Bruno Alexandre, Diocese do Algarve
A afirmação com que começo o meu artigo pode parecer polémica. Muitas vezes, os católicos foram olhados com desconfiança no meio sindical, ainda que Leão XIII, na Rerum Novarum, tenha sido uma das primeiras autoridades a nível mundial a se referir à greve. Foi aí que se afirmou que «o remédio […] mais eficaz e salutar é prevenir o mal [do dano das greves, NDA] com a autoridade das leis, e impedir a explosão, removendo a tempo as causas de que se prevê que hão-de nascer os conflitos entre os operários e os patrões» (RN, 22). Esta afirmação tem norteado a nossa reflexão teológica ao ponto de, no Compêndio de Doutrina Social da Igreja, reunindo os contributos de mais de cem anos de pensamento social eclesial, se afirmar que a greve é legítima quando esgotada a capacidade de diálogo, e mesmo que se configure como uma espécie de ultimato, desde que se mantenha dentro de limites pacíficos (cf. Comp. DSI, 304).
Estabelecido o princípio de que a greve, à luz do Magistério, pode ser legítima, o que me levou a mim, professor católico e, ainda mais, da disciplina de Educação Moral e Religiosa Católica, a fazer greve? Ora, o que me levou a fazer greve, eu que quase nunca as fiz nos catorze anos em que tenho a graça de ser professor, foi a busca da justiça para uma classe profissional injustiçada, injuriada e vilipendiada e que, por acaso, é aquela de que faço parte.
Porque sou professor católico e de EMRC, faço greve. Faço-a porque há catorze anos que estou em sucessivos contratos anuais incompletos, aumentando os horários da nossa disciplina em diversos agrupamentos (e noutros, com menos sucesso), mas sou considerado sempre uma necessidade temporária. Ou seja, sou um dispensável que volta a ser sempre necessário.
Faço-a porque num país em que meio milhão de euros dava para pagar a entrada, nos quadros, no primeiro índice de vencimento, de vinte e dois professores e ainda sobrava dinheiro (antes dos descontos, porque se nos referirmos aos vencimentos líquidos seriam mais dez professores), ou aumentar em cerca de mil o número de alunos carenciados subsidiados nos seus estudos e alimentação, ou atualizar milhares de computadores que ainda usam sistemas operativos obsoletos, preferimos não o fazer, dando como indemnização a quem trabalhou, é certo, mas talvez não por tanto tempo que merecesse tamanha verba.
Faço greve porque continuo a ter colegas meus de Bragança ou de Paços de Ferreira ou do Porto ou de Braga que, para conseguirem lecionar, têm de abandonar as suas famílias e vir dar aulas para o nosso Algarve, a quinhentos quilómetros da sua residência, sem estabilidade, sem saberem como será o ano a seguir, muitas vezes sem saberem em que fim-de-semana conseguirão ter poupado o suficiente entre duas prestações da casa para ir ver os seus filhos, maridos, pais… de facto, não existem quaisquer subsídios de deslocação ou de alojamento aos professores: fôssemos nós deputados ou membros do governo…
Faço-a porque não sou um número ou uma quota; porque quero justiça na avaliação do meu trabalho, da minha entrega e dedicação pelos meus alunos e pela minha comunidade educativa. Porque quero que a minha escola possa afirmar “Tu és muito bom professor!” se for justo, como eu faço com os meus alunos, em vez de “Tu és muito bom, mas não te podemos classificar como tal, porque as quotas estão cheias”. E o mesmo com os meus colegas de quadro que deveriam ver o seu esforço recompensado ao fim de anos de entrega, ao invés de estarem num purgatório administrativo à espera da sua vez de passar ao escalão seguinte da carreira. Imagine-se se fizéssemos nós isso aos alunos… Deus nos livre e guarde desse dia…
Faço greve porque não consinto que voltemos a ser tristemente enganados, uma e outra vez, nas coisas grandes e nas pequenas. Como, por exemplo, na questão das datas de saída das listas das reservas de recrutamento, em que Sua Excelência, o Sr. Ministro, prometeu que sairiam muito antes do fim de agosto. E saíram, claro está: no calendário ministerial, era 33 de agosto; no calendário gregoriano, 02 de setembro. Faço greve porque quero voltar a ter na minha entidade patronal um ente de bem, em que possa confiar, algo que não acontece agora.
Faço esta greve porque estamos a lutar por algo tão possível que os nossos colegas das Regiões Autónomas, tão portugueses quanto nós e que também reclamaram quanto reclamamos, conseguiram obtê-lo.
Porque sou professor católico e de EMRC, faço greve. Faço-a pelos meus alunos, que querem melhores condições para aprender, obras em escolas muitas vezes decrépitas e degradadas; faço-a pelos assistentes operacionais, cada vez menos e com mais trabalho e que são a razão de, tantas vezes, a escola como edifício e como comunidade humana se poder suster; faço-a pelos assistentes técnicos, assoberbados em cada vez mais trabalho burocrático, regras obsoletas e menor vencimento; faço-a pela quantidade absolutamente bárbara de grelhas, folhas e tabelas que temos de preencher e que tiram tempo à minha preparação para ser melhor professor e à minha entrega à minha família, à minha Paróquia e à minha Diocese e que, no fundo, de pouco ou nada servem; faço-a pelo poder de compra que, ano após ano, todos os profissionais da educação estão a perder; faço-a por mim e porque olho para os olhos de cada aluno meu que me diz “Professor, eu gostava de ser professor quando crescer” e afirmo, com o meu coração, “Então deixarei para ti esta profissão melhor do que a encontrei!”.
É por muito mais que por possíveis quadros intermunicipais: essa foi a gota de água que fez transbordar o copo. É, como afirmei ao princípio, pelo muito cristão conceito de justiça como “dar a cada um aquilo que lhe é devido”. E, transversalmente a tudo isto, respeito. Por nós e pelos alunos, a quem queremos dar mais e não nos deixam conseguir.
Sim: porque sou professor católico e de EMRC, faço greve!
Bruno Alexandre
Professor de EMRC no Agrupamento de Escolas Eng.º Duarte Pacheco, em Loulé, Diocese do Algarve