20 anos de episcopado de D. Manuel Pelino

A primeira reacção ao «chamamento inesperado para o episcopado foi um sentimento de sacrifício e sofrimento» 20 Anos de Episcopado Dou, hoje, graças a Deus pelo dom da ordenação episcopal, a 13 de Março de 1988. Escolhi esta data por ser o domingo da alegria, como, passados dez anos, optei pelo mesmo domingo para entrar em Santarém, como bispo diocesano. A primeira reacção ao chamamento inesperado para o episcopado foi um sentimento de sacrifício e sofrimento. Senti que era necessária uma conversão, uma mudança profunda, uma entrega total, um desprendimento sem reservas, uma responsabilidade difícil…No meio do receio e do sofrimento procurei ver esta missão à luz da fé e descobrir o fruto da entrega: afinal era um chamamento a anunciar e a ser fermento do Reino de Deus que, diz São Paulo na Carta aos Romanos, é paz e alegria no Espírito Santo. Dispus-me, assim, a aceitar a conversão pedida por este ministério como um caminho para a alegria. Encontrei, salvas as devidas proporções, alguma semelhança com o chamamento de Abraão: “Sai da tua terra e parte…estabelecerei a minha aliança contigo…serás pai de um grande número…”Abraão confiou, foi humilde e prostrou-se numa atitude de obediência e de disponibilidade. Viveu, desde logo, a paternidade espiritual: acolhimento aos peregrinos em Mambré; intercessão pelas cidades pecadoras; apoio ao sobrinho Lot. Exercer a paternidade espiritual pede, realmente, uma conversão. Pessoalmente sentia-me mais irmão, num âmbito de relação mais restrito, mais independente dos fiéis. A paternidade pede acolhimento aberto e universal, compreensão sem fronteiras, “como o Pai celeste que manda vir o sol sobre os justos e os pecadores”, é compaixão e misericórdia: “Sede misericordiosos como o Vosso Pai é misericordioso”. Ser pai de muitos exige, de facto, uma dedicação vigilante, compreensiva e misericordiosa. Santo Agostinho experimentou ao vivo esta conversão quando foi chamado ao ministério. Viveu uma segunda conversão. A primeira aconteceu quando renunciou ao mundo para seguir Jesus Cristo e receber o Baptismo. Depois de baptizado, organizou a vida para se dedicar à reflexão sobre a palavra de Deus, para se tornar um pensador, um teólogo com uma escola de amigos que comungavam do mesmo ideal. Era uma forma de vida que apreciava. Não estava nos seus planos a vocação ao ministério ordenado. Foi chamado inesperadamente quando participava na Missa em Hipona. Teve de abandonar a vida pacata e dedicar-se a todos, viver com Cristo e como Cristo para todos, Se Cristo morreu para todos, viver para Ele significa deixar-se envolver no seu “ser para todos”. “Assim descreve, nas Confissões, o seu dia a dia: “Corrigir os indisciplinados; confortar os pusilânimes; amparar os fracos; refutar os opositores; precaver-se dos maliciosos; instruir os ignorantes; estimular os negligentes; travar os provocadores; moderar os ambiciosos; encorajar os desanimados; pacificar os litigiosos; ajudar os necessitados; libertar os oprimidos; demonstrar aprovação aos bons; tolerar os maus; e [ai de mim] amar a todos”. Pelo que vemos, as pessoas não eram melhores nesse tempo do que são hoje e a tarefa não era mais fácil. Mas, nestas dificuldades, Agostinho transmite esperança, a esperança que lhe vinha da fé e o tornou capaz de participar com todas as suas forças na edificação da cidade de Deus. (Cf SS 28 e 29). Outra mudança que Agostinho se esforçou por realizar foi a passagem de professor a pastor: Viver com e para o povo simples, traduzindo os seus pensamentos elevados na linguagem das pessoas comuns. Conhecer e ser conhecido de todos os fiéis, congregar e estabelecer laços com e entre as pessoas. Uma tarefa para vida inteira e que apenas com a graça de Deus e esforço laborioso e humilde se pode adquirir. Senti também ao vivo esta mudança. Mas simultaneamente a confiança. Afinal apascentamos as ovelhas que são do Senhor “ Apascenta as minhas ovelhas”. Apenas representamos, como sinal e instrumento, o “Grande Pastor”, Jesus Cristo, que cuida de todos nós com o Seu cajado, a Sua luz, o Seu amor. Apoiamo-nos sempre no “Seu braço forte”. Cuidamos das ovelhas no amor e na luz de Deus: “Como o Pai me conhece e eu conheço o Pai”. Amar a todos no amor de Cristo, com liberdade perante todos, afável mas desprendido, misericordioso mas firme, é a aprendizagem da paternidade espiritual que tenho procurado aprender ao longo de vinte anos e ainda estou longe de ter alcançado. Resta-me dar graças a Deus por me chamar à conversão. Tenho sentido que é um caminho para uma maior liberdade interior; para uma alegria mais profunda; para uma misericórdia mais evangélica. “Antes de Abraão existir Eu sou”, ouvimos no evangelho. È uma promessa de vida, apesar das nossas limitações. Quanto maiores são as responsabilidades que assumimos, mais se notam as nossas limitações. Tenho muitas, mais do que desejaria. Delas peço perdão a Deus e a vós irmãos que rogueis por mim a Deus Nosso Senhor. Santarém, 13 de Março de 2008 D. Manuel Pelino Domingues, bispo de Santarém

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