Guarda, 8.4.2023
Vigília Pascal -Homilia
1.Cristo Ressuscitou verdadeiramente, aleluia, aleluia!
Este é o anúncio pascal que fazemos a nós próprios e ao mundo.
Estas são as palavras da Visita Pascal que entra em cada casa ou passa
pelas ruas.
São a alegria e a força da esperança que queremos partilhar, nesta Páscoa,
com o mundo todo, particularmente com os que mais sofrem.
2.”Não tenhais medo. Sei que procurais Jesus, o Crucificado. Não está
aqui, Ressuscitou”?
Assim falou às mulheres aquele anjo, vestido de branco e descido do Céu,
que removera a pedra do sepulcro e estava sentado sobre ela.
Para aquelas mulheres que, de manhazinha, iam ao sepulcro, com os
perfumes do costume, para completar a inumação do corpo de Jesus, a
primeira grande surpresa foi o sepulcro vazio, com a pedra de entrada
removida; e o corpo não estava lá.
E encontraram a explicação surpreendente do anjo, de que não estavam à
espera– “Ele não está aqui. Ressuscitou”. E a seguir vem a recomendação
–“Ide depressa dizer aos discípulos que Ele ressuscitou dos mortos e vai
adiante para a Galileia”. Esta recomendação completa-a o próprio Jesus,
que saiu, agora ressuscitado, ao seu encontro, as saudou e lhes deu a
seguinte ordem- “Ide avisar os meus irmãos que partam para a Galileia. Lá
me verão”.
E perante a novidade destas explicações, elas fazem apelo à memória,
para lembrar as palavras de Jesus, na Galileia, quando anunciou o
percurso da Sua Paixão e Morte, com o final feliz da Ressurreição.
Na sua alegria, ainda misturada com algum medo e incerteza, as mulheres
foram, a correr, contar aos 11 apóstolos, que estavam muito desanimados
com tudo o que se passara na sexta-feira anterior. De imediato, não
quiseram acreditar, porque estas palavras lhes pareciam um sonho,
porventura um delírio de mulheres fáceis em acreditar ou mesmo um
desvario. Mas foram ver e confirmaram.
3.E tudo começou de novo, na Pessoa de Jesus, cujo sepulcro estava vazio,
mas também na vida daquelas mulheres e dos apóstolos.
A grande novidade, que o sepulcro vazio representa e para a qual chama a
atenção, é Jesus vivo e a vida nova que Ele inaugura e quer distribuir pelo
mundo inteiro, a começar por estas mulheres e pelos apóstolos até chegar a outros discípulos, em número crescente que, pelo Baptismo, se configuram com Cristo.
É por isso que a Páscoa e principalmente a Vigília Pascal é o tempo do
Baptismo, para os catecúmenos que vão ser baptizados mas também para
aqueles que já o foram, e nesta noite, são convidados, como nós, a
renovar as suas promessas batismais.
De facto, como lembra hoje a Carta de S. Paulo aos Romanos, está em
causa a grande novidade das nossas vidas, que é morrer para o homem
velho, morrer para o pecado, sendo sepultados com Cristo na morte para,
com Ele, ressuscitarmos para a vida nova.
Assim, o Batismo é realmente acontecimento pascal, isto é, de passagem
das trevas para a luz – Daí o nome de iluminação dado ao Batismo, na
tradição da Igreja; da morte para a vida, precisamente ao contrário do
que se verifica na experiência comum, em que pelo menos
aparentemente a vida se encaminha para a morte; é passagem da criatura
velha marcada pelo sofrimento, a morte e o pecado para a Humanidade
Nova, da qual Cristo é a cabeça ou a primícia.
A passagem das trevas para a luz está bem simbolizada na primeira parte
da Vigília Pascal, com a bênção do lume novo, a culminar no Círio Pascal,
grande símbolo de Cristo Ressuscitado, esse astro luminoso que não
conhece ocaso, como hoje cantámos.
Por sua vez, a Palavra de Deus que hoje nos foi mais abundantemente
distribuída, sobretudo com passagens do Antigo Testamento em maior
número, transporta-nos para as maravilhas de Deus na primeira criação,
na passagem do êxodo, a verdadeira epopeia de todo o povo ou também
no anúncio dos profetas sobre a Nova Humanidade, de que Cristo
Ressuscitado é a primícia.
4.Falar da Ressurreição de Cristo e acreditar nela não é pensar que se
trata apenas de mais um milagre que Deus faz para credenciar a Pessoa de
Jesus. Não.
Mais do que isso, a Ressurreição é o início da Humanidade Nova de que
Cristo é a cabeça e o primeiro fruto. É recriação do nosso mundo para ser
outro, baseado no amor, no direito e na justiça, em que o ódio e a morte
são destronados, e que, por isso, necessariamente tem de se distanciar de
muito do que se passa no mundo em que vivemos, e mesmo contradizê-
lo.
