«Profundo respeito» pela vida humana

Intenção de oraçãode Bento XVI para o mês de Novembro apela aos investigadores e legisladores de todo o mundo Que quantos se dedicam à investigação médica ou têm responsabilidades legislativas cultivem um profundo respeito pela vida humana, desde o seu início até ao seu fim natural 1. Investigação médica e respeito pela vida Não vale a pena lembrar quão complexa se tem vindo a tornar esta questão, quer no que se refere à determinação do fim da vida humana, quer relativamente à determinação do seu início. Nem vale a pena argumentar com tal complexidade para defender soluções de facilidade, do género: «os cientistas que decidam»… Se, como se diz, a «guerra é um assunto demasiado sério para ser entregue à decisão dos militares», também a vida humana «é um assunto demasiado sério» para que as decisões fundamentais sobre a mesma sejam deixadas apenas aos cientistas e médicos. Mais ainda quando, entre os primeiros, é cada vez mais fácil encontrar quem defenda o direito dos cientistas a investigar sem quaisquer limitações; e entre os segundos, não falta quem pretenda assumir poder de vida ou de morte sobre as pessoas, ainda por nascer ou já nascidas – ao ponto de alguns defenderem o direito-dever dos médicos de decidir sobre a morte de certos doentes, incuráveis e por eles considerados sem «qualidade de vida». 2. Os políticos e a defesa da vida Há, a este respeito, uma espécie de esquizofrenia: por um lado, os políticos revelam-se hipersensíveis (pelo menos, em palavras) a tudo quanto possa constituir ameaça, mesmo que abstracta, à vida dos seres humanos – e legislam furiosamente, proibindo ou regulamentando os comportamentos individuais, sempre que estes pareçam desadequados ao que se convencionou chamar uma sociedade «saudável» e «progressista» (desde o tabaco até ao açúcar ou ao consumo de carnes gordas); por outro lado, são absolutamente liberais em temas tão concretos como o aborto, a eutanásia, a reprodução humana medicamente assistida, as investigações com embriões humanos produzidos em laboratório – e legislam furiosamente, legalizando ou permitindo os comportamentos individuais mais estranhos, aberrantes e imorais. 3. Questão de cultura e civilização Antes de ser uma questão de cientistas, médicos e políticos, a dignidade da vida humana é uma questão de cultura e civilização. Há culturas e civilizações em que o valor do indivíduo é sempre subordinado aos interesses do grupo social – e os direitos humanos individuais são vistos como algo estrangeiro, fruto da civilização ocidental. Mesmo no seio da civilização ocidental, há ideologias que defendem posturas semelhantes, embora por motivos diferentes. Deste modo, a universalidade do direito humano à vida encontra-se confrontada com as particularidades culturais ou ideológicas que conformam o agir de muitos grupos humanos ou de civilizações inteiras. A defesa e promoção da dignidade da vida humana «desde o seu início até ao seu fim natural» é, por isso e antes de mais, uma questão cultural e civilizacional. E sendo uma questão cultural, é aqui que o combate deve ser travado. Não por acaso, o Papa João Paulo II falava de uma «cultura da morte» enfrentando-se com uma «cultura da vida» no coração mesmo da civilização ocidental. 4. Cristianismo contestatário No que diz respeito à defesa da vida humana e sua dignidade, hoje e no futuro próximo, os cristãos para quem o Evangelho continua a ser a instância crítica da sua vida quotidiana e das suas opções culturais e políticas devem assumir, cada vez mais, um papel contestário da ordem estabelecida – não pela violência mas por opções de vida claramente alternativas, tal como os primeiros cristãos fizeram relativamente ao império romano. E, tal como os primeiros cristãos, serão marginais face às correntes culturais e políticas dominantes, mas nem por isso o seu papel será de menor importância. Ficarão, certamente, com a tarefa mais pesada, aparecendo como pessoas e comunidades alternativas – pessoas e comunidades empenhadas em defender a dignidade humana das crianças ainda não nascidas, das pessoas com doenças incuráveis, das pessoas com deficiência, das pessoas idosas. Há, certamente, muitos outros âmbitos nos quais é necessário defender a dignidade da vida humana. Este, porém, é já o de maior emergência, e sê-lo-á ainda mais no futuro, pois trata-se dos mais indefesos entre todos os humanos, aqueles para quem a civilização que estamos a edificar tem menor ou nenhuma sensibilidade. Neste contexto, rezar pelos cientistas, médicos e políticos, para que cultivem um profundo respeito pela vida humana desde a sua origem até ao seu fim natural é também um acto de contestação cultural, consequente com a fé que nos anima. Elias Couto

Partilhar:
plugins premium WordPress
Scroll to Top