Homilia de D. José Policarpo no 1.º Domingo do Advento. Ordenações de Diáconos 1. Primeiro Domingo do Advento, início de outro Ano Litúrgico, ciclo de tempo em que a Igreja é chamada a seguir Jesus Cristo, a configurar-se com Ele nessa comunhão misteriosa de vida, que constitui a novidade cristã, a escutar mais atentamente a Sua Palavra, a assumir a responsabilidade da sua missão sem esquecer que esperamos a Sua manifestação gloriosa, na nossa vida e na vida do mundo. A palavra de ordem é-nos dada pelo Apóstolo Paulo, na Carta aos Romanos: na vivência das realidades deste mundo, “revesti-vos do Senhor Jesus Cristo” (Rom. 13,14). Só nesta identificação com Cristo a Igreja marca a diferença e se torna, para o mundo, sinal de esperança e de anúncio de vida nova. É essa esperança que o Profeta Isaías anuncia ao Povo da Aliança do Antigo Testamento: só percorrendo as vias do Senhor esse Povo será fermento de justiça e de paz. Aquele monte do templo do Senhor, erguido sobre as montanhas e sobre as colinas, é hoje Jesus Cristo, Senhor da História, pedra angular da Sua Igreja, em quem o Reino de Deus está presente no meio de nós; é a Sua Igreja, que é o Seu Corpo, implantada em todos os povos da terra e para todos sinal e sacramento de salvação. O Profeta anuncia a esse Israel, renovado pela fidelidade à Aliança, que para esse monte santo, “afluirão todas as nações e muitos povos acorrerão a ele”. Este anúncio interpela a Igreja que nós somos, no mundo em que vivemos e no tempo concreto que hoje encetamos: a Igreja atrai para si, na maneira como é vista pela sociedade, pelo menos os que procuram a vida? Tal como no Antigo Testamento, só a fidelidade a Jesus Cristo, que celebrou a nova e definitiva Aliança, tornará a Igreja atraente, o sinal levantado entre as nações. 2. Nas últimas semanas, a sociedade, através dos diversos órgãos de comunicação social, a propósito do discurso do Santo Padre aos Bispos portugueses em visita “ad Limina”, interpelou a Igreja. O próprio facto de a sociedade nos interpelar é, para nós, significativo, embora não possamos aceitar todas as análises feitas e todas as propostas concretas dos caminhos de renovação das Igrejas de Portugal. A Igreja não pode ter como objectivo, na sua fidelidade a Cristo, prosseguir aquilo que o mundo gostaria que ela fosse, mas o que Jesus Cristo deseja e espera dela e que há-de descobrir na escuta da sua Palavra, na beleza da comunhão entre todos os fiéis, iguais em dignidade e chamados à santidade e à missão, no fundo, na identificação cada vez mais profunda com Jesus Cristo. Mas mesmo quando não nos podemos guiar pelo que o mundo nos diz, escutamos a sua interpelação e recebemo-la como a manifestação do desejo de que sejamos, cada vez mais, a Igreja que Jesus Cristo quer e ama. Um aspecto positivo dessa avalanche de tomadas de posição foi o reconhecimento, pelo menos implícito, do papel do Papa, Sucessor de Pedro, na verdade das Igrejas, aquele que, por missão própria, tem o direito de as interpelar e conduzir. A nossa união ao Santo Padre é a primeira e fundamental expressão da comunhão eclesial, vivência da caridade fraterna, aliás, ambiente em que decorreu o nosso encontro com Bento XVI e que enquadra as palavras que nos dirigiu. Elas pretenderam confirmar análises e desejos expressos nos diversos relatórios que cada Diocese lhe apresentou. A palavra do Papa estendeu a todos os fiéis os caminhos intuídos, em parte já percorridos, por cada Bispo em comunhão com o Sucessor de Pedro. O Papa não nos ralhou, pelo menos não demos por isso, antes nos incentivou a percorrer os caminhos de renovação e fidelidade que, em comunhão