O protagonismo dos imigrantes na construção da Europa e no futuro da Igreja Católica na Europa A Europa não pode cair na tentativa de “desnatar” a imigração, aceitando apenas quadros qualificados, e, por outro lado, não pode concretizar o seu projecto de desenvolvimento sem os imigrantes. Por isso, as instituições europeias não podem olhar esta problemática como sendo apenas uma questão de gestão de fluxos migratórios ou protecção de fronteiras. Ela exige políticas de integração consistentes, coerentes e determinadas. Certezas em debate no VIII Encontro de Animadores Sócio Pastorais das Migrações, que decorreu, em Fátima, nos dias 18, 19 e 20 de Janeiro, por iniciativa da Obra Católica Portuguesa de Migrações, pela Caritas Portuguesa e pela Agência Ecclesia. O contributo de investigadores sobre a União Europeia e sobre as Migrações e de políticos europeus fundamentou a certeza experimentada por quem acolhe e ajuda a integrar imigrantes em Portugal A Europa Para Adriano Moreira, a Europa depara-se hoje com falta de energia, de matéria-prima e de mão-de-obra. O que a obriga a aceitar imigrantes que partem da “geografia da fome” para a “geografia do consumo”. Outrora, foram poderes coloniais que geriram essas movimentações. Hoje é o mercado, gerido não pelos soberanos das Nações, mas pelos “senhores da economia do mundo”. Convencido de que não levará a bom porto a ideia de que “tudo o que não tenha retorno económico não tem importância”, Adriano Moreira defendeu neste Encontro o desenvolvimento de políticas de acolhimento e políticas de integração. Com o contributo das ciências humanas, olhando as sugestões de papas humanistas e de santos laicos (assim caracterizou a acção de muitos políticos ao longo da história), Adriano Moreira afirma a necessidade de “restaurar o tecido da sociedade de confiança”. Europa com imigrantes A Presidência Portuguesa da União Europeia, no segundo semestre de 2007, tentou um olhar abrangente das migrações. No último Conselho Europeu da Presidência, a 14 de Dezembro, 10 das 90 Conclusões referem-se aos imigrantes. Mas quase todas são normativas acerca de da gestão dos fluxos migratórios e das fronteiras. Apenas uma aborda claramente o tema da integração dos imigrantes. A importância dos imigrantes na Presidência Portuguesa da EU foi apresentada no VIII Encontro pelo Alto Comissário para a Imigração e Diálogo Intercultural. Rui Marques anotou a falta de linguagens e referências à integração das populações imigrantes, não apenas nesse relatório do último Conselho Europeu da Presidência Portuguesa, como também nas próprias estruturas da União. Exemplo disso é o facto das questões relacionadas com as migrações estarem a ser tuteladas pelo Comissário Europeu para a Justiça, Liberdade e Segurança. “A Europa, na organização da Comissão da União Europeia, tem um enorme desafio: repensar quem é o responsável pela política da imigração”. Para Rui Marques, “não pode ser o responsável pela segurança”, sob o perigo de reduzir as políticas das migrações à salvaguarda da segurança do Continente. Em Portugal, as áreas estão separadas: o SEF tem a sua cargo a gestão dos fluxos migratórios, e o ACIDI que desenvolve programas de integração. Num olhar global e integrado sobre a imigração, a Presidência Portuguesa da União Europeia adiantou também a possibilidade de um “consenso para uma política global da imigração” na União Europeia, traduzida no apoio aos países de origem, na gestão dos fluxos migratórios e na integração nas sociedades de acolhimento. Uma meta ainda distante, porque a imigração permanece como tema de política interna de cada país, onde “é difícil encontrar consensos alargados”. A acção de cada país, no entanto, deve ser coerente. Rui Marques defendeu que a Europa não pode querer incentivar a permanência das populações nos países de origem e depois praticar políticas comerciais e económicas que sejam