LUSOFONIAS – ‘Procurar e arriscar’ nesta Quaresma

Tony Neves, em Roma

São longos e difíceis os caminhos que levam à liberdade. Num tempo marcado por guerras tão cruéis como as que vitimam a Ucrânia e a Rússia, Palestina e Israel, há conversões de fundo a fazer se queremos que o mundo tenha futuro.

O Papa Francisco escreveu, nesta Quaresma, uma Mensagem corajosa e desafiante. Quero fazer alguns recortes: ‘O êxodo da escravidão para a liberdade não é um caminho abstrato. A fim de ser concreta também a nossa Quaresma, o primeiro passo é querer ver a realidade. Quando o Senhor, da sarça ardente, atraiu Moisés e lhe falou, revelou-Se logo como um Deus que vê e sobretudo escuta: ‘Eu bem vi a opressão do meu povo que está no Egito, e ouvi o seu clamor diante dos seus inspetores; conheço, na verdade, os seus sofrimentos. Desci a fim de o libertar das mãos dos egípcios e de o fazer subir desta terra para uma terra boa e espaçosa, para uma terra que mana leite e mel’ (Ex 3, 7-8). Também hoje o grito de tantos irmãos e irmãs oprimidos chega ao céu. Perguntemo-nos: E chega também a nós? Mexe connosco? Comove-nos? Há muitos fatores que nos afastam uns dos outros, negando a fraternidade que originariamente nos une’.

Mais à frente, o Papa recorda a sua primeira visita apostólica: ‘Na minha viagem a Lampedusa, à globalização da indiferença contrapus duas perguntas, que se tornam cada vez mais atuais: ‘Onde estás?’ (Gn 3, 9) e ‘Onde está o teu irmão?’ (Gn 4, 9). O caminho quaresmal será concreto, se, voltando a ouvir tais perguntas, confessarmos que hoje ainda estamos sob o domínio do Faraó. É um domínio que nos deixa exaustos e insensíveis. É um modelo de crescimento que nos divide e nos rouba o futuro. A terra, o ar e a água estão poluídos por ele, mas as próprias almas acabam contaminadas por tal domínio. De facto, embora a nossa libertação tenha começado com o Batismo, permanece em nós uma inexplicável nostalgia da escravatura. É como uma atração para a segurança das coisas já vistas, em detrimento da liberdade’.

A Quaresma obriga-nos a intervenções de fundo nas nossas vidas e na sociedade a que pertencemos. Diz o Papa: ‘É tempo de agir e, na Quaresma, agir é também parar: parar em oração, para acolher a Palavra de Deus, e parar como o Samaritano em presença do irmão ferido. O amor de Deus e o do próximo formam um único amor’.

E terminou a Mensagem com uma referência explícita à Jornada Mundial da Juventude: ‘Quero dizer-vos, como aos jovens que encontrei em Lisboa no verão passado: ‘Procurai e arriscai; sim, procurai e arriscai. Neste momento histórico, os desafios são enormes, os gemidos dolorosos: estamos a viver uma terceira guerra mundial feita aos pedaços. Mas abracemos o risco de pensar que não estamos numa agonia, mas num parto; não no fim, mas no início dum grande espetáculo. E é preciso coragem para pensar assim’. É a coragem da conversão, da saída da escravidão’.

O Papa Francisco celebrou a Missa de Quarta Feira de Cinzas na Igreja de Santa Sabina, em Roma. Lembrou que ‘a Quaresma mergulha-nos num banho de purificação e despojamento: ajuda-nos a retirar toda a ‘maquilhagem’, tudo aquilo de que nos revestimos para brilhar, para aparecer melhores do que somos. (…). A vida não é um teatro, e a Quaresma convida-nos a descer do palco do fingimento e regressar ao coração, à verdade daquilo que somos. Regressar ao coração, regressar à verdade’.

Na Audiência Geral desse início de Quaresma, o Papa falou da ‘acédia’ (a falta de cuidado), um dos sete pecados capitais, mais conhecido pelo nome de preguiça. Resumamos assim para simplificar: ‘Trata-se mais de um efeito do que de uma causa. A pessoa que sofre desta enfermidade espiritual não encontra gosto em nada do que faz: até mesmo a oração e a relação com Deus lhe parecem enfadonhas. Diante deste vício, os mestres de espiritualidade indicam vários remédios. Gostaria de destacar um: a paciência da fé. Como, sob a influência da preguiça, surge o desejo de fugir da realidade, de estar noutra condição e lugar, é importante ter a coragem de permanecer firmes e fiéis, acolhendo no nosso ‘aqui e agora’, na nossa situação tal qual é, a presença amorosa de Deus. Esta batalha contra a ‘acédia’ não poupou nem mesmo os santos, que nos ensinam a atravessar a ‘noite escura’ com paciência, apoiando-nos em Jesus, que jamais nos abandona no meio das tentações’.

Cuidado, não há tempo a perder porque a Páscoa vem já aí.

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Agência ECCLESIA

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