O optimismo possível

Os últimos dias foram penosos. Fosse este texto escrito no prazo em que me convidaram a fazê-lo e, muito provavelmente, a minha postura seria outra. Quando se trabalha com a informação – leia-se ‘as notícias’ – do mundo lá longe, os dramas longínquos tornam-se mais próximos. No Paquistão, os preparativos para as eleições culminaram numa tragédia que ultrapassa a política interna daquele país e nos faz pensar até que ponto vale a pena ir para fazer nascer uma flor à nossa volta. Sobretudo porque corremos o risco de ela vir a nascer nas nossas costas. No Quénia, os resultados eleitorais não agradaram a muitos eleitores que, com ou sem razão nos motivos, levaram a violência para as ruas. Num e noutro caso, os mortos multiplicam-se. Ali como em muitos outros lugares. Estas duas situações fazem-nos pensar na liberdade que temos e naquela que as pessoas querem ou não ter. Mais, faz-nos pensar naquilo que as pessoas estão dispostas a fazer para alcançar liberdade. Quando um ano assim termina, é difícil olhar para o próximo com optimismo. Mesmo quando apertamos o círculo e nos abstraímos daquilo que se passa lá ao fundo. Em 2007 o aborto foi legalizado em Portugal. Por mais que os imediatistas assim queiram crer, poucos conseguiram vitórias ou derrotas até agora. As únicas e verdadeiras consequências, os únicos e verdadeiros afectados, foram os fetos que, neste momento, já sorririam ou poderiam estar prestes a nascer. O nosso país nasce mais pobre, por todos os que não nasceram, e por todos os que não virão a nascer. No país e no mundo, 2008 convida-nos a pensar no valor das coisas. Até que ponto estamos dispostos a ir na defesa do que queremos, na defesa de uma liberdade que não encontramos, ou na defesa de uma liberdade que, ao fim de séculos de Língua, não rima com responsabilidade. Para mim, será um ano difícil. À primeira vista, as razões parecem distantes. Mas não, tudo se conjuga. Os próximos meses – os doze, na prática – vão ditar muito do que será o meu futuro no médio prazo. Depois da licenciatura e de estágios, avizinha-se um mercado de trabalho contorcionista: esguio por natureza; a desmistificar-se apenas a alguns, ‘os mais aptos’. É verdade que as experiências têm sido satisfatórias, mas o mundo pouco se contempla com sonhadores. Os etéreos ‘freelancers’ são hoje convidados a trabalhar a recibos verdes, e a liberdade que dominava os primeiros é a precariedade que assombra os segundos. Os mesmos, note-se. Das universidades acenam com mestrados a baixo custo (publicidade falsificada, verifica-se depois). Do Governo falam em Novas oportunidades. Todavia, nem o mercado quer receber mestres inexperientes, nem as oportunidades – as outras – se propiciam. Num caso e noutro, em cada um à sua maneira, o canudo não corresponde àquilo que se vale, e as quimeras prometidas ficam por detrás de uma névoa difusa. Névoa que, entendida de uma forma literal (mas mais lata) também marca a ordem do dia, como marcou o ano que termina. Em 2007, o exemplo – leia-se Nobel – de Paz dedica-se ao ambiente. Goste-se ou não do tom salvífico que assombra as suas palestras, em jeito de Arcas de Noé, Al Gore foi ao ponto, na Conferência de Bali. É que, diariamente, a comunicação social dá lições domésticas sobre comportamento ambiental. Um engano, diria eu, por duas ordens de ideias: por um lado, não são as habitações mas a indústria quem mais polui; depois, porque é em casa que mais se usam as energias renováveis ou não poluentes. Das lições, não sei se bem intencionadas, fica o engodo, para que não reparemos na verdadeira batalha de Al Gore. O americano dirige-se às grandes potências poluidoras, quem está de facto a destruir o planeta. (Tivesse ele a presidência dos Estados Unidos e veríamos até que ponto vão as suas palavras.) Avizinha-se um ano perigoso. O que me falta em certezas sobra-me em inquietações. Mas parto confiante. Os perigos oferecem oportunidades, e este ano é também um ano de oportunidades. Eu e o mundo temos a oportunidade de virar uma página no rumo das coisas, e somos convidados a encetar a redacção da próxima pelo cimo. O que é bom, porque nos mostra que ainda podemos fazer muito. Independentemente da caligrafia – da minha e da do mundo – virar a pagino é imprescindível, porque indica vontade, e a vontade é essencial. Saibamos – eu e o mundo – aprender com os erros do passado e olhar para os valores da vida e da liberdade como aquilo que são: fundamentais Igor de Sousa Costa, Guarda

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