Homilia da Missa de tomada de posse do novo Arcebispo de Évora

1. A Sagrada Escritura afirma que os planos de Deus são insondáveis e inacessíveis à inteligência humana. Tenho pensado muitas vezes na verdade dessas palavras, até no que se refere à minha própria vida. E hoje penso nelas mais uma vez. Pois, estava fora dos meus projectos que, passados quase dez anos, voltasse a esta histórica cidade de Évora como Arcebispo e entrasse na catedral, em cujo solo, duas vezes, me prostrei por terra, em gesto de profunda adoração e louvor a Deus, que me criou e me chamou ao presbiterado e ao episcopado. Com efeito, aqui fui ungido com o óleo sagrado e com os dons do Espírito Santo. Daqui fui enviado, como bispo, primeiro ao Patriarcado de Lisboa, onde o exercício do meu ministério episcopal teve início e se enriqueceu com profundas vivências de comunhão eclesial. Depois, à querida Diocese de Portalegre-Castelo Branco, onde vivi tempos de intensa e gratificante acção pastoral, cuja memória guardarei para sempre no meu coração. Agora, por decisão do papa Bento XVI, vínculo de unidade de todo o colégio episcopal e sucessor de Pedro, rocha firme sobre a qual Jesus Cristo fundou a sua Igreja, fui de novo chamado, por Deus, para a Arquidiocese de Évora. Regresso por obediência e em comunhão plena com o papa e com o colégio episcopal, aqui tão bem representado, por bispos de Portugal, de Espanha e de Timor. Estimados diocesanos, volto para o meio de vós como membro do Povo de Deus e discípulo de Jesus Cristo, o Filho de Deus, em Quem acredito e reconheço o único Salvador da humanidade, que ressuscitou dos mortos e continua vivo e presente no meio de nós. Quero segui-lo sempre, acolher no meu coração a Sua Palavra de vida eterna que procurarei por em prática, mais confiado na graça de Deus (2 Tim 1,9), na oração e ajuda de todos vós do que nas minhas capacidades. Volto como Pastor e Mestre da fé, carregando sobre os meus frágeis ombros a responsabilidade pastoral desta vasta parcela do Povo de Deus, iluminada e guiada, nos tempos passados, pela palavra eloquente e pelo luminoso exemplo de fé de uma plêiade de sábios pastores. O último deles está entre nós. É D. Maurílio de Gouveia, por meio do qual recebi o dom do episcopado, que governou esta Igreja Particular, com dinamismo e sabedoria, durante vinte e seis anos, e a quem desejamos saúde e vida longa, para continuar a servir a Igreja. Os exemplos de virtude dos meus antecessores entusiasmam-me e despertam em mim o desejo de seguir os seus passos de pastores zelosos e santos. Praza a Deus que o meu entusiasmo inicial não esmoreça, antes se acrescente. 2. Como muito bem nos adverte a Igreja, nossa Mãe bondosa e Mestra sábia, as expectativas do povo cristão em relação ao bispo são cada vez mais exigentes, porque mais esclarecidas. Com efeito, os cristãos esperam que o bispo, na sua vida e no seu ministério, manifeste a paternidade de Deus, a solicitude, a misericórdia e autoridade de Jesus Cristo e, bem assim, a perene vitalidade do Espírito Santo. Numa palavra, que viva em Deus e eleve os espíritos para Deus. O bispo é chamado a identificar-se com Cristo de tal modo que o pensamento de Cristo (1Cor 2,16) lhe penetre totalmente as ideias, os sentimentos e o comportamento. Ele sabe que nada pode fazer sem estar em Cristo, sua única e permanente fonte daquela espiritualidade, que se exprime na caridade pastoral, fulcro de unidade interior e origem de novas energias. Na Igreja, o bispo é chamado a ser princípio visível de unidade e comunhão, mestre da fé, santificador e guia espiritual do povo cristão. E, enquanto homem de fé, espera-se que tudo julgue, tudo realize e tudo suporte à luz da fé. Como homem animado pela esperança que não engana (Rom 5,5), espera-se que seja corajoso e firme nas decisões. Mas sempre pronto a obedecer à vontade de Deus. Para corresponder à complexidade do seu ministério, o bispo há-de ser humanamente equilibrado, intelectualmente bem formado, pastoralmente dinâmico e, acima de tudo, há-de esforçar-se por viver em santidade, fazendo da verdade revelada o centro e critério primeiro de toda a sua acção pastoral, ciente de que ele é o princípio visível e fundamento da unidade diocesana, permanecendo aberto à participação de todos os membros do povo cristão, com respeito pelas competências de cada um. Na sua actividade de governo, o bispo não poderá esquecer que a salvação das almas é a lei suprema da Igreja e o exercício do poder se deve traduzir numa autêntica diaconia, exercida com paternal bondade e fraterna amizade, a exemplo de Jesus Cristo. 