Homilia do Bispo do Porto no Domingo de Pentecostes

– Especialmente para os crismandos, mas para todos nós com eles! Ouvimos o Evangelho, oiçamo-lo ainda melhor: “Na tarde daquele dia, o primeiro da semana, […] veio Jesus, apresentou-Se no meio deles e disse-lhes: ‘A paz esteja convosco. […] Assim como o Pai Me enviou, também Eu vos envio a vós.’ Dito isto, soprou sobre eles e disse-lhes: ‘Recebei o Espírito Santo: àqueles a quem perdoardes os pecados ser-lhes-ão perdoados…’”. Eis tudo o que precisamos de saber, para celebrar o Pentecostes. Eis tudo o que precisáveis de ouvir, caríssimos crismandos, para perceberdes o que se passará convosco dentro de momentos. Tudo acontecerá segundo Deus e a sua habitual discrição. Tudo acontecerá na suavidade do Espírito, garantia da sua fecundidade profunda. Eles estavam de portas fechadas e cheios de medo. Com razões de sobra, pois lhes tinham morto o seu Senhor e Mestre, dias antes. Mas eis que, ressuscitado, se apresentou no meio deles, pois quem está absolutamente com o Pai, criador permanente de tudo e de todos, está absolutamente com os filhos, que apenas do seu amor brotam e ganham vida. Jesus ressuscitado é de novo e sempre “Deus-connosco”, Páscoa constante na vitória da vida. Assim se apresentou Ele, assim O redescobriram os discípulos. Assim O redescobris vós, e o afirmais em cada Missa, no conhecido diálogo: “- O Senhor esteja convosco! – Ele está no meio de nós!”. É muito boa a admiração com aquilo que já sabemos, sinal certo de que é revelação divina, antes e mais do que mera cogitação nossa. É a nossa verdade e o nosso segredo, a nossa certeza e ânimo: “Ele está no meio de nós!”. E nós estamos com Ele, aí mesmo onde a vida se recupera e amplia, infinitamente. “Ficaram cheios de alegria ao verem o Senhor”, diz também o trecho. Como nós a sentimos agora, à alegria do reencontro. Em cada Missa, sobretudo, e nesta Páscoa semanal que é cada Domingo, experimentaremos – se aprofundarmos, se persistirmos! – a alegria verdadeira da ressurreição de Cristo, em que já fomos baptizados. Caríssimos crismandos, reparai primeiro no vosso Baptismo. Não como um momento passado, mas como uma realidade permanente. Ganhastes aí, no vosso baptismo, a vida nova de Cristo, à qual o sacramento vos uniu. Uma vida mais forte do que a morte. A vida da humanidade restaurada em Cristo, que – muito mais do que a borboleta saindo da crisálida! – cresce em vós com um destino imortal, pois vai alargando no vosso espírito e nas vossas atitudes a caridade de Cristo, que “nunca acabará”. Foram esses sentimentos que vos trouxeram hoje aqui, ao novo Pentecostes da vossa Confirmação. Já lhe sentis a alegria, no reencontro com Cristo, que neste templo, nestas palavras e nestes ritos, se faz particularmente próximo e sensível… – Não o sentis, não o experimentais agora?! Ouvi-O então, de coração inteiro e atento à sua presença, à sua voz: “ – A paz esteja convosco!”. Uma e outra vez, num sussurro anterior e posterior a qualquer som, ouvi-O: “ – A paz esteja convosco!”. E aqui, deixai-me dizê-lo, melhor fora calar-me por momentos, ou talvez por muito tempo. Até que as altas naves desta catedral e a maior profundidade dos nossos corações, ficassem absolutamente repassadas e preenchidas, com a presença do nosso Cristo ressuscitado, com a alegria do reencontro, com a suavidade da sua paz. Oiçamo-Lo: “- A paz esteja convosco!”. Mas prossigamos, como que antecedendo o “sopro” do Espírito que recebereis dentro de momentos. Ouvi-O de novo, a dar-vos o que só Ele vos pode conceder plenamente, pois que O partilha com o Pai. Ouvi-o: “Recebei o Espírito Santo!”. Ides recebê-Lo, ao Espírito de Cristo, para completar o que já começou a realizar em cada um de vós pelo Baptismo. Sim, irmãos e amigos, é ainda da iniciação cristã que tratamos, devendo ser tomada como um todo, sucessivo e realizador. É Cristo ressuscitado que em nós reproduz a sua vida, a sua Páscoa, pela oferta do seu Espírito: no Baptismo, o Espírito começa a realizar em nós a filiação divina, herdada de Cristo; na Confirmação, fará de vós testemunhas do seu Reino, para que o Evangelho que vos salva também por vós salve a muitos, terra em fora. Participareis plenamente na mais plena das missões. Cristo di-lo com uma força que atravessa os séculos e hoje chega a cada um de nós. Com palavras que só Cristo podia e pode proferir, tão absolutas são: “- Assim como o Pai Me enviou, também Eu vos envio a vós!”