Homilia do Bispo de Aveiro na Missa Crismal

Viver e celebrar a alegria da vocação e da fidelidade 1. “Mestre onde moras?” (Jo 1, 38), perguntavam os que mais tarde haviam de ser seus discípulos. “Vinde e vede” (Jo 1, 39), respondera Jesus. Esse diálogo, iniciado há 2000 anos, continua nos dias de hoje. Continua no coração de cada um de nós padres e na alegria de sermos Presbitério, hoje reunido nesta Igreja – Mãe da Diocese. Aproxima-se a celebração da Páscoa. A Missa Crismal celebrada na manhã de Quinta-Feira Santa, no limiar do Tríduo Pascal, afirma a nossa unidade e exprime a nossa comunhão como “sacerdotes do Senhor” e “ministros do nosso Deus” (Is. 61,8). Na consagração do óleo do Crisma e na bênção do óleo dos Catecúmenos e dos Enfermos sentimos que também nós , ungidos do Senhor, somos enviados “a anunciar a Boa Nova e a proclamar um ano de graça por parte do Senhor” (Is. 61, 3). Saúdo-vos, irmãos sacerdotes, com as palavras de afecto, de dedicação e de gratidão com que S. Paulo iniciava as cartas dirigidas a Timóteo, seu discípulo fidelíssimo e colaborador inexcedível nas lides do Evangelho: “a graça, a alegria e a paz que nos vêm de Deus por Cristo Jesus estejam contigo” (1Tim 1, 2 e 2Tim 1, 1). Alargo este sentimento fraterno às vossas famílias e às comunidades a quem servis no ministério e de quem cuidais pastoralmente como se de verdadeiras famílias se tratasse. Foi nesse espaço concreto que recebemos a vida e a fé e é nesse contexto próprio que somos chamados a viver e a celebrar a alegria da vocação e da fidelidade. Não podemos distrair o olhar das nossas raízes da vida, da fé e da vocação. Aí se sustentam com força inabalável, capaz de vencer sobressaltos e dificuldades, as razões da nossa fidelidade e da nossa alegria. 2. Regressemos, por isso, ao lugar originário no qual Cristo instituiu o sacerdócio da nova aliança, continuando no mundo de forma perene, em cada Eucaristia celebrada e em cada vida sacerdotal dada ao seu povo, o memorial vivo da sua paixão, morte e ressurreição. “O cenáculo permanece na história do nosso sacerdócio como o lugar fundador de um ministério que fascina e que envolve. No cenáculo, o tempo parou por alguns instantes” (D. Rino Fisichella – V Simpósio do Clero, pág. 41) O imperativo de Jesus: “Fazei isto em memória de Mim” torna-nos contemporâneos seus, porque a eucaristia será sempre a origem, o centro e a meta de toda a vida sacerdotal. Nesta vida e nesta vocação, com origem mas sem ocaso, encontra o sacerdote as razões da sua alegria e da sua fidelidade, sabendo que é sempre envolta em mistério toda a sua vida e feito de despojamento, muitas vezes heróico, o seu caminho de doação. O mundo olha-nos com alguma surpresa, a estranha surpresa sentida diante de quem é chamado a ser testemunha e dispensador de uma vida diferente da terrena. Mas o mundo olha-nos igualmente com uma imensa gratidão quando nos sente modelados pela oração e pela palavra de Deus e portadores de um anúncio esclarecido, acolhedor, fraterno e misericordioso da boa nova da salvação. É este mesmo mundo que nos procura na ânsia de quem o ajude a descobrir sinais de orientação para o sentido da vida, para a busca de felicidade e de bem-aventurança, para gestos de comunhão e de fraternidade e para o serviço generoso e solidário dos pobres e dos que sofrem. Mas a eficácia da resposta que de nós espera o mundo está em Cristo, do mesmo modo que em Cristo reside o segredo da vocação, da fidelidade e da alegria do sacerdote. Sabemo-nos “homens do mistério”, mistério sempre subjacente à pergunta inicial: “Mestre, onde moras?” Mistério continuado em cada gesto, em cada palavra, em cada passo dado, em cada sacramento celebrado, em cada obra construída, em cada prece rezada. Mistério, por excelência, celebrado e vivido no pão e no vinho que pelas nossas palavras se tornam Corpo e Sangue Senhor. Se perdêssemos esta consciência do mistério que nos habita, tornar-se-iam sem sentido a nossa vida e o nosso ministério. 3. Ao centrar esta reflexão, neste dia tão significativo para todo o presbitério diocesano, na “alegria da vocação e da fidelidade” e ao convidar-vos, irmãos sacerdotes, a renovardes comigo as promessas feitas no dia da nossa ordenação, eu quero dar graças a Deus pela Igreja e pelo presbitério que somos. Os caminhos já andados, os momentos havidos de encontro, de diálogo e de partilha, a disponibilidade para a missão sempre encontrada, o peso da responsabilidade pastoral irmãmente por todos repartido, a alegria vivida nas visitas pastorais realizadas e as iniciativas pastorais concretizadas são razões abundantes deste hino de louvor a Deus, convosco e por vós. A alegria de um presbitério em comunhão manifesta-se hoje com particular encanto ao saudarmos os sacerdotes em jubileu sacerdotal: Padre Manuel António Fernandes, o decano do nosso clero, que neste ano celebra o 75º aniversário de sacerdócio e Padre Américo Pires Dias que celebra 50 anos de sacerdócio. Unimo-nos igualmente em oração insistente e em solicitude fraterna a D. Manuel de Almeida Trindade, aos onze sacerdotes e ao diácono, doentes, sem esquecer as pessoas que dedicadamente deles cuidam, as famílias em que se acolhem ou as instituições que