Padre Manuel Ribeiro, Diocese de Bragança-Miranda
O acaso do “por acaso” não é acaso. Aliás, nada acontece por acaso. Basta ver as inúmeras pessoas que se cruzam na nossa vida. Cada uma dela traz consigo algo de novo, uma frescura que vai moldando o nosso coração e forma a ver o mundo e os outros. Se é verdade que as pessoas não entram por acaso na nossa vida, também é verdade que elas não permanecem por acaso nas nossas. E toda permanência implica, analogamente, uma relação, pois toda relação aporta abertura, novidade, superação e partilha. Portanto, abrirmo-nos ao outro é abrirmo-nos à beleza da novidade. Nestes tempos de uma certa anestesia relacional ou de um certo materialismo fugaz nas relações, compreender e viver a vida como um acto de dar-se e doar-se é algo de extraordinário e de profunda motivação que terá de motivar o outro a esta forma fundante e fundamental de estar e de ser.
A alegria em dar-se é incomparavelmente melhor quando o é feito sob o pêndulo do amor divino. Na verdade, o amor divino ilumina, sustenta e estimula o viver da vida como acto de doce oblatividade. Com plena assertividade, o Cardeal D. José Tolentino de Mendonça afirma que “se amarmos, ouviremos. Se amarmos, compreenderemos. Se amarmos, seremos capazes de perdoar”. Sim, o amor permite-nos ouvir, compreender e perdoar. Teremos nós a ousadia desta radical pretensão?
Não é por acaso que os mais inusitados encontros tenham uma dimensão edificante e marcante nas nossas vidas. A sua intensidade – quase revolucionária – deste encontro aclara o dom maior de se gastar em nome de alguém. Um dom imerecido – diga-se – e que acolhemos como um tesouro que nos impele a ser mais e melhores. Não ser o possível, mas seremos “o melhor possível nas condições que nos é dado viver enquanto não tivermos condições melhores para sermos melhores ainda” (Mário Cortella, filósofo). Isto perturba. E é porque perturba que nos leva a reconhecer que todo o encontro é puro dom. O inesperado deste acaso é luz que ilumina a nossa vida, que varre, desde dentro, todo o lixo e marasmo que em nós coabita e, varrido, limpa e esvazia o nosso coração para sermos autenticamente livres para nos doar e dar de forma plena e significativa ao outro. Precisamos de dar significado à vida dos outros e, dando significado, damos sentido ao sentido da nossa vida.
Ousemos, com efeito, ser promotores de acasos e facilitadores de encontros. Nunca permitindo, no entanto, que nos roubem a nossa autenticidade ou, pior, deixar que nos roubem ou anulem aquilo que cada um de nós é e que está destinado a ser. Não nos esqueçamos do seguinte: qualquer pessoa que quer ser outra pessoa que não é, então é porque não sabe que pessoa é. Isto é um enorme risco e um grande perigo! Outro perigo é querer vencer na vida como se este fosse o único objectivo ou o único sentido da nossa existência. Mais, se pensarmos somente que a único modo de seremos pessoas é conseguir, conquistar ou adquirir determinado patamar ou determinado status, então esta forma de viver é um autêntico inferno! Esta forma bélica e monocromática de ver a vida dissipa do nosso coração a matriz do amor radical, livre e oblativo. Com efeito, temos que mudar radicalmente a nossa forma de pensar. Aliás, nós somos pessoas não pelo que temos ou conquistamos, mas porque simplesmente somos. Portanto, não queiramos vencer na vida, mas viver a vida! Sim, poder ser sempre vida na vida das pessoas é o maioree o mais pleno dos desafios, a bela forma de ser e de estar.
Gostava de terminar com um belíssimo excerto da oração “À Luz da Tua Figura” do Frei Ignácio Larrañaga, OFMCap, no seu livro “Encontro”: “Possa eu ser como Tu, / sensível, misericordioso, / paciente, manso, humilde, sincero e verdadeiro. / Os Teus prediletos, os pobres, / sejam os meus prediletos; / Os Teus objetivos os meus objetivos. / Os que me virem Te vejam, / e chegue eu a ser uma transparência / do Teu Ser e do Teu Amor”.