Reorganização das paróquias ainda não é solução para Viana

Entrevista ao Bispo de Viana do Castelo, diocese criada há 30 anos Criada a 3 de Novembro de 1977 , a diocese de Viana do Castelo «tem uma prática religiosa bastante alta dentro do contexto nacional e europeu, mas é uma prática que tem muito de tradição, que tem muito de transmissão de pais para filhos». Ainda segundo D. José Pedreira, que é Bispo de Viana há dez anos, do Sínodo resultou «uma espécie de radiografia real sobre as capacidades de mobilização e evangelização» em todas as paróquias do Alto Minho. Muitas delas têm apenas cerca de uma centena de habitantes, mas para já está afastada a hipótese da reorganização das paróquias. Diário do Minho – É Bispo há dez anos de Viana do Castelo, diocese criada em 3 de Novembro de 1977, ou seja, há 30 anos. Está prestes a partir para o Vaticano, para a visita ao Papa e à Cúria Romana, a quem já foi enviado o relatório quinquenal. Com base nesse relatório, como caracteriza a diocese de Viana do Castelo? D. José Pedreira – Parece-me que esta diocese, que tem apenas 30 anos, pode ser considerada uma diocese em situação de normalidade no meio dos problemas que a Igreja universal enfrenta hoje em cada uma das suas Igrejas particulares, nomeadamente no que se refere ao número de padres e aos candidatos ao sacerdócio. Também está dentro da normalidade quanto ao desenvolvimento pastoral que está programado. Há, no entanto, alguns aspectos em que sentimos maior dificuldade para tornarmos a Igreja diocesana aberta aos problemas dos tempos modernos, de modo particular a sua vivência religiosa com pendor da tradição e a ausência durante muitas décadas de investimento por parte do Estado na estruturação da rede viária, que dificultou o acesso ao Ensino Superior para a maior parte da população do Alto Minho. Como exemplo, no censo de 1971 a taxa do Ensino Superior no distrito todo, que corresponde à diocese de Viana do Castelo, era de cerca de 1,5 por cento; no censo de 2001, essa taxa subiu para cerca de 8 por cento, o que considero muito bom. Também com base no relatório enviado para o Vaticano, que espera que o Papa diga a esta Igreja particular, apontando desafios para os próximos tempos? – É difícil imaginar o que é que o Santo Padre vai dizer a propósito do relatório e da diocese, até porque é a primeira vez que eu vou falar com o actual Papa. Se fosse com João Paulo II, porque já tivemos várias visitas pastorais, já conhecia as suas preocupações… Mas, estou convencido de que o Santo Padre vai sintonizar connosco no optimismo que temos de ter para enfrentar os novos problemas da Igreja nos tempos modernos, e que vai sublinhar a importância da utilização e desenvolvimento da inteligência para compreender e acompanhar todos os problemas da fé, portanto, da evangelização, da estruturação, da formação básica dos fiéis. A diocese de Viana do Castelo tem uma prática religiosa bastante alta dentro do contexto nacional e europeu, mas é uma prática que tem muito de tradição, que tem muito de transmissão de pais para filhos. Não estou a desvalorizar isto, até porque costumo dizer que a religiosidade popular exerceu uma função extraordinária nas últimas décadas e produziu os seus efeitos. Neste momento, porém, revela as suas fragilidades, que nós temos de complementar com a liturgia oficial da Igreja. Nestes 30 anos, a diocese de Viana do Castelo realizou um Sínodo e está, actualmente, voltada para a Pastoral Familiar. Porquê? Com que objectivos? – A realização do Sínodo diocesano foi uma consequência da celebração do Jubileu do ano 2000. Foi trabalhoso. Tivemos de enfrentar várias dificuldades, nomeadamente a falta de hábito dos leigos e dos sacerdotes para se mobilizarem para um acto extraordinário dentro da administração e do governo da Igreja. Mas, ao terminar o Sínodo pareceu-me ter sido extraordinariamente útil, por vários motivos, um dos quais eu sublinhei logo no seu encerramento: ele permitiu ao bispo ter acesso a uma espécie de