os recebem. É pensando neles e em todos nós que desejo dirigir à Diocese, uma Nota Pastoral, com data de hoje, a anunciar a Casa Sacerdotal e quero ser membro da Fraternidade do Clero, sublinhando o valor desta iniciativa e da sua missão. Foram muitos os sacerdotes que o Senhor chamou a si ao longo deste ano. Só Deus conhece a falta que nos fazem, como trabalhadores incansáveis que foram desta messe tão vasta. Na Bem-aventurança dos eleitos não nos faltarão com a sua bênção. Associamo-los à memória sagrada dos primeiros bispos desta diocese: D. João Evangelista de Lima Vidal e D. Domingos da Apresentação Fernandes e recordando os seus nomes prometemos nunca esquecer o bem que deles a Igreja de Aveiro recebeu: Padres Artur Tavares de Almeida, João Paulo de Jesus Capela, Domingos José Rebelo dos Santos, Manuel Rodrigues Teixeira das Neves e Manuel Simões da Silva. Lembro, com afecto e dedicação, caríssimos padres, os pais, mães e familiares vossos que já partiram rumo à bem-aventurança e rezo por quantos se encontram doentes. Os nossos pais e as nossas mães são o solo sagrado da nossa entrega e da nossa fidelidade e parte integrante da família de todos nós. 4. É a partir deste terreno, sempre fecundo da oração confiante e da gratidão permanente, que o nosso olhar se volta para o horizonte do futuro que nos dará, espero em Deus, em cada ano que se aproxima, novos sacerdotes. Penso em vós, diácono, seminaristas maiores e jovens em Pré-Seminário, que estais também connosco, nesta Missa Crismal, para que a mensagem e a beleza da liturgia vos ajudem a ouvir a voz do Senhor que vos chama a fazer parte deste presbitério. Ao sentir o dinamismo da pastoral juvenil e vocacional, da pastoral universitária, da pastoral familiar, da catequese e da e da educação cristã aos seus diferentes níveis, da presença da Igreja nas Escolas, de todos os restantes sectores da acção pastoral, ao constatar o interesse manifestado pelos movimentos apostólicos e o acolhimento dado nas comunidades cristãs à prioridade vocacional que propus à diocese e ao aperceber-me do trabalho estruturado do Seminário e do Pré-Seminário, estou certo de que esta é uma hora de bênção. Todos sabemos que Cristo continua a chamar discípulos a tempo inteiro e de coração livre e pleno, para viverem o ministério presbiteral, na simplicidade e na alegria da comunhão, que já hoje aqui experimentamos. Que o exemplo de vocação, de fidelidade e de santidade de quem vive a alegria de ser padre se faça estímulo, incentivo e alento para quem agora inicia o caminho no rumo desse horizonte. Nunca esquecemos que é Cristo que chama, que convoca, que atrai, que seduz e que converte. Mas não ignoramos também que somos chamados a esta mediação de vocação com o nosso testemunho de pastores, sacramentos de Cristo, o Bom Pastor. 5. Das comunidades cristãs da nossa diocese, das comunidades religiosas, dos diáconos, dos consagrados e dos leigos espero o testemunho de comunhão fraterna com os presbíteros e de oração intensa pelas vocações, na certeza de que “nos campos espiritualmente trabalhados hão-de florescer as vocações” (Bento XVI). 6. Deixai-me recordar um belo poema do Cardeal Carlo Martini, ao evocar os momentos do Tabor em que os discípulos fizeram esta experência única de proximidade com Jesus, o Filho de Deus. A mensagem deste poema ilumina o campo de acção pastoral que nos propusemos cumprir, na nossa Diocese de Aveiro, ao longo deste ano: o serviço aos mais pobres. “Faz, Senhor, que sempre eu saiba recordar-me de Ti e da pátria à qual me dirijo onde tudo o que é humano surge tão pequenino mas onde tão grande se revela o abraço do teu amor! E faz com que, ao recordar-me de Ti, também saiba recordar-me dos muitos rostos amados e de todos os outros, indiferentes ou desconhecidos, para compreender que ninguém é estranho para Ti e que o valor infinito de cada pessoa humana está neste amor eterno que a envolve Mas queres, Senhor que eu regresse do Tabor ao pequeno-grande mundo onde ergueste a Tua e a minha tenda: queres que eu habite na aldeia, na vila ou na cidade e partilhe a vida em comunhão Comunicar contigo Senhor Traz-me ao coração a urgência De comunicar com os irmãos Meus companheiros de caminhada Ao chegar de tão longe Parece-me que os olho Com nova simpatia; É como se a luz dos teus olhos Me fizesse capaz De reconhecer em tudo A marca do teu amor. Vamos regressar ao mundo da nossa missão de sacerdotes, com o olhar novo de quem viu o Transfigurado do Tabor, de quem se sentiu próximo do Mestre na mesa da Última Ceia, de quem acompanhou de perto o Inocente suspenso na Cruz, de quem encontrou o Ressuscitado na manhã da Páscoa. Acompanha-nos nesta proximidade com Jesus e neste regresso à missão, a Mãe de Jesus, a nossa Mãe. Ela está sempre connosco com o desvelo de todas horas e com a presença próxima e terna de todos os momentos. No nascer de cada manhã de vida e de ministério consagramo-nos e confiamo-nos à Mãe de Jesus. No reclinar de cada tarde imploramos-lhe bênção e protecção, com o belo cântico do Magnificat. “Ela tudo pode, é Mãe de Deus. Ela tudo deve, é nossa Mãe”. António Francisco dos Santos, Bispo de Aveiro

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