Uma saudável inquietude

1. Não comecei 2008 a contar passas nem a formular desejos. E só não inaugurei o ano distraidamente, apenas porque alguém a meu lado ecoou a contagem decrescente da TV e forçou um brinde aos presentes e ao Ano Novo. Foi então que, em meia dúzia de segundos, formulei um íntimo voto: quero viver uma saudável inquietude!.. A muitos pode parecer um estranho desígnio. Mas aqueles em cujas têmporas poisam as brancas do tempo e a geada de algumas dezenas de invernos compreendê-lo-ão. E saberão percebê-lo como vontade de resistir ao desânimo, ao desencanto, à fadiga de muitos projectos, ou à (quase) consequente tentação de entrar urgentemente na pré-reforma!… A inquietude que desejo é, de facto, a «inquietude criativa», onde «bate e pulsa aquilo que é mais profundamente humano: a busca da verdade, a insaciável necessidade do bem, a fome da liberdade, a nostalgia do belo e a voz da consciência». O desencanto, pelo contrário, é como a humidade nas casas: revela-se uns dias depois da chuva, raramente aparece no local exacto da infiltração e, aos precipitados, leva-os a intervenções mais profundas que o necessário… Formular o voto de resistir ao desencanto é uma questão de bom senso, que a um crente deve parecer ainda mais natural, por estar familiarizado com promessas seguras: só ele, o crente, «tem a grande esperança que sustenta a vida». Volto ao princípio: viver intimamente a inquietude e dela contagiar quem me rodeia, eis o que quero de mim para 2008 – de modo que o ano frutifique nas obras que me (pré)ocupam. Não como sonhos pessoais, mas como necessidades da instituição (RR) que neste momento sirvo. Se o conseguir, 2008 será, para o Grupo Rádio Renascença, um ano muito relevante, mercê dos projectos em curso. Enumero, a título de exemplo: a reorganização que reforçará a sua identidade e a diversificação; a consolidação da opção pelo digital (WebTV e Página Um); o desenvolvimento do processo de novas instalações em Lisboa e no Norte (Gaia). Sem descurar, naturalmente, a liderança das audiências, como reflexo da qualidade das nossas rádios… As novidades tecnológicas e as alterações nos gostos dos públicos não são problema, mas oportunidade. Por isso, a inquietude não é nervosa inquietação… Mais: um Grupo Renascença sólido e afirmativo é uma necessidade. De facto, uma sociedade sem vozes que apontem para além das esquinas do imediatismo é uma comunidade sem profetas, sem anúncio e denúncia, sem capacidade de conversão e inovação. E quem melhor pode fazer-se ouvir, senão os que falam sem fome de poder? Atrevo-me a incluir, nos votos desta saudável inquietação, todos os meios de comunicação social mais ou menos claramente afectos à Igreja Católica. Entendo que, sem perda da legítima autonomia e da especificidade de cada um, podem e devem viver uma cooperação efectiva e afectiva. Completando-se sem repetições estéreis, quais olhos, mãos ou coração do mesmo corpo… Para tanto, urge uma pastoral da comunicação, que coloque a comunicação em todos os sectores da pastoral. 2. Se do plano próximo passar para um contexto mais amplo, os meus votos não se alteram. Realmente, gostaria de sentir o meu país lavado do desinteresse instalado, do pessimismo militante e do conformismo doentio. Sei que, uma vez por outra, a inércia é desmentida durante três protestos à hora do Telejornal. Mas é rapidamente restabelecida pela surdez — hoje apelidada de firmeza—que, no entanto, retira, ordeira, perante ameaças ou interesses externos e corajosamente se ergue contra os mais frágeis. A este poder alguém chama «atrevido». Mas seria este o adjectivo no tempo das palavras claras?… Olhando a sociedade portuguesa, desejo que 2008 reforce a nossa capacidade de participação na construção do futuro comum. Sem delegações fáceis nem usurpações discutíveis; sem leviandades que desrespeitam a alma, nem paralisias de interesses corporativos; sem fugas para a frente e claras irresponsabilidades face às gerações futuras. 3. Eis, resumidamente, os meus votos: que 2008 seja o ano da saudável inquietude!.. P. João Aguiar Campos, Pres. Conselho Gerência da RR

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