radiografia real sobre as capacidades de mobilização e evangelização ao nível de toda a diocese. Quer dizer, ajudou a conhecer as zonas que estão mais dinamizadas, mais capazes e mais comprometidas, bem como aquelas que estão muito mais difíceis de mobilizar para a nova evangelização. Este mapa ficou muito claro, quer pela participação e disponibilidade de colaboração do clero, quer pela disponibilidade e compreensão dos leigos para o problema de um Sínodo. Verificamos que havia vários sectores que era indispensável valorizar e que havia também algumas lacunas que tínhamos de colmatar. Uma delas era precisamente ajudar a piedade popular a fazer uma caminhada em ordem à liturgia oficial da Igreja; valorizando-a, mas ao mesmo tempo transformando-a. Outra carência era a falta de fundamentação básica da fé dos nossos fiéis e por isso centramos um dos objectivos em desenvolver a acção da Escola de Teologia que está integrada no Instituto Superior Católico da diocese de Viana do Castelo. Entretanto, houve outros factores que nos pareceram merecer a prioridade nas nossas preocupações pastorais, com destaque para a Família, na medida em que ela sente pressões – não na linha da Igreja, da fé, da dimensão religiosa – do meio sociológico envolvente, quer pela necessidade de procurar trabalho onde quer que seja, quer pelo acesso da mulher ao trabalho – saudamos isso como elemento positivo, mas traz problemas à Família –, quer ainda pelas dificuldades dos pais no acompanhamento da vida escolar dos filhos e da sua formação. Portanto, a Família, sendo o núcleo da sociedade e também o elemento fundamental na transmissão da fé na Igreja, tem de ter uma atenção muito particular neste momento. Como é dada essa atenção? A doutrina da Igreja não muda… – A maneira de evangelizar as nossas famílias passa fundamentalmente – e é isso que estamos a tentar fazer – pela criação de momentos e espaços para que os adultos possam reflectir sobre as verdades da fé que já praticam – a chamada formação básica da fé para os adultos. E em segundo lugar, não descurar a catequese que estamos a fazer com as gerações mais novas… Quanto à Pastoral Juvenil, nota-se que há dinâmica e a prova disso está, por exemplo, no Fórum Ecuménico Jovem realizado há poucos dias em Viana… Nota-se que há uma caminhada, que a juventude está activa… Mas, é uma pastoral de/para todos os jovens ou só de/para alguns? – A Pastoral Juvenil também tem merecido nos últimos 7-8 anos uma atenção particular. Aliás, o investimento na Pastoral Juvenil é anterior ao investimento na Pastoral Familiar, porque é ante-sinodal. Creio que tem desenvolvido um trabalho muito positivo, com actividades diocesanas programadas para todo o ano, acontecendo o mesmo com alguns arciprestados, que desenvolvem um esforço para acompanhar os jovens na continuidade da vivência e no aprofundamento da fé depois das últimas catequeses. Esse trabalho, considero-o positivo. Claro que ainda não atingimos todos os objectivos, até porque um deles consiste em que a Pastoral Juvenil desperte um número maior de vocações em ordem ao sacerdócio e à vida religiosa consagrada. Realmente, tem havido alguns casos, mas não tantos quantos desejamos. A diocese de Viana é formada por cerca de 300 paróquias. Não há, neste momento, um padre para cada paróquia. Isto é uma preocupação ou é uma rara oportunidade? – Por um lado, é uma preocupação, mas, por outro, pode constituir uma oportunidade, quase única, para a Igreja. É uma preocupação, porque as nossas populações estão habituadas a ter pároco próprio, mesmo as paróquias mais pequeninas. Nas 292 paróquias de Viana, a média de habitantes é de 883. Temos uma dúzia de paróquias que ultrapassa os 5.000 habitantes e temos muitas com cerca de 100 habitantes. Portanto, haver um padre em cada paróquia é hoje absolutamente irrealizável. Actualmente, o projecto diocesano centra-se em áreas pastorais: um padre é responsável por uma área que pode corresponder a uma, duas, três ou quatro paróquias, e é