com ele, desejamos, contando com o empenho de todo o Povo de Deus. 3. Duas interpelações, que se devem transformar em linhas de acção pastoral, ressaltam no discurso do Santo Padre e que vem a propósito sublinhar nesta celebração de ordenação de diáconos, que se destinam ao sacerdócio, no início deste tempo novo, em que somos chamados a reavivar a esperança: construir a Igreja como comunhão, e escutar, sempre de novo, a Palavra do Senhor. Uma Igreja que quer se expressão de comunhão, participação da comunhão trinitária, põe no centro da sua acção pastoral a caridade como dinamismo impulsionador da vivência cristã e da acção missionária e evangelizadora da Igreja. Tudo o que a Igreja é e faz, para seu bem e para bem da humanidade, tem de ser expressão da caridade. Foi para isso que Cristo convidou os discípulos a seguirem-n’O: o primeiro de todos os mandamentos é amar, a Deus mais que tudo, e ao próximo. O mandamento do amor é a lei da Igreja, a nova “thora”; aprender a caridade é a exigência da santidade; o testemunho da caridade é o anúncio do Reino de Deus. A caridade aprende-se no amor de Deus. Uma Igreja comunhão é um dom de Deus, constrói-se na intimidade com Ele, encontra na oração e nos sacramentos o seu caminho, coloca no centro a espiritualidade. Por outro lado, a Igreja comunhão valoriza a dignidade real e a igualdade fundamental de todos os baptizados, verdadeiro Corpo do Senhor, todos chamados ao amor, na intimidade com Deus e na realização da sua missão. Uma Igreja comunhão não pode ser Igreja feita e vivida só por alguns. Nela, os carismas são graças pessoais para o crescimento de todo o corpo da Igreja e os ministérios são serviços feitos por amor, em nome de Cristo. O ministério dos diáconos afirma-se, precisamente como um serviço. E no caso do ministério dos presbíteros, a sua centralidade deriva do facto de ser expressão sacramental de Cristo, Servo e Sacerdote, e deve exprimir-se no serviço e não no poder. Os leigos não são apenas colaboradores dos sacerdotes, mas de Jesus Cristo e esperam dos sacerdotes que os fortaleçam com a sua graça própria, os orientem, através da Palavra de Deus, na fidelidade e na missão, e que façam com eles, em conjunto, o discernimento dos caminhos da missão. Precisamos de leigos que se considerem co-responsáveis pela Igreja, que tomem iniciativas na evangelização e no serviço da caridade, sobretudo fortalecendo-se uns aos outros para aquela presença nas realidades temporais, que é o campo específico da sua missão laical. Precisamos de sacerdotes que sejam para esses leigos a força que dinamiza, a luz que esclarece, o amor que a todos une na fidelidade a Jesus Cristo. 4. Factor importante da construção da comunhão eclesial é a escuta crente e amorosa da Palavra de Deus, na Liturgia, na “lectio divina”, na meditação pessoal da Sagrada Escritura. A importância e o ritmo da escuta da Palavra na edificação da Igreja será tema da próxima sessão do Sínodo dos Bispos. Na nossa Diocese realizou-se uma vasta sondagem sobre a importância da Palavra de Deus na vida da Igreja diocesana e já está pronto um Relatório que nos interpelará, durante este ano, para a melhoria da proclamação e da recepção da palavra de Deus. Esse é um aspecto relevante do ministério dos diáconos e dos presbíteros. 5. O Advento é tempo de esperança. Saibamos exprimi-la na nossa fidelidade, na autenticidade generosa da nossa vida cristã e da realização da missão da Igreja. Maria, a cheia de graça, guiar-nos-á nos caminhos do amor e proteger-nos-á na nossa ousadia de construir a esperança. Mosteiro dos Jerónimos, 2 de Dezembro de 2007 † JOSÉ, Cardeal-Patriarca