Militância católica e intervenção política

A Universidade Católica Portuguesa acolheu o lançamento da Obra “”Um católico militante diante da crise nacional: Manuel Isaías Abúndio da Silva (1874-1914)”, da autoria do historiador António Matos Ferreira. A edição do Centro de Estudos de História Religiosa (CEHR) da UCP apresenta a vida de um leigo comprometido, que defendeu a secularização da sociedade portuguesa e se afirmou como católico “dentro do exercício da cidadania”. Opções difíceis num período de estertor da monarquia e implantação da República, época atravessada por constantes crises políticas, mas também religiosas, é retratado numa obra que é lançada esta quarta-feira. Defensor da chamada “democracia cristã” num período de forte divisão política entre os católicos, Abúndio da Silva procurou “ancorar o catolicismo à realidade social”. Não fazendo parte do poder político nem do poder eclesiástico, este leigo “formulou e encarnou um projecto de reforma da sociedade”. João Medina, da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, destacou a “lucidez de síntese” e a “isenção” de Matos Ferreira na abordagem a esta personagem, assegurando que a obra “marcará a história religiosa, política e cultural” do nosso país”. Já D. Manuel Clemente, Bispo do Porto e director do CEHR, diz que o conceito de “militância católica” é a chave para ler o livro, obra que “poucas pessoas poderiam escrever em Portugal”. Este responsável destacou o percurso de Abúndio da Silva, um miguelista que conseguiu, depois, passar para “o reconhecimento positivo da realidade não católica”. Na apresentação da obra, o Bispo do Porto lembra que “uma apresentação do nosso catolicismo oitocentista como uma mera reacção ao Liberalismo, unívoca e sem matizes, esquecia o considerável caudal de iniciativas pessoais e de grupo que, sob a designação genérica de ‘movimento católico’, quis restabelecer em termos novos a presença eclesial na sociedade portuguesa”. Matos Ferreira, por seu lado, escreve que quis ajudar a compreender, através de um “protagonista polifacetado”, aquilo que se poderá designar como “metamorfoses do campo religioso”. “A militância católica surge como exercício real de uma intervenção sócio-política, alimentada por motivações ideológicas e espirituais”, aponta o historiador. Do Miguelismo à democracia Pouco antes, o Conde de Samodães ensaiara um discurso conciliador entre catolicismo e liberalismo político, numa tentativa de relançar o movimento católico em Portugal, em 1870, com uma acção e influência que se prolongam até à República. Um grupo de católicos procurou, com êxito, separar os objectivos políticos dos objectivos religiosos, abrindo um espaço próprio na questão político-religiosa e afirmando-se como um dos mais significativos defensores do discurso conciliador entre catolicismo e liberalismo político. Abúndio da Silva é apresentado muitas vezes como católico de inspiração franciscana, em oposição ao partido nacionalista, influenciado pelos jesuítas. A política portuguesa desta época, com o estremar de campos, a guerra civil e a questão religiosa, num embate violento entre ideias e princípios, um período de grande agitação e de várias expectativas quanto à relação da Igreja com a sociedade. A problemática, com uma componente política muito forte. Nas suas “Cartas a um Abade” (1913), fala das guerras entre liberais e absolutistas, lembrando que “os partidários do senhor D. Miguel opunham… a Igreja”. “Um católico não podia ser constitucional, pedir o parlamento, a Carta, a fiscalização da nação no seu governo. O rei aclamado pelos Três-Estados foi divinizado: era o próprio arcanjo São Miguel mandado por Deus para extermínio dos cartistas como o fora para o terrível castigo dos egípcios”, escreveu. Abúndio da Silva criticava o clero regular e secular que, em vez de desfazer este equívoco em relação ao miguelismo – “chegaram a ver nele o próprio Jesus” – e à sua confusão com o catolicismo, acabava por explorá-lo. “Foi ele (o clero) que mais ajudou a alimentar essa demagogia infame do cacete; ele que calou a sua voz não erguendo um protesto contra as forças, ele que transformou o púlpito em tribuna de comício donde desferiu anátemas contra o sr. D. Pedro e os seus sequazes”, referiu. OCtávio Carmo, AE

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