pároco por igual de todas as paróquias, ou seja, não é pároco de uma e as outras são anexas. Não tenho nenhum sacerdote que seja pároco de mais de quatro paróquias, e mesmo com quatro só há dois ou três casos; já tive um com cinco, mas foi ocasionalmente. O que é mais arriscado: confiar a um padre 3, 4, 5 ou mais paróquias, como já acontece em algumas dioceses, ou reorganizar as paróquias? – Primeiro, queria apontar outro aspecto que me parece pode ser positivo na carência de sacerdotes. É que durante décadas e décadas – e não estou a criticar nada –, a nossa pastoral não teve muito em conta a capacidade dos leigos, porque tínhamos sacerdotes com tempo para fazer tudo. A falta de padres trouxe-nos este contributo: hoje temos um número extraordinariamente maior de leigos comprometidos nas nossas paróquias. Ainda não são tantos quantos desejamos, mas os nossos leigos estão a despertar um bocadinho para a sua obrigação como baptizados. Quanto à reorganização das paróquias, é um problema muito complexo. Prefiro a situação actual, mas admito a fusão de paróquias, de freguesias. Não se pode é criar uma guerra por causa disso! O conceito de paróquia está intrinsecamente ligado ao conceito de freguesia. A História diz-nos que foi a Igreja que traçou os limites das paróquias sobre as quais o Estado criou as freguesias. Ora, perante o Estado, os nossos fiéis, que são ao mesmo tempo cidadãos, fazem a defesa intransigente das suas freguesias, mesmo que sejam pequeninas. Neste momento, se quisermos fazer um trabalho que vingue, o Estado tem que ser o iniciador, porque tem autoridade própria. Seria contraproducente, se a Igreja avançasse isoladamente. Nós temos sempre a possibilidade de traçar uma área pastoral. Eu prefiro isso, sem pormos de lado a necessidade de definirmos o novo conceito de paróquia. Então, até porque os padres não podem nem devem fazer tudo, é importante que os leigos descubram a sua vocação na paróquia… – Já temos essas duas realidades. E temos alguns sacerdotes idosos que aderiram perfeitamente ao novo modelo de ser padre, que consiste em atender só às coisas fundamentais do sacerdócio. Costumo dizer que essas coisas são cinco: 1) o padre tem que presidir à Eucaristia, e por isso tem que se preparar; 2) tem que explicar correctamente a fé contida nas Sagradas Escrituras, e por isso tem que se dedicar muito ao estudo das mesmas; 3) tem que ter tempo para reconciliar (confissão) os fiéis que o procuram, porque Nosso Senhor concedeu esse dom apenas aos sacerdotes; 4) tem que presidir à comunidade dos crentes, que tem muitos ministérios, muitos serviços, muitas actividades, muitas associações, e ele tem que ter a capacidade de fazer a comunhão e a unidade dos movimentos de leigos – só o sacerdote preside à comunhão, na comunidade; 5) tem alguns sacramentos que para já, e porque a tradição é muito antiga, ainda é ele que tem que os administrar, como é o caso da Unção dos Enfermos. A diocese de Viana apresentou há poucos dias os resultados da inventariação do património artístico das paróquias de Viana do Castelo e de Arcos de Valdevez. Porquê estes dois arciprestados, e porquê só estes dois? – Foi um processo longo, está terminado e, segundo as pessoas responsáveis da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento da Região Norte (CCDRN), está terminado com qualidade e com grande proveito da verba investida. Já andava há muito tempo preocupado com a inventariação do património artístico da diocese, não só do móvel mas também do imóvel. Durante os primeiros anos de vida da diocese, e ela só tem 30, houve alguns esforços mas não sistematizados, levados a cabo por alguns sacerdotes com competência nesta área. Fizeram alguma recolha de dados, mas não em termos de poder ser computorizado e poder ser tratado via técnicas modernas. Entretanto, no âmbito do III Quadro Comunitário, e porque havia algum dinheiro que ainda não tinha sido utilizado nesta área, a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento da Região Norte convocou os bispos portugueses para ver se estávamos dispostos a enfrentar o problema da inventariação do património, contando com um certo apoio económico do Estado, através da CCRN. Pensei duas vezes e parecia-me que era impossível nessa altura, porque estava com duas grandes obras: terminar a Casa Sacerdotal para o clero idoso e/ou doente, e terminar também o auditório, porque a diocese não tinha um salão com capacidade para reunir mais de cem pessoas. Manifestei, então, a minha relutância em enveredar por aquele caminho. Entretanto, a verba que nos ia ser entregue, não dava para inventariar todo o património artístico móvel da diocese. Escolhi um arciprestado central – Viana do Castelo, com 42 paróquias, duas das quais são experimentais –, e um arciprestado periférico – Arcos de Valdevez (com 51 paróquias) –, mas o maior dos periféricos. Assim, com o inventário do património destas 93 paróquias, poderia atingir rapidamente uma terça parte da diocese. Depois, conversei com os presidentes das câmaras municipais de Viana do Castelo e de Arcos de Valdevez, que foram muito atenciosos e disponibilizaram-se para pagar a verba (20 por cento do total do projecto) que competia à diocese. E assim, a Igreja de Viana teve a possibilidade de se lançar nesta aventura, que era uma aventura muito grande. … E que é para continuar… – Queremos continuar, mas há uma dificuldade. Segundo os responsáveis, o IV Quadro Comunitário distribui as verbas por alíneas diferentes do anterior. Há uma verba para o desenvolvimento cultural, mas não há alíneas que permitam antever se cobrem, ou não, esta área da cultura. Dizem-nos que sim. Se isso acontecer, continuaremos a inventariação do resto que falta na diocese; se não, vamos ver se temos capacidade para outra angariação de fundos, para continuar o trabalho iniciado em Viana do Castelo e Arcos de Valdevez. Porquê esta crispação recente entre o Estado e a Igreja. A situação dos capelães hospitalares é o principal problema? Há mais? – Uma vez que este assunto está a ser tratado ao nível da cúpula da Conferência Episcopal Portuguesa, uma vez que já foi dito bastante na comunicação social, sabendo nós que o próprio Governo se sentiu um bocadinho incomodado com esse problema, não é minha missão nem criar confusão nem impor opiniões próprias. Sentimos que estamos a passar um momento em que a secularização está a avançar para áreas que deveriam ser privadas, como a dimensão familiar, a actuação da Igreja ou das Igrejas, porque nós não estamos só a defender a posição da Igreja Católica mas todas as expressões religiosas, já que a dimensão religiosa e a dimensão familiar são um direito fundamental da pessoa humana. O problema dos capelães hospitalares, como poderia ser o problema dos capelães militares e das casas de reclusão ou cadeias, e até o problema dos professores de Religião e Moral – tudo isto são áreas em que o Estado tem uma função, mas, na formação básica da fé e na formação total da pessoa humana, as instituições que têm a seu cargo esta dimensão também têm uma palavra a dizer. Portanto, parece-me mal que qualquer das partes não esteja atenta às preocupações da outra parte. Pareceu-nos que estavam a ser preparadas algumas leis que manifestavam desconhecimento completo da função e do lugar da Igreja em todo este campo. Mas, a Igreja continua a ser solicitada para colaborar nas iniciativas do Estado, nas coisas mais variadas. Ainda parece ser o meio para que qualquer ministério, ministro ou secretário de Estado chegue rapidamente aos seus destinatários. Recebemos imensas circulares. Quer dizer, parece não haver coerência, porque quando queremos trabalhar parece que querem fechar todas as portas, mas para nos pedir serviços, na previdência social, nas IPSS, no apoio a ofertórios ou peditórios para hospitais, etc., nós somos pedra base solicitada para colaborar. Não digo que é assim, mas parece… Entrevista conduzida por José Miguel Pereira

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