António Henrique, Diocese de Viseu
Uma leitura diacrónica dos textos bíblicos será sempre de grande ajuda para melhor conhecermos e deixarmos habitar em nós a Palavra de Deus, a exemplo de Maria, qual tenda onde Deus faz a Sua morada para estar no meio de nós.
Se tivermos presente o tempo pascal e os textos da Palavra de Deus deste domingo da Ascensão, celebrado em pleno mês de maio, o Mês de Maria e da M(m)ãe, compreenderemos melhor o que significa a pressa com que Nossa Senhora, depois da Anunciação, se faz ao caminho.
A menos de 100 dias da JMJ, a pressa em ultimar o evento, esse encontro Mundial de Jovens entre si e com o Papa Francisco, e de todos no mesmo Espírito, faz-se sentir cada vez mais intensa e alegre, podendo, contudo, chegar a gerar alguma ansiedade e um certo nervoso (miudinho!). Mas, que tudo o que tem que ser feito, ainda, não seja feito «à pressa»!
O tema “Maria levantou-se e partiu apressadamente (Lc 1, 39)”, larga e longamente difundido, rezado, estudado, cantado, etc… ao longo do(s) último(s) ano(s), deveria inspirar-nos a dizer mais convictamente, hoje: «somos todos (como) Maria». Porém, para se chegar a esse ponto requer-se a vivência de um processo de vida espiritual, interior, que conduza a um crescimento e uma mudança de vida, em que se procura, a cada dia, uma maior configuração com Aquela que é a mais bela e perfeita discípula missionária do Evangelho, para que, com(o) Ela, cheguemos ao Seu Filho e nosso Salvador, Jesus Cristo.
Trazer, por isso, à memória, da razão e do coração, a Anunciação de que Maria é destinatária (Lc 1, 26-38) mas, sobretudo, a Sua ação subsequente (visita a Isabel, Lc 1, 39-56), ajuda-nos a dar um significado mais profundo e, ao mesmo tempo, exemplar do que nos é ilustrado pela Palavra de Jesus – “ide” – que nos é dirigida no Evangelho de hoje (Mt 28, 16-20).
É que Maria, desde a primeira hora, mesmo sem perceber o alcance do mistério que se estava a realizar – a Palavra tinha-se feito carne dentro de Si – e à diferença do Evangelho de hoje, Ela própria, sem que ninguém lhe tivesse dito nada, levanta-se e vai, apressadamente… como que cumprindo de imediato o mandato missionário. E é assim que este “Lógos toû Theoû” (Palavra de Deus), ainda no ventre materno, inicia a Sua viagem, vivendo no meio dos Homens, desde Nazaré a Belém e de Jerusalém até aos confins do mundo e até ao fim dos tempos.
O Evangelho não é, de maneira nenhuma, uma realidade estática nem é livro ou letra morta. O Evangelho é força e beleza da Vida Nova que desinstala e, como em Maria, está dentro de ti, de nós e conta contigo, connosco para ser levada, comunicada com amor, alegria e entusiasmo. Eis a urgência da «corrida da Palavra» (cf. 2Tes 3, 1) que convoca à JMJ e que desta deve (fazer) partir apressadamente para ser levada… A evangelização inicia-se no caminho, com a viagem desta Mulher e Mãe do Filho de Deus; com o caminho e a viagem que cada um dos jovens e cada um de nós é chamado a fazer.
A pressa com que Maria se faz ao caminho não é, em primeiro lugar, a pressa ritmada pelo tempo, nem motivada por ser mais uma coisa que tenha para fazer entre tantas outras. Também não é o mero cumprimento de um gesto nobre de voluntariado ao ‘ajudar’ a sua prima; mas é a pressa que, antes de ser da caridade e do serviço, é testemunho de fé, que é adesão ao Amor de Deus, que faz entrar no tempo a Luz da eternidade, Jesus Cristo.
É, sobretudo, uma pressa escatológica, que tem como finalidade o desejo de comunicar o Amor, a boa notícia que acabara de receber, mas também de escutar a sua prima Isabel, mulher em quem Deus também fazia acontecer as Suas maravilhas. A evangelização, também enquanto processo comunicativo, requer escuta e anúncio, testemunho e verdade, discernimento e ação no Espírito.
Aprender a ser (como) Maria significa, portanto, estar desperto e atento aos sinais de cada dia e agir levando o Evangelho, nas mãos, nos pés, na boca, no coração… É não ficar à espera mas levantar-se/ressuscitar (o verbo grego anìstēmi, que se pode traduzir por levantar, é um dos verbos para dizer a ressurreição de Cristo. Este verbo, muitas vezes não é traduzido nas versões que temos nas mãos, ficando englobado no verbo seguinte [… Maria pôs-se a caminho e dirigiu-se…] e perdendo toda a força e beleza da ação levada a cabo por Maria. Quando seguido de um verbo de movimento, como é o caso em Lc 1, 39, anìstēmi indica o início de uma ação nova que requer uma mudança de estado e de posição em direção ao alto, manifesta uma decisão).