estranguladoras de qualquer tentativa de desenvolvimento social, político e económico nos países de origem dos imigrantes. Cooperação e desenvolvimento A imigração é factor de desenvolvimento sobretudo dos países de acolhimento. Os países de origem vêem as remessas dos migrantes “esfumarem-se” em bens de consumo imediato e “raramente chegam a factor de desenvolvimento”. Uma problemática apresentada no Encontro de Animadores Sócio Pastorais das Migrações pelo Director da Revista Além-Mar. Manuel Augusto Ferreira, missionário comboniano que passou e esteve em muitos países de origem das migrações adiantou propostas para que aconteça cooperação e desenvolvimento recíproco: ajudar os imigrantes a fixar objectivos de desenvolvimento para as suas poupanças e fazer com que as remessas enviadas não se “queimem” em rápidos consumos; “circulação de cérebros”, valorizando os profissionais qualificados e encorajando-os “a regressarem aos seus países para serem os primeiros protagonistas de um desenvolvimento sustentável dos mesmos”; depois, urge revestir todo este processo de legalidade. Para o Pe. Manuel Augusto, ela passa pela neutralização dos engajadores, pela acção positiva dos empresários, a quem cabe “fazer todo o possível para levar postos de trabalho, tecnologia e actividades produtivas aos países de origem dos migrantes, em vez de os ver como reservatórios de mão-de-obra barata para sustentar o próprio ritmo de desenvolvimento”. A legalidade depende também dos governantes dos próprios países de origem: não podem “usar a emigração como arma para fazer pressão sobre os países europeus e obterem os melhores termos de cooperação e ajuda a nível financeiro, militar”. Igreja na Europa O futuro da Igreja da Europa passa necessariamente pelos imigrantes. José Coutinho da Silva, que coordenou o sector da Pastoral dos Migrantes na Conferência Episcopal Francesa durante quase duas décadas, experimentou a diversidade cultural, nacional e religiosa em França. Essa diversidade constitui um desafio de coerência para a Igreja, como testemunhou aos participantes deste encontro. E se nem sempre assim aconteceu, hoje os sectores da pastoral olham outros povos e outras culturas como protagonistas da mesma comunidade eclesial. Blue Card Utilizar os países de origem das migrações para recrutar a mão-de-obra qualificada e os melhores quadros não é compatível com o discurso europeu. Ana Gomes (PS), Ilda Figueiredo (PCP) e Ribeiro e Castro (CDS) criticaram essa proposta, em estudo nas estruturas da União Europeia, durante os trabalhos do VIII Encontro de Apoio Sócio Pastoral das Migrações. Dotar alguns cidadãos dos países de origem das migrações desse cartão azul, que lhes daria especiais condições de permanência nos países da União Europeia “não é compatível com um discurso de abertura e tolerância” que marca a Europa. Para Ana Gomes, o “blue card” “coloca imensas contradições”. A eurodeputada do PS sublinhou que é desses, dos mais qualificados, que os países mais pobres precisam. Frontalmente contra esta proposta, que visaria recrutar 20 milhões de trabalhadores qualificados até 2030, Ilda Figueiredo denunciou o que levaria os países pobres a continuarem “condenados ao atraso”. “Uma política de solidariedade não é esta”, referiu a eurodeputada do PCP, desafiando as estruturas europeias a fazer o contrário: “que a Europa dê o que de melhor tem para ajudar a África a desenvolver-se, sem o espírito neocolonial para lá ir buscar as suas riquezas”. Ribeiro e Castro considerou essa proposta uma “tentativa de desnatação da imigração”. O eurodeputado do CDS referiu que “a Europa não pode ter uma política de sugar esses recursos humanos qualificados”. Tratar-se-ia de uma “imigração imoral” que “não pode ser aceite. Para Ribeiro e Castro, é tão negativo colocar um selo que desqualifique a pessoa humana como para considerá-la superior em relação aos seus concidadãos.