Padre Jorge Giroto, Diocese de Lamego
Cansados, não nos sentamos. O belíssimo texto da Samaritana que São João nos oferece fala-nos do cansaço de Jesus, mas não nos apresenta um Senhor cansado.
“Jesus, cansado da caminhada, sentou-se, sem mais, na borda do poço. Era por volta do meio-dia” (Jo 4,6).
A pressa do tempo obriga-nos a correr para o acompanhar. As corridas da vida levam-nos, inevitavelmente, ao cansaço. Byung-Chul Han, o próximo filósofo da moda, nasceu em Seul há 64 anos. Com cerca de 30 anos saiu de Seul para vir para a Alemanha onde acabou por estudar e ficar a residir. Talvez por vir de fora e de longe, olha para nós, europeus, de um outro modo, vendo aquilo que vamos desvalorizando, com uma acuidade que só alguém muito profundo e atento consegue. Tem escrito muito sobre nós a quem chama a “sociedade do cansaço”. O excesso de ocupações e mais ainda a pressão dramática que colocamos sobre nós mesmos, conduz a uma espécie de “violência neuronal” que não permite o repouso. O autor lembra-nos ainda do nosso medo do sofrimento em “Sociedade Paliativa” e da incapacidade de lidar com a dor. Em “desaparecimento dos rituais”, o autor adverte-nos para a produção constante exigida, para uma coação à performance que já não vem do exterior. Em tudo, este dedicado coreano alerta-nos para a rapidez do tempo que vivemos e para a absoluta necessidade de parar, de descansar, de ter tempo para o lazer e para a fruição.
É este o tempo de parar, de contemplar, de ver demoradamente. De não permitir que a nossa pressa e cansaço nos impeça de ver em cada pessoa um irmão. Em “O Crepúsculo dos Deuses”, o suspeito mestre Nietzsche sublinha a necessidade de serem ensinadas as mais importantes tarefas: ensinar a ver, a pensar, a falar e escrever. Vede como estas tarefas continuam tão atuais. Em tempo de fake news facilmente identificáveis, mas também no tempo das notícias “fakezinhas”, tendenciosas e ardilosamente elaboradas, que bom é recuperarmos a profundidade do pensamento e das suas tarefas mais elementares.
Ensinar a ver é hoje, na minha ótica, a tarefa primordial. E para isso temos mesmo de parar, de nos sentarmos na borda daquele poço e deixarmos que o nosso olhar pouse sobre aquele que vem, para dele fazermos um próximo. É ao som das águas profundas do poço de Jacob ali de Sicar, mas também de todas as águas que ainda correm, que nos apercebemos que é meio-dia. Estamos, portanto, a meio do dia, com a manhã já passada, que não mudaremos, mas ainda bem longe da noite escura. Talvez pareça que é uma síndrome de anoitecer que nos atinge, mas temos ainda a tarde toda. Que faremos? Aproveitá-la-emos para fazer a vida de alguém valer a pena? A questão decisiva é mesmo esta: Vamos fazer algo por alguém, ou só nós interessamos?
Os discípulos deixaram ali Jesus, junto ao poço. Apesar da inaptidão apontada e confessada dos homens em fazer compras, não teriam que ir certamente os doze ao mercado! Talvez porque é necessário estar ali, perto da nascente. Era ali que estava a samaritana e Jesus tinha de fazer a sua vida voltar a valer a pena, voltar a fazer sentido, sem julgamentos apressados, sem preconceitos. Para Jesus aquela mulher era isso mesmo, uma mulher. Só depois era samaritana e, depois ainda, tão pecadora como aqueles que não fomos atingidos pela torre de Siloé.
O multitasking do telemóvel e da vida faz-nos olhar para muita coisa e ver muito pouco. Urge esta pedagogia do ver, que precisa de tempo, de atenção, de foco, de paciência, de acolhimento, de entrega, de misericórdia e de diálogo. Basta de conversa desinteressante em que defendemos apenas a nossa teoria ou ideia e somos incapazes de olhar a verdade presente no outro, no meio da sua fragilidade e fortaleza. Acostumando assim os olhos à serenidade, cada encontro será junto ao poço de Jacob. Dele irradiará uma luz e jorrará uma água que transformarão a nossa vida, que nos converterão. Luz e água que chegarão aos que encontrarmos e conduzirá cada um ao brilho da alegria e ao transbordar da felicidade.
Senta-te. Descansa. É meio-dia. Vem aí a tarde. Diverte-te a fazer alguém feliz!