Aprender a ser (como) Maria é, então, tomar a iniciativa decidida e deixar que seja o Espírito Santo a guiar, a dar as coordenadas… é (vi)ver a vida como uma Mãe olha para o seu filho… É ter pressa em ser portador da ternura e da bondade que vêm de Deus e estão inscritas no nosso coração… Ser (como) Maria é entrar no plano de Deus, mesmo sem o compreender (na totalidade); é discernir no Espírito Santo o que Deus quer de mim, de nós neste momento, diante desta circunstância… É ao Espírito que devemos dar espaço e tempo para que seja o Espírito a dar-nos orientação e direção.
A pressa com que Maria se levanta e se faz ao caminho é marcada pelo oferecimento da sua humanidade mais profunda que se compromete e (des)envolve na alegre e feliz aventura da Palavra… Por isso, a pressa de Maria, ao contrário do despachar e da ansiedade – ‘depressa (em sentido temporal) e bem não há quem!’ – é uma serenidade que transborda, alargando ao coração e a vida ao outro, que não é estática e não nos permite ficar parados. É um «ter que fazer» porque o tempo é breve!
Por vezes, andamos tão preocupados com tantas coisas para fazer, muitas dessas, inúteis, e sempre ‘à pressa’! Lembremo-nos, a pressa requer o cumprimento e o respeito pelas etapas. Não vale queimar etapas! Seria aldrabar! Por isso, as crianças, adolescentes e/ou jovens não queiram ser já adultos; não queiram terminar já os estudos nem queiramos ver já os frutos do nosso trabalho, etc… tenhamos a paciência de ler cada capítulo do livro (da vida) sem querer de imediato saltar para a conclusão. Porque a pressa, sem amor e respeito, é inimiga da paciência e da perseverança e revela-se uma tentação a (vi)ver, fazer e avaliar, por exemplo, tudo à ligeira e com superficialidade!
A andar apressadamente, como Maria, nos Evangelhos do Natal, ensinam-nos os pastores, pobres e simples, mas alegres e felizes (cf. Lc 2, 16). Interiorizemos as palavras do Papa Francisco “Uma pressa boa impele-nos sempre para alto e para o outro. Mas há também uma pressa não boa, como, por exemplo, a pressa que nos leva a viver superficialmente, tomar tudo levianamente sem empenho nem atenção, sem nos envolvermos verdadeiramente no que fazemos; a pressa de quando vivemos, estudamos, trabalhamos, convivemos com os outros sem colocarmos nisso a cabeça e menos ainda o coração”. (Mensagem do Papa Francisco para a XXXVII JMJ Lisboa 2023) https://www.vatican.va/content/francesco/pt/messages/youth/documents/papa-francesco_20220815_messaggio-giovani_2022.html
Interroga-te: o que te move? O que move a tua vida? Acreditas que Deus tem um lugar/missão importante para ti? Confia em Deus. Levanta-te e parte com a certeza de que os planos de Deus são o melhor projeto possível para a tua vida. Escuta o que o Espírito Santo tem para te dizer, hoje em cada instante; afinal, não vais sozinho/a. O Senhor está contigo. O amor que faz sair do sofá e partir é êxodo e oportunidade que nos move a levar alegria e esperança e a revelar a todos a grande novidade trazida por Jesus.
Foi com uns poucos que o Evangelho começou a ser espalhado e chegou até ti, a té nós. Não deixes de fazer parte dessa força dinâmica. Todos somos imperfeitos, fracos, com medos… mas importa fazer-se ao caminho. Não importa ser perfeito, importa sim a coragem e a ousadia de iniciar, um passo de cada vez, o caminho com(o) Maria para Jesus.
Faz-te ao caminho! Maria era uma jovem como os jovens (de hoje!?). “Não tenhas medo!”. Esforça-te por imitar Aquela que acreditou e foi proclamada “bendita entre as mulheres”.
Se cada um de nós colocar Maria diante de si como modelo inspirador de fidelidade no seguimento de Jesus Cristo, então a Boa Notícia do Amor de Deus tocará muitas outras vidas porque também tu tiveste a coragem e a ousadia de confiar em Deus e de, sob o impulso do Espírito Santo, te levantares para partir na pressa de comunicar o Amor.
Em caminho para a JMJ, mas também durante e depois, gritemos juntos, a uma só voz e com a vida: «somos todos (como) Maria»! Queremos, como Ela, viver a pressa de comunicar o Amor.