Jorge Teixeira da Cunha, diocese do Porto
Passado um mês sobre a JMJ que teve lugar no nosso país, proponho aos leitores do nosso jornal diocesano que, por razões óbvias, não acompanhou este grande acontecimento, um regresso ao que parece o legado mais importante da presença do Papa Francisco e da extraordinária mobilização da Igreja para que tudo corresse bem como correu. No entender de quem acompanhou através da comunicação social, como foi o meu caso, pode resumir-se em três palavras o que ficou das vivências, das imagens e das palavras desses dias, memoráveis: o silêncio, a cura e a acção.
Uma das imagens mais marcantes da congregação geral da JMJ foi o silêncio da vigília. Colocar em silêncio uma multidão de milhão e meio de pessoas é obra. Mas isso aconteceu com uma eficácia que apenas pode ter um significado maior do que o facto em si. Mobilizar uma multidão para a expressividade, quantas vezes caótica, dos concertos de música será talvez fácil. Colocar em silêncio activo um tal número de pessoas apenas pode ser um sinal da força vivencial da fé cristã. A um observador sensível, esse facto remete para a fenomenologia da fé que começa na noite do encontro de cada ser humano como o mistério da vida que o precede e que o convoca. É esse silêncio nocturno o lugar de origem do mistério divino na vida humana. É na noite da existência que Deus visita o ser humano, numa forma de abordagem que precede a palavra e o nome. A noite é o tempo da oração, da eventual identificação de Deus e até da luta de cada um com o anjo que lhe calhou em sorte. Por isso, começar pelo silêncio activo e orante mostra-se como a primeira forma de evangelização. No nosso tempo isso parece muito importante, uma vez que existe um esgotamento evidente das representações de Deus, das propostas de vida moral e espiritual tradicionais. Existe hoje uma tendência decadente para formas de hiperexpressividade que são impróprias para falar de Deus e para o ser humano se encontrar co a sua verdade. Por isso, fazer silêncio, um silêncio que precede e funda a palavra é uma forma de evangelizar. Isso nos ficou como legado da JMJ.
O segundo aspecto é o que podemos chamar é o da proposta terapêutica da fé para o nosso mundo irritado, apressado e neurótico. Essa mensagem esteve muito patente na homilia do Papa Francisco no dia da Transfiguração do Senhor e nos outros momentos em que apelou à superação do medo. De facto, o medo é o sinal da nossa dependência, da nossa desconfiança do futuro, da nossa permeabilidade à manipulação de uma cultura de messas como aquela em que estamos envolvidos. Temos medo do futuro, de Deus, da sobrevivência, até adoecermos e ficarmos à mercê de qualquer influenciador que nos dê um pouco de conforto na nossa indigência. O Papa Francisco na sua velhice madura e sóbria deu-nos a consolação do evangelho contra todas as formas de dependência seja dos mitos, dos ritos, dos sabres tribais que campeiam hoje pela nossa cultura e nos tornam dependentes e doentes. Temos de dar seguimento a esse legado. A fé tem virtualidades terapêuticas inesgotáveis. Apenas beneficiando da terapia da fé somos acolhidos na vida plena que é dada a todos, sem excepção, mas após uma conversão e aceitação da força terapêutica da comunhão com o Senhor ressuscitado, vivida como oração e como sacramento.
A terceira forma de legado, podemos dar-lhe o nome de acção. De facto, a partir da noite da fé e da terapia do nosso ser ficamos capacitados para agir pelo poder que tem a sua origem em Cristo, o vivente que precede todos os viventes. Este ponto esteve também presente no estilo e nas palavras do Papa Francisco aos jovens da JMJ. Este ponto é muito importante para a nossa pastoral e para a presença dos cristãos na nossa sociedade. A acção apenas é dotada de força se vier do consentimento ao Ressuscitado. A comunhão com Jesus exige a ascese e o esforço do consentimento, a deposição do Ego infantil e todo-poderoso da nossa cultura de hoje. A eficácia da nossa pastoral tem de ter em conta este aspecto. De contrário não será credível a nossa palavra nem a nossa caridade.
Os jovens que viveram a JMJ terão seguramente um papel no futuro do nosso mundo. È importante que, no dia seguinte à JMJ, lhe demos a palavra e a vez para poderem protagonizar a renovação da nossa Igreja tão envelhecida.