De facto, em Cristo Ressuscitado, os novos céus e a nova terra de que
falam os profetas já se iniciaram, mas progridem devagar, dentro da nossa
história, que continua sujeita a muitas contradições.
Em todo este processo, que se inaugurou na madrugada da Ressurreição,
o sepulcro vazio foi o choque inicial, mas as iniciativas de Deus
continuaram, com as aparições do Ressuscitado e o envio do Espírito
Santo para transformar a vida dos discípulos, fazendo deles verdadeiros
apóstolos, anunciadores e construtores desse mundo novo.
5.A nossa grande responsabilidade é, depois do encontro que fizemos
com o Ressuscitado, como seus discípulos, trabalharmos para a
transformação deste mundo, como Ele quer.
Sabemos que Jesus está vivo e oferece vida em abundância.
Ele veio para implantar nas sociedades a verdadeira cultura da vida e
fortalecer-nos na esperança para podermos construir o mundo novo que
Ele, o Vivente, inaugurou.
Mas nós constatamos que, à nossa volta, há forças, umas mais às claras e
outras mais às escuras, postadas em promover, o contrário, a cultura da
morte. Temos disso consciência, o que mais nos determina a contribuir
para que se cumpra no meio de nós a novidade da Ressurreição de Jesus.
A este propósito, lembro uma entrevista que o Papa Francisco deu a um
canal de televisão do seu país natal, a Argentina, poucos dias antes de
completar 10 anos de pontificado.
Nessa entrevista chegou a pergunta inevitável sobre os abusos dentro da
Igreja. Ele disse que a determinação de acabar com eles veio já do seu
antecessor, o Papa Bento XVI e que ele a continuou.
Ora, como sabemos, também a Igreja em Portugal quis fazer da sua parte
o que é preciso fazer para o cumprimento desse propósito. Para isso,
nomeou uma comissão independente e garantiu-lhe as necessárias
condições para desenvolver os seus trabalhos.
Sem dúvida que a Conferência Episcopal correu riscos, ao tomar esta
decisão, sabendo nós agora do aproveitamento que, de facto, está a ser
feito dos resultados do estudo desta Comissão.
Mas não podemos deixar de reconhecer que este foi um ato de coragem;
e mais nenhuma instituição, pelo menos em Portugal, teve, até agora, a
mesma coragem, embora sabendo que o problema em causa é da Igreja,
que quer assumir todas as suas responsabilidades, mas também. da
sociedade enquanto tal, de que ela faz parte. Na realidade, o conjunto da sociedade em Portugal só terá vantagens, se assumir a mesma coragem e continuar este trabalho, em que a Igreja é pioneira.
Quanto de nós depende, continuaremos a fazer tudo, fortalecidos na
esperança que a Páscoa nos traz, para continuar este propósito,
procurando identificar os males acontecidos, acompanhar as vítimas, sem
descurar o acompanhamento dos culpados, que também é nossa
obrigação. E sobretudo estamos focados em evitar que outros abusos
venham a acontecer.
Para isso, impõe-se-nos a obrigação de desenvolver ações de prevenção a
montante, os seja, procurando, através da divulgação e aplicação de boas
práticas, fazer da Igreja e suas instituições lugares verdadeiramente
seguros para todos, a começar pelas crianças, adolescentes e jovens, que
estão na fase de decidir o seu futuro e só têm a ganhar com os serviços
que a Igreja lhes presta, em nome de Cristo e do Evangelho.
E agora, retomamos a entrevista do Papa Francisco anteriormente
referida, na qual ele se pronuncia sobre a instrumentalização da justiça
por alguma comunicação social.
Diz ele que essa instrumentalização da justiça, muitas vezes, começa nos
media, que insinuam e enxovalham com suspeitas de crime. E essas
suspeitas rapidamente, na cabeça das pessoas, passam a condenação,
mesmo que depois a investigação venha provar o contrário. E acrescenta
que este é um dos pecados do jornalismo.
Convenhamos em que esta é e será sempre uma matéria de tratamento
melindroso, pois que as pessoas, sejam elas vítimas ou abusadores ou
mesmo simples observadores atentos da realidade, frequentemente não
se querem expor no foro externo, o que dificulta, por um lado, a
investigação da verdade e, por outro, formular os juízos necessários, com
todas a suas consequências, nomeadamente nos processos judiciais.
Ora, a novidade da Ressurreição também nos inspira sobre os caminhos
que precisamos de percorrer para tratar, sempre com justiça e respeito
por todos os implicados, a matéria dos abusos.
Inspira-nos, acima de tudo, na procura de caminhos conducentes a
modelos novos de vida em sociedade, onde todos se sintam bem
acolhidos e valorizados nas suas capacidades e projetos de vida, contando
sempre com as suas capacidades e também limitações.
Aleluia! Cristo Ressuscitou.
Desejo a todos Santa Páscoa e que levemos connosco esta mensagem
para nossas casas e para os nossos ambientes
+Manuel da Rocha Felício, Bispo da Guarda