3. Pelo que fica dito e por muito mais que haveria a dizer, podemos compreender como a missão do bispo é, ao mesmo tempo, sublime e exigente. Tão sublime que nunca a chegaremos a compreender em plenitude. De exigências tão elevadas que nunca será possível satisfazê-las. Sendo assim e humanamente falando, pareceria insensatez aceitar tal missão. Porém, à luz da fé tudo adquire um novo sentido. Como ouvimos na primeira leitura da missa, Abrão deixou a sua terra e a sua família e partiu. Não sabia onde seria essa outra terra que Deus lhe iria mostrar. Só sabia uma coisa e essa lhe bastou: Deus que o chamou iria conduzi-lo por bom caminho. Por isso, colocando a sua esperança em Deus, partiu. Também Moisés, depois de ter ouvido a voz de Deus que o chamava de uma sarça ardente, decidiu lançar-se na aventura de libertar o povo de Israel da escravidão. Não dispunha de meios capazes de convencer o Faraó do Egipto. Mas Deus fez prodígios e o povo foi liberto. Do mesmo modo, os Apóstolos acreditaram na palavra de Jesus Cristo ressuscitado e partiram pelo mundo a pregar a boa nova do Evangelho. A graça de Deus cooperava com eles e a Igreja expandiu-se. E, quando as dificuldades pessoais ou a falta de recursos para enfrentar as situações convidavam ao desânimo, todos ganhavam novo vigor, meditando no que fora dito a S. Paulo: basta-te a minha graça, porque a força manifesta-se na fraqueza (“Cor 12,9). Por isso, o próprio S. Paulo, que fizera essa experiência maravilhosa, não hesitou em recomendar a Timóteo, como ouvimos há pouco: sofre comigo pelo Evangelho, apoiado na força de Deus (2 Tim 1,8). Na verdade, sem essa força interior, não seria possível responder ao chamamento de Deus. Mas quando se encara a vida à luz da fé, o que humanamente parecia impossível torna-se realidade. Os fracos avançam apoiados na força de Deus, que nos salvou e nos chamou, não em virtude das nossas obras mas por dom da sua graça. É esta, meus irmãos, a verdadeira razão por que eu hoje estou aqui, a tomar posse como Arcebispo de Évora, nesta catedral, onde tantas vezes participei nos ofícios divinos e a minha fé se consolidou pelo sacramento da Ordem. Entrego a minha fraqueza nas mãos de Deus, confiado que Ele a transformará em força e, tocando-me com a Sua mão poderosa, tal como Cristo fez aos três Apóstolos que presenciaram a transfiguração, me levantará e me ajudará a segui-lo no caminho da cruz, para que possa também ter parte com Ele na glória da Ressurreição. 4. Mas há outra razão importante. È que eu não estou sozinho no exercício do meu ministério. Sei que posso contar com numerosos colaboradores, que actuam colegial ou individualmente, aos quais muito estimo e dos quais muito espero. Em primeiro lugar, penso nos presbíteros, meus principais e insubstituíveis colaboradores. Como pai, irmão e amigo, a todos, e particularmente aos que se encontram em dificuldades, quero dedicar uma especial atenção e afecto, bem como ao Seminário, primeira entre todas as instituições diocesanas, onde se formam os novos sacerdotes. Em seguida, os diáconos permanentes, cujo ministério está imbuído pelo sentido do serviço, para a edificação da Igreja, na qual eles darão corpo a uma nova época de espiritualidade evangelizadora. Seguem-se os membros dos Institutos de Vida Consagrada e todos os homens e mulheres que dedicam as suas vidas ao serviço do Evangelho, nesta parcela do Povo de Deus. Eles constituem um precioso dom divino, que enriquece a Diocese com nova energia missionária e evangelizadora e potencia o apostolado com a força oculta da oração e penitência das comunidades de vida contemplativa. Lugar de especial relevo merecem os numerosos leigos e leigas, de diferentes condições e idades, comprometidos com o anúncio da mensagem cristã, que se esforçam e generosamente trabalham na reconstituição da fractura entre cultura e Evangelho, na promoção de uma justa ordem social, na dignificação da actividade política, na defesa dos princípios éticos fundamentais e irrenunciáveis, na defesa da liberdade da Igreja e na colaboração directa com os pastores, na liturgia, na pastoral e noutros sectores da vida da Igreja. Por serem em maior número e cada vez mais empenhados na vida das comunidades cristãs, coloco neles uma particular esperança. 5. Eis-me aqui, meus irmãos. Venho para o meio de vós, ciente do muito que esperais de mim, do muito que há a fazer nesta querida Arquidiocese e confiante na ajuda de Deus e na vossa efectiva colaboração. Somos membros da Igreja que é mistério de amor, comunhão de fé e de vontades, povo de peregrinos a caminho da pátria definitiva, construção sólida assente na rocha que é Cristo, casa de família com os olhos postos em Nazaré. Aí nos encontramos com Maria, primeira discípula de Jesus Cristo, modelo de escuta, de oração, de oblação e de obediência à vontade de Deus. Maria que é mãe e mestra, a quem esta Diocese tanto venera. A ela nos entregamos confiadamente, dela esperamos protecção e auxílio. Mãe e Rainha nossa, rogai por nós. Ámen. +José, Arcebispo de Évora

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