Sons da Catedral

“Catedral de Sons” é uma proposta inovadora da Sociedade Artística e Musical dos Pousos (SAMP) e da paróquia de Leiria, que leva à igreja Catedral um misto indefinido de arte e espiritualidade, de espectáculo e de oração. O grande órgão da Sé é o rei destes sons, acompanhado por outros instrumentos convidados, por palavras que se soltam pela acústica das naves, por gestos de bailado que lhes tentam dilatar o significado. O resultado é algo de novo, surpreendente e que assume mesmo o risco de chocar os menos preparados para o diferente. Sem definição fácil, será uma “procura”, como refere o músico Paulo Lameiro, mentor do projecto, em entrevista ao semanário “O Mensageiro”. Como nasceu esta ideia? O “Catedral de Sons” nasce a propósito do 10.º aniversário do GRANDE ÓRGÃO da nossa Sé, que se comemorou no passado dia 4 de Outubro, mas cujo programa de aniversário se prolonga até 4 de Outubro de 2008. Para além de concertos e visitas estudo para crianças, quisemos procurar uma outra forma de sentir e comunicar com este precioso instrumento. Porquê “Catedral de Sons”? Sons, porque não é a música enquanto linguagem que alicerça a sua ideia de base, mas o som na sua forma mais pura possível. Procuramos oferecer a matéria-prima da música, como porta de entrada para a fruição. Se quisermos, numa comparação com a pintura, em vez de termos uma exposição de quadros, temos uma exposição de cores, ou de paletas de cores. Catedral, porque o espaço físico é parte integrante do som, pelas suas características arquitectónicas, pelas particularidades dos materiais de construção, pela temperatura, a luz, etc. Todos sabemos que o som numa grande igreja tem características únicas, nomeadamente pela reverberação, que no fundo é a possibilidade de um som se prolongar mais ou menos tempo depois de ter terminada a sua emissão. Podemos então dizer que é um concerto de sons? Este programa é uma experiência de procura. E procuramos um caminho que se cruza entre o concerto e a celebração, não sendo efectivamente nem uma coisa nem outra. Ou, pelo menos, assim o pensamos, porque depois o público acaba por sentir aquele momento de uma maneira pessoal e única, que escapa a quem o concebeu. Na prática, o que é apresentado às pessoas que vão a um destes programas? Ouvem algum repertório de órgão, maioritariamente do século XX, portanto muito afastado das obras de Bach que é mais conhecido. Ouvem um ou mais instrumentos a dialogar com o órgão. A palavra tem um lugar de destaque nestes momentos, pela poesia ou pela prosa, e com ela dialogam o órgão e o instrumento convidado de cada sessão. Temos ainda uma ou mais bailarinas, que nos ajudam a visualizar com movimentos os sons e palavras que ouvimos. Viagem pelo espaço?! Uma das formas de explorar os sons na Catedral é viajar pelo seu espaço. Na capela-mor, o órgão tem um som muito diferente do que no transepto direito. Nos bancos do coro, o órgão está numa sombra acústica que ao fundo do templo não existe. Se ouvirmos um canto processional, não ouvimos somente as notas e as palavras, ouvimos o som a viajar no espaço. Este programa explora também essas viagens, por isso os presentes, público e intérpretes, movimentam-se por diferentes espaços, que podem chegar ao claustro ou ao adro. Sendo tão “experimentalista”, há algum espaço para a participação do público? Na verdade, o “Catedral de Sons” é um programa aberto, que faz apelo à participação. Melhor do que ouvir música é fazer música, melhor do que assistir a celebrações é celebrar. Por isso, os intérpretes vão deixando um ou outro espaço para a participação dos presentes, seja pela repetição falada ou cantada de uma palavra, seja pelo movimento corporal, ou pela viagem pelo espaço. Isso soa a uma espécie de teatro ou a uma evocação dos antigos dramas litúrgicos… Efectivamente, tem algumas características dos dramas litúrgicos, nomeadamente a diversidade de elementos – som, palavra, movimento – mas não há uma história. Quem for à procura de personagens e histórias não as vai encontrar. Na “catedral de sons”, espera-se que cada um dos presentes, incluindo os intérpretes, construa o seu caminho pessoal, momento a momento. Devo dizer que alguns momentos-chave são improvisação em tempo real e, por isso, muito afectados pela reacção do público. Trata-se de um momento não adequado a crianças, pois requer-se alguma capacidade crítica e de concentração. Quem são os intérpretes deste programa? Neste momento, o João Santos no órgão, eu na palavra dita e cantada e a Inesa Markava na dança somos os elementos residentes em todos os programas. Depois, vamos convidando outros instrumentistas e professores da Escola de Artes SAMP. Já foi realizada a primeira sessão. Como correu? Bastante bem. Começámos com 5 pessoas à hora marcada [este programa, com uma duração variável entre os 40 e 50 minutos, começa impreterivelmente às 09h00] e acabámos com cerca de 40. Primeiro, as pessoas pareciam precisar de bater palmas, depois perturbaram-se com os movimentos dentro da catedral. Quem foi à procura de um concerto saiu, de certo, decepcionado. Quem procurava um momento de oração terá saído escandalizado. Não podemos esperar um grande contentamento ou festa depois de um “Catedral de Sons”, estamos ali para procurar. Nesse sentido, foi muito interessante verificar o ar de espanto das pessoas, quando se viram no adro e se aperceberam de que já havia acabado o momento. Quando serão as próximas sessões? Todas as quartas quintas-feiras do mês, às 21h00, pontualmente, na Sé. O próximo será, pois, no dia 27 do presente mês.

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