O culto da solidariedade em 2008

1. “Unidos na Diversidade” é o lema proposto pela Comissão Europeia para 2008, Ano Europeu do Diálogo Intercultural. O diálogo entre culturas surge como instrumento indispensável na perspectiva de uma aproximação dos povos e dos cidadãos, entre si e entre as culturas subjacentes. Com a sua promoção, a Comissão visa contribuir para a compreensão mútua e para uma melhor vivência em conjunto. Nesse sentido, explorará as vantagens da diversidade cultural, da diversidade migratória, da participação cívica activa de todos os cidadãos e procurará promover o sentido de pertença. A promoção do diálogo intercultural aparecerá, então, como instrumento para auxiliar os cidadãos a adquirir conhecimentos e aptidões, que lhes permitam compreender um ambiente mais aberto e mais complexo, e inserir-se na comunidade e nela serem seus verdadeiros construtores activos e comprometidos. Aparecerá, também, como instrumento de apreciação e valorização das várias realidades para que o seu conhecimento favoreça ainda mais a sua promoção e o aparecimento de novas iniciativas. Com esta iniciativa, eventualmente serão apoiadas expressões de diálogo entre os vários povos europeus e aplaudidas acções que visem o exercício activo da cidadania na certeza de que, na causa comum, ninguém se deverá alhear da sorte comum e na certeza de que a causa comum nunca será causa comum enquanto grupos ou estados, por mais iluminados ou desenvolvidos que se apresentem, se arroguem exclusividades, abafando ou ignorando competências e iniciativas, de cidadãos ou de organizações. A realidade para povos britânicos, eslavos, germânicos, latinos ou nórdicos será tanto mais auspiciosa quanto mais todos nela se empenharem, simultaneamente como beneficiários e construtores, com as suas necessidades e as suas próprias capacidades. 2. Perspectivar o ano 2008 no que à actividade solidária diz respeito implica olhar a realidade e analisar como ela se desenvolve. E, entre nós, a realidade também é uma expressiva e dinâmica cultura da solidariedade: no exercício da cidadania ou movidos por espírito de caridade ou de solidariedade, irmanados na sorte dos irmãos ou concidadãos, homens e mulheres têm vindo a dar-se as mãos para marcar a construção de um presente e de um devir mais pleno e mais feliz. Assim, apareceram muitas dinâmicas. Provavelmente, algumas começaram por ser assistencialistas, mas depois desenvolveram-se em organizações de acolhimento e de apoio educativo de crianças e jovens, de actividades e ocupação promocional de tempos livres, de acompanhamento e favorecimento do convívio, de apoio e integração progressiva de imigrantes oriundos das mais diversas proveniências, da residência e da valorização de idosos, de acolhimento, promoção, formação e encaminhamento para a vida activa de pessoas com deficiência. Muitas dessas dinâmicas prosseguem com a abertura a novas problemáticas que emergem das novas formas de pobreza e exclusão e com a aventura na criação de empresas de inserção e combate ao desemprego, na concepção da cultura, do meio ambiente e da arte como espaço de expansão para os homens com necessidades de expressão e com sonhos de infinito. Essas dinâmicas desenvolvem-se em organizações que, paulatinamente, se vão impondo, diversificando-se e pululando ao longo de todo o território nacional. Resultam de sinergias e da entrega voluntária a sensibilidades, a capacidades de intuir necessidades e de projectar respostas, a sonhos, a propósitos e a ideias. E como tal se impuseram nas comunidades locais, identificando-se, pela proximidade e pelos afectos, com as particulares fragilidades delas e dando-lhes satisfação nas formas mais eficazes e mais diversificadas. Algumas dessas dinâmicas são “hoje” obras de “sujeitos da solidariedade” que “ontem” a receberam das instituições, como tradução do reconhecimento e da estima que lhes são devidos. São alguns milhares neste país, com suporte em dezenas de milhares de voluntários. Muitas delas são de iniciativa da Igreja Católica. E, enquanto tal, são a expressão de uma certa forma de “ver” Deus, de crer que Deus procura o homem, dele se faz aliado e, amando-o com coração, o vai “salvando” com gestos e iniciativas de caridade, como, na globalidade, o são as instituições cristãs. Essa é uma matriz que as individualiza e que importa ser cantada e preservada. E a constatação é expressiva: se três quartos das respostas sociais em Portugal são solidárias, não lucrativas, a maior parte delas têm a sua génese no âmbito da Igreja Católica, ou a partir dela se inspiraram. E desenvolvem-se em favor de toda a comunidade nacional, independentemente de opções e ideologias. Poder-se-á dizer que, entre nós, a cultura da solidariedade se instalou, tem características que a individualizam no contexto europeu, tem raízes e expressões eminentemente cristãs e passa incólume ao lado de debates ideológicos. E esta “cultura da solidariedade” é algo que, sendo de um povo, pode ser partilhada com outros povos. 3. Num aparente crepúsculo de debates ideológicos, vão surgindo e vão sendo desenvolvidas iniciativas entre nós que se enquadram numa opção veladamente estatizante: na comunicação, na educação, na saúde, na solidariedade… É o que se pode concluir de medidas tomadas em áreas como as que se relacionam, por exemplo, com a propriedade de meios de comunicação social, com a assistência espiritual aos doentes internados em estabelecimentos de saúde do Estado e com a propriedade de farmácias, com o prolongamento do horário escolar e a “exclusividade” do Estado na educação de crianças e jovens, com a transferência de competências do Estado, central para local… Tudo vai sendo implementado a pretexto de inadiáveis e justas reformas mas sempre com a ideia de que se o Estado tem o poder é porque também tem o direito, o dever e o saber… Tendencialmente com exclusividade, apenas restando para outros agentes algumas sobras pontuais. Assim, colateralmente, tanto são desincentivados o voluntariado e a solidariedade como a própria caridade. Em causa está a cultura da solidariedade com evidentes danos na sorte dos portugueses. Em causa está também o sinal para o Mundo da especificidade da acção social que entre nós pontifica. Este ano europeu do Diálogo Intercultural poderá ser uma boa oportunidade desenvolvida em três áreas: – Que as pessoas e as instituições solidárias se conheçam melhor entre si e se afirmem segundo a sua génese, a sua dimensão e a sua força para melhor se defenderem e melhor servirem a sorte dos portugueses num projecto humanizante; – Que as pessoas e as instituições solidárias tenham a sorte de serem mais conhecidas, reconhecidas e apoiadas para melhor crescerem num melhor serviço; – Que a cultura da solidariedade em Portugal, com a sua verdadeira matriz, seja definitivamente quantificada, valorizada e partilhada com outros povos para sorte de outras culturas. Para que, em 2008 e nos anos seguintes, a sorte dos portugueses seja acautelada com uma actividade solidária que é certeza de compromisso na sorte de um mundo mais humano e de um devir mais feliz… Pe. Lino Maia, Presidente da CNIS

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