. Quando sairdes desta catedral, caríssimos crismandos, tereis pela frente, o mundo, a vida e a missão. O mundo é este, grande e contraditório, em que vivemos. Grande pela potencialidade humana que mantém; contraditório pelos atrasos e desvios que infelizmente consente, nos conflitos que surgem ou não se resolvem, nas tragédias que sobrevêm ou agravamos por descaso ou incúria. Um cristão, baptizado e crismado, tem em todas essas situações, de maior ou menor recorte, uma única tarefa e missão: fazer a paz, reconciliar sempre. Oiçamos de novo: “Recebei o Espírito Santo: àqueles a quem perdoardes os pecados ser-lhes-ão perdoados…”. Sim, é verdade, que a reconciliação sacramental é feita pela Igreja através dos ministros ordenados, na sucessão do ministério apostólico. Mas o Espírito de Cristo, que todos recebemos e hoje reforça em vós a Sua presença, caríssimos crismandos, conta convosco para a obra de reconciliação universal que, de algum modo, a todos incumbe. Quando daqui sairdes, já crismados, tereis pela frente, da família à escola, da escola ao trabalho e à sociedade em geral, muitas rupturas a sarar, muitas desavenças a superar, muitas reconciliações a promover. Começareis porventura por vós mesmos e pela profunda reconciliação que cada um tem de fazer consigo, ou melhor com o Espírito de Cristo que em si actua. Deixai-O trabalhar então, realizando em vós aquela absoluta unidade de inteligência e vontade, sensibilidade e propósito que havia em Cristo, Filho de Deus e homem perfeito. E acontecerá, caríssimos crismandos, acontecerá em vós como aconteceu em tantos homens e mulheres que O Espírito fez santos, a mais linda e urgente aventura: gente reconciliada para reconciliar o mundo. Gente de perdão, para retomar as vidas, Primavera final dum recomeço sem retorno. No Pentecostes, lembrava a primeira leitura, toda a gente entendeu a linguagem do Espírito: “a multidão reuniu-se e ficou muito admirada, pois cada qual os ouvia falar na sua própria língua”. Há realmente muitas linguagens neste mundo, que nem sempre significam pluralismo e criatividade, antes desarmonia e confusão. Mas aos Apóstolos, em quem o Espírito falava, todos escutavam e entendiam. É este mesmo Espírito que quer falar agora através de vós, caríssimos crismandos. E, se O acolherdes, podeis crer que todos vos entenderão, sendo todos vós gente de paz. Quem vos ouvir, também ficará “maravilhado” pois proclamareis, precisamente, “as maravilhas de Deus”. Por palavras ditas e por palavras incarnadas nas vossas atitudes, generosas e reconciliadoras. – Não é tudo isto mais que bastante para vos levantar o ânimo e motivar a vida?! É-o decerto e pleno de realismo cristão e pentecostal. De que o nosso mundo precisa e tanto, de que vós sereis exemplo e sempre! Ainda uma última referência, igualmente importante, com a segunda leitura. Fala Paulo aos coríntios, Igreja cheia de dons do Espírito. Dons que tendo uma única fonte, o Espírito de Deus, têm muitíssimas especificações, tantas quantas a irredutível originalidade de quem O recebe. Como diz o trecho: “Em cada um se manifestam os dons do Espírito para o bem comum. Assim como o corpo é um só e tem muitos membros e todos os membros, apesar de numerosos, constituem um só corpo, assim também sucede com Cristo. Na verdade, todos nós, […] fomos baptizados num só Espírito, para constituirmos um só Corpo. E a todos nos foi dado a beber um único Espírito”. A esta luz, deixai-me pedir-vos, caríssimos crismandos, acolhei o dom e o apelo que o Espírito faz e fará, um por um, para o bem geral. Contrariamente ao que se diga, todos somos insubstituíveis, e o que cada um não fizer, por fazer ficará, nesse modo e ocasião. Deixai-me pedir-vos, caríssimos crismandos: – Acolhei o que o Espírito vos pedir, no fundo da consciência e na interpelação da Igreja. Tem alguma razão o nosso povo, quando diz que “cada qual é para o que nasce”; mais razão há decerto para que o Espírito requeira de cada um de vós a coincidência da vida com uma vocação específica. Na vida laical ou na vida religiosa, no sacerdócio ou na missão, para cada um de vós o Espírito tem um segredo e um apelo. Escutai-O hoje, que para tal o recebereis de seguida. Aí encontrareis a felicidade, que só reside na vontade de Deus. Aí a encontrarão tantos outros, que esperam o vosso sim. O Espírito em vós, para a salvação do mundo. Nada menos do que isso e precisamente assim. Amen! Sé do Porto, 11 de Maio de 2008 + Manuel Clemente, Bispo do Porto

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