Presidente da Associação de Imprensa de Inspiração Cristã fala em desinvestimento no setor e em problemas que já se arrastam há anos
Lisboa, 14 mar 2024 (Ecclesia) – O presidente da Associação de Imprensa de Inspiração Cristã (AICC) afirmou que a greve geral dos jornalistas, que hoje se assinala, “é um grito de revolta de um setor que está a passar por enormíssimas dificuldades”.
“Já temos vindo a alertar, através da Associação de Imprensa de Inspiração Cristã, para o cenário que está neste momento no auge, com dificuldades enormes ao nível social, da sobrevivência do setor, porque tem vindo a haver um desinvestimento, na parte da comunicação social, um desinvestimento geral, não só ao nível do Estado, mas também ao nível da própria sociedade, da própria economia, porque os tempos mudaram”, lamentou Paulo Ribeiro.
A greve geral dos profissionais do setor foi aprovada por unanimidade no 5º Congresso dos Jornalistas, em janeiro, contra os baixos salários, a precariedade e a degradação acentuada de exercício do jornalismo.
De acordo com o sindicato dos jornalistas, mais de 20 órgãos de comunicação social aderiram à greve e mais de uma dezena estão com perturbação na atividade, estando agendadas concentrações pelo país.
O presidente da AIC espera que com a formação de um novo governo “haja uma ação e que mais assertiva e corajosa para haver políticas públicas que sejam transparentes, sejam assertivas, sejam importantes para a defesa do jornalismo e dos meios de comunicação social, fundamentalmente também os meios de informação regionais e locais”.
Convidado esta quinta-feira do Programa ECCLESIA, transmitido na RTP2, Paulo Ribeiro destaca que o desinvestimento no setor leva a que as empresas fiquem desprotegidas.
“O ecossistema financeiro, como costumamos dizer, está muito depauperado e, obviamente, que os jornalistas, que são a principal mola de impulso desta área, desta área informativa jornalística, acabam por ser o elo mais fraco”, destaca.
Em entrevista, o responsável abordou ainda a situação de “um enorme número de profissionais de comunicação que se passam por jornalistas e que não o são”.
“É que um jornalista está obrigado a um conjunto de regras, um conjunto de deveres e direitos que tem que observar no exercício da sua profissão. Portanto, o jornalista é o garante da informação credibilizada com rigor e certificada. Quem não o é e que se passa por jornalista não está obrigado a este conjunto de deveres éticos e profissionais e isso vem provocar uma enorme confusão na parte da sociedade, da parte do leitor, do ouvinte”, adverte.
Segundo o entrevistado, este cenário “é palco para a desinformação” e para “o populismo”.
“Atrevo-me a dizer, que nós estamos a colher, nós também jornalistas, nós também membros de órgãos de comunicação social, estamos também um pouco a colher aquilo que deixámos que fosse feito e trilhado ao longo dos últimos anos com a esperança de que as coisas se resolveriam por si só, mas como vemos não se resolveu e esta greve que hoje se verifica é sinónimo disso mesmo”, salienta.
Paulo Ribeiro aponta que “não é de agora que há dificuldades” no setor e que estas se prolongam há muito tempo, realçando a persistência dos muitos profissionais que ainda desejam fazer jornalismo, “com muitas dificuldades ao nível financeiro, ao nível social, do custo pessoal”.
Ser jornalista implica uma grande dose de entrega e de sacrifício para a profissão”
O presidente da AICC considera que o Estado abdicou durante as últimas décadas “de um trabalho no âmbito da literacia cívica e da literacia mediática”, o que provoca o caso de muitos não perceberem do que se trata o “jornalismo”.
Paulo Ribeiro alerta que em Portugal existem concelhos que “não têm um único órgão de comunicação social”.
“Aquele concelho, aquela população, não tem informação jornalística de proximidade que lhe permita que possa dizer efetivamente o que é que se está a passar na sua Câmara, na sua Junta de Freguesia, na sua coletividade, a não ser através ou da informação da Câmara Municipal, que é uma informação parcial”, assinala.
O responsável defende que esta é uma situação que “fragiliza” a democracia, uma vez que as pessoas, “como não recebem informação certificada, não têm acesso à informação com o máximo de isenção possível”, não permitindo alicerçar uma opinião cívica e democrática perante o que se está a passar.
O jornalismo não é para condicionar o pensamento das pessoas, o jornalismo é para fornecer ferramentas, para fornecer factos, para as pessoas depois ajuizarem se efetivamente é aquilo que concordam ou não concordam
Sobre a greve geral, Paulo Ribeiro reforça que “é importante que os jornalistas se manifestem, que digam a sua opinião”, no enanto o futuro “do setor só pode ser resolvido com o envolvimento também das associações representativas dos editores e dos operadores”.
A Doutrina Social da Igreja defende que “a greve é moralmente legítima, quando se apresenta como recurso inevitável, senão mesmo necessário, em vista dum benefício proporcionado”.
PR/LJ
Media: «Há muitos portugueses que não têm acesso à informação» – Paulo Ribeiro