se sabe que o dinheiro não chega para tudo. A economia na família é muito complicada. É preciso que as pessoas pensem e saibam viver de acordo com as suas posses». Questionado se há necessidade de uma intervenção junto dos organismos do Estado, o prelado reconhece a necessidade de uma reflexão e não descarta essa possibilidade. Ainda assim, lembra que a principal missão da igreja é anunciar a doutrina da igualdade e dignidade de todo o ser humano. «Em certas ocasiões, a nossa doutrina reveste- se de um carácter de denúncia », disse. Em relação à “Semana das Misericórdias”, D. Jorge considera que se trata de uma «prova da vitalidade» da instituição, além das condecorações aos irmãos, que é um sinal de gratidão para com aqueles que trabalham, muitas vezes de forma voluntária, para que outros tenham uma vida mais digna. «Não esqueçamos que elas têm como finalidade as obras de Misericórdia, ou seja, dar de comer a quem tem fome, vestir os nus, visitar os doentes e presos, entre outras. Hoje, estas obras de Misericórdia terão outro nome, mas há outras carências, mais ou menos acentuadas. Estamos debaixo desta ameaça de uma pobreza que cresce e com acentuadas desigualdades entre as classes. Por isso, as Misericórdias são qualquer coisa de imprescindível ». «Há quem queira acabar com as Misericórdias» O provedor da Santa Casa da Misericórdia de Famalicão, José Machado Nogueira, estava satisfeito pela forma como decorreu a semana de actividades. Entretanto, a frase mais forte do dia foi proferida pelo presidente da Mesa da Assembleia Geral, que acusou alguém [governo] de querer «acabar com as Misericórdias». Na sua intervenção, antes da cerimónia de entrega das medalhas de ouro e prata aos irmãos com 50 e 25 anos de dedicação à Santa Casa, o advogado Machado Ruivo pediu aos irmãos para continuarem a trabalhar, arranjando mais mesários porque, caso contrário, «o desejo de alguém em acabar com as misericórdias pode acontecer». De acordo com este responsável, «as Misericórdias estão a atravessar uma crise muito grande. Alguém está a tentar acabar com elas», acusou, numa clara tirada a algumas medidas que este governo socialista tem tomado, alegadamente contra as misericórdias e instituições de solidariedade social em geral. Por seu lado, o provedor da Santa Casa enalteceu as actividades realizadas nesta semana. «Tivemos uma semana em grande. Os idosos foram participar nas actividades da infância. Tiveram uma experiência interessante, fizerem as suas rábulas, as suas peças de teatro, as suas declamações, conviveram com as crianças. Estas, por sua vez, também foram para aos lares, cantaram para os idosos, brincaram com eles. E são coisas raras para muitos idosos», disse, entusiasmado. José Machado Nogueira falou também do passeio a Fátima. «Quiseram ter um passeio que dignificasse a semana. Resolveram ir a Fátima, conhecer a igreja da Santíssima Trindade. Era um sonho que muitos deles pensavam que já não fosse possível. Foi estupendo, correu tudo bem e foi um dia em grande», classificou. Este dirigente considera que as misericórdias continuam a desempenhar um papel fulcral na sociedade. «É um facto que hoje as paróquias têm os seus centros sociais e paroquiais, mas as Santas Casas, pela sua dedicação, pela sua antiguidade, pelo conhecimento que têm da situação, são um marco importante nas terras onde estão instaladas». Segundo o provedor, ao homenagear os irmãos com 25 e 50 anos de mesários, a Misericórdia de Famalicão está a homenagear «todos os irmãos, todos os benfeitores e todos aqueles que trabalham na instituição». Sem descurar a crise, o provedor entende que a Santa Casa sempre se confrontou e se confronta com crises. Por isso, considera que, a necessidade maior que encontra é em dar apoio às famílias. «Às famílias que, numa situação em que marido e mulher têm hoje de esgravatar para poderem ganhar o seu pão, não têm tempo para se dedicar aos mais idosos e às crianças. Portanto, nós temos que ser essa retaguarda da família. As misericórdias acolhem nas suas instalações, nos diversos centros, as crianças e idosos, para que aqueles que têm uma vida activa possam estar descansados, desde que saibam que os entes queridos estão a ser tratados com amor, carinho e dedicação, e têm tudo aquilo que precisam», afirmou.

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