Disciplinas sobre vários credos podem ajudar diálogo inter-religioso

Representantes do judaísmo e do cristianismo defenderam ontem a criação de disciplinas nas escolas que dêem a conhecer as várias religiões, como forma de facilitar o diálogo inter-religioso. Durante uma conferência em Castro Daire, onde participaram alunos e professores da escola secundária local, Nuno Wahnon Martins, representante da comunidade israelita de Lisboa, lamentou que o judaísmo seja «uma religião muito desconhecida na maior parte dos países europeus». Ainda que admita que foram dados passos significativos nas últimas décadas – porque «o que existia há 50 e há 30 anos atrás era um total desconhecimento da religião judaica» –, deu exemplos de casos em que «esse desconhecimento é demonstrado ainda hoje». Em declarações à Agência Lusa no final da conversa, Nuno Wahnon Martins exemplificou com o caso de um amigo a quem, no âmbito de um processo de regulação do poder paternal, o juiz disse «o senhor não pode ver o seu filho nos dias judaicos porque isto é um país católico». «Isto não é um país católico, é um país laico, de facto de maioria católica», frisou, acrescentando que a Lei da Liberdade Religiosa dá esse direito aos pais. «Se há um juiz que é representante de um órgão e de um poder autónomo que diz isso, a meu ver só demonstra desconhecimento», sublinhou. Neste âmbito, considera que ainda há caminho a percorrer em Portugal, nomeadamente ao nível da educação, explicando aos estudantes «o que é o judaísmo, o islamismo e outras religiões, comparando-as com a religião maioritária», não com intuito «de conversão ou de tentar impor outra religião, mas numa tentativa de educar as pessoas». «Devia haver uma disciplina, nomeadamente no ensino secundário, que pode ser uma disciplina semestral, para mostrar que existem pessoas com outras crenças que também devem ser respeitadas por isso», justificou. Posição idêntica tem o padre e professor de Filosofia da Universidade de Coimbra Anselmo Borges, que defendeu o estudo do «facto religioso nas escolas», como forma de afastar «a irracionalidade e o fundamentalismo da religião». «O facto religioso é universal, existe em todas as culturas e, portanto, o seu estudo também deve estar presente nas escolas, em todos os graus, e também na universidade», frisou. O objectivo seria fazer «uma introdução às várias religiões, do conhecimento do que é a religião do ponto de vista crítico», para que os jovens «possam conhecer melhor a cultura e possam afastar aquela ideia de que a religião é apenas do domínio da irracionalidade». «Se quisermos evitar a irracionalidade e o fundamentalismo religioso, temos que colocar o estudo das várias religiões nas escolas. O resto deve ficar para as igrejas, mesquitas, etc.», acrescentou. O padre católico considera que «as religiões têm de dialogar para se enriquecerem mutuamente», frisando que há que «perceber que nenhuma religião e nem todas juntas possuem o mistério de Deus». «O fundamentalismo começa quando alguma religião pensa que possui dogmaticamente Deus. Ora, Deus é o mistério que transcende tudo o que possamos pensar e dizer dele. Nenhuma religião e nem todas juntas, sequer, possuem o mistério de Deus», realçou. Anselmo Borges lembrou, ainda, que as chamadas guerras religiosas, de facto, não o são, «são guerras que invocam a religião, mas que têm outras causas, de estratégia, de política, de economia». Confirmado para participar na conversa realizada ontem em Castro Daire estava também o representante da comunidade islâmica sheikh David Munir, que, no entanto, alegou motivos pessoais para não estar presente.

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