1. Ao celebrarmos em Quinta-Feira Santa a Instituição da Eucaristia e do Ministério do Sacerdócio ordenado, encontramo-nos com a extensa – e a intensa – ternura de Deus para connosco, Seus Discípulos Missionários.
Na Eucaristia celebramos o que na Cruz foi realizado: expressão máxima do amor divino. Parafraseando o cardeal Sean O’Malley, podemos dizer que na Eucaristia várias vezes exprimimos a nossa Fé e ação de graças através do ósculo: o beijo no altar, o beijo no Evangeliário, o beijo na Cruz, o beijo da paz aos nossos irmãos e hoje acrescentamos o beijo nos pés, durante o rito do lava-pés. No fundo, são beijos dados a Cristo pois no altar, no Evangelho, na Cruz e em cada ser humano é Cristo que nos visita. O que fazemos a eles é o que fazemos a Ele (cf. Mt 25, 40). É por isso que o Cristianismo não é a recordação de um ausente, mas a contínua celebração de uma presença.
A Ressurreição não provocou uma ausência, mas inaugurou uma nova presença. Por tal motivo, os cristãos não dizem que Cristo viveu, mas que Cristo está vivo (cf. Act 25, 19). Aliás, ao longo do Seu ensinamento, Jesus Cristo foi preparando os discípulos para a perenidade da Sua presença no mundo, «até ao fim dos tempos» (Mt 28, 20). “Cristo Vive!”, assim intitulou o Papa Francisco a sua Exortação Apostólica sobre a XV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, “Os jovens, a Fé e o discernimento vocacional”.
Esta presença de Cristo Ressuscitado, através da Sua corporeidade eclesial, permanece de modo sacramental na Eucaristia «fazei isto em memória de mim», (1 Cor 11, 24; Lc 22, 19), no mandamento da Missão «ide por todo o mundo e anunciai o Evangelho» (Mc 16, 15; Mt 28, 19) e do Mandamento no Amor «amai-vos uns aos outros como Eu vos amei» (Jo 15, 12; 13, 34).
De facto, esta presença real de Cristo na realidade do mundo atinge o seu ápice na Eucaristia, porque é sobretudo na Eucaristia, como nos diz a 2ª Leitura, que se realiza o que Ele mandou fazer em Sua memória: comer o pão (cf. 1 Cor 11, 23-24; Lc 22, 19) e beber do cálice (cf. 1 Cor 11, 25; Mc 14, 23; Mt 26, 27). Sucede que este pão já não é pão: é o Corpo de Jesus Cristo: «isto, ou (seja, o pão) é o Meu Corpo, que será entregue por vós» (1Cor 11, 24; Mc 14, 22; Mt 26, 26; Lc 22, 19). Do mesmo modo, este cálice já não é cálice: é o Sangue de Jesus Cristo: «isto (ou seja, o cálice) é o Meu Sangue da aliança, que vai ser derramado por todos» (Mc 14, 24; 1 Cor 11, 25; Mt 26, 28; Lc 22, 20).
Das suas próprias palavras depreende-se que Jesus está realmente presente naquele pão e naquele cálice. Pelo que há uma mudança de substância em tal pão e tal cálice. Nestes, como reparou o Papa S. Paulo VI, «já não há o que havia anteriormente, mas outra coisa completamente diferente». Esta mudança de substância (transubstanciação) configura, ainda segundo o Papa Montini, «o maior dos milagres». São Cirilo de Jerusalém verbalizou com suprema precisão o que se passa: «Aquilo que parece pão não é pão, apesar do sabor que tem, mas sim o Corpo de Cristo; e o que parece vinho não é vinho, apesar de assim parecer ao gosto, mas sim o Sangue de Cristo». O que passamos a ter, como notou Santo Ambrósio de Milão, já não é o que a natureza formou, mas o que a bênção consagrou». Por conseguinte e como observa de novo S. Paulo VI, não nos devemos guiar «pelos sentidos, que testemunham as propriedades do pão e do vinho, mas sim pelas palavras de Cristo, que têm o poder de mudar, transformar e “transubstanciar” o pão e o vinho no Seu Corpo e Sangue». Isso significa que, na Eucaristia, Cristo vem até nós e nós vamos até Cristo.
2. Ao mandar comer o pão e beber o cálice em Sua memória (cf.1Cor 11, 24-25), Jesus está a admitir que a Ceia não termina naquela noite. A conversão do pão e do vinho no Corpo e Sangue do Senhor são possíveis porque – sublinha Karl Rahner – «a ceia não acabou». O que então se verificou nunca deixa de se verificar pois «insere-se no espaço e no tempo que são nossos». Daqui resulta que toda a realidade de Cristo «estará sempre eficazmente presente onde se realiza a Ceia». Xavier Zubiri, um filósofo existencialista cristão do século XX, apercebeu-se que na Eucaristia somos visitados pela «atualidade do pão feita atualidade de Cristo». Pelo que «o pão eucarístico é o Corpo de Cristo; é o próprio Cristo».
Cingindo-nos à celebração da Missa, é real a presença de Cristo na Palavra, no ministério ordenado do Sacerdote, na Assembleia Litúrgica convocada e reunida. A presença real de Cristo não é um exclusivo do Pão e do Vinho consagrados como se as outras presenças fossem irreais, mas acontece por excelência na Eucaristia. A presença real de Cristo na Eucaristia não é a única, mas, avisa o Catecismo, «o modo da presença de Cristo na Eucaristia é único». Trata-se de uma presença substancial dado que, ela, torna presente Cristo completo, o ressuscitado.
São João Paulo II teve o cuidado de chamar a atenção para esta presença da Ressurreição. Com efeito, a Eucaristia, no momento em que «actualiza o único e definitivo sacrifício de Cristo na Cruz», «torna presente o mistério da Sua Ressurreição». É o que os nossos lábios afirmam na aclamação depois da Consagração: Anunciamos Senhor, a Vossa Morte» e «Proclamamos a Vossa Ressurreição, Vinde Senhor Jesus».
3. No ano de 304, durante as perseguições de Diocleciano, um grupo de cristãos, do Norte de Africa, foram surpreendidos a celebrar a Missa numa casa e foram aprisionados. O procônsul romano, no interrogatório, perguntou-lhes porque o fizeram, sabendo que era absolutamente proibido. Eles responderam: «Sem o domingo não podemos viver», que significava, se não podemos celebrar a Eucaristia, não podemos viver, a nossa vida cristã morreria. Com efeito, Jesus disse aos seus discípulos: se não comerdes a Carne do Filho do homem, e não beberdes o Seu Sangue, não tereis a vida em vós mesmos. Quem come a Minha Carne e bebe o Meu Sangue tem a vida eterna, e eu o Ressuscitarei no último dia» (Jo 6, 53-54). Por isso, Jesus deseja que nos sentemos frequentemente à mesa com Ele, para aprendermos os Seu surpreendente modo de viver e amar.
É nesta escola do discipulado de Cristo, que exercitamos a nossa missão de serviço. Hoje, no Rito do Lava-pés, vamos rever a maior lição do mestre que veio para servir e não para ser servido. Saibamos contemplar, neste sinal, a mensagem que nos vem de Deus, que procura cada Homem, como o pastor procura cada ovelha e, com amor eterno, nos lava com misericórdia de todos os pecados, dos vazios, das solidões e da escuridão.
Com Maria, Mãe e Mestra da Igreja e dos Discípulos Missionários deixemos que o Senhor nos lave e aprendamos com Ele a lavar os pés aos nossos irmãos.
+ Francisco José Senra Coelho
Arcebispo de Évora