Tony Neves, em BuenaVista
Os Espiritanos estão a celebrar os 20 anos da sua chegada à Bolívia. Foi uma decisão tomada por ocasião do jubileu dos 300 anos da fundação desta Congregação Missionária. A presença começou frágil, como este país e, duas décadas depois, vivem ali apenas quatro Padres (idos do Brasil, Portugal, Tanzânia e Gana) e uma Leiga brasileira. Assumiram, à chegada, uma paróquia na periferia pobre de Santa Cruz de la Sierra (San Juan Bautista), mais tarde dividida, dando origem à nova Paróquia de Maria de Nazareth.
D. Sérgio Gualberti, Arcebispo de Santa Cruz, lançou em 2014 um novo desafio: assumir a Paróquia de Buenavista, a 100 kms, já em contexto rural, nascida de uma das missões históricas dos jesuítas. Ali chegados às portas do enorme Parque natural do Amboró, os Espiritanos perceberam depressa que um dos maiores desafios pastorais e sociais era o ecológico. As grandes apostas económicas de sucesso são hoje o cultivo da coca, da soja intensiva e do gado bovino. Estas três apostas de sucesso financeiro põem sérios problemas éticos ou ecológicos, colidindo com a proposta que o Papa Francisco lançou ao mundo em 2015 com o documento ‘Laudato Si’, alertando para a urgência de combate às alterações climáticas, exigindo um reforçado amor os mais pobres e a proteção da natureza. O Papa Francisco, vizinho destas terras bolivianas, lembrou ao mundo que tudo está interligado e que estamos todos na mesma barca a enfrentar a mesma tempestade: ou nos salvamos juntos ou nos afogamos todos! Por isso se pode entender o que o Cardeal Tolentino Mendonça disse, junto ao Mosteiro dos Jerónimos, no 10 de Junho de 2020. Ele chamou à ‘Laudato Si’ um dos textos centrais do século XXI e lembrou a necessidade de uma ecologia integral, onde o presente e o futuro da nossa humanidade se pense a par do presente e do futuro da grande casa comum.
Mas voltemos à Bolívia. Chegados a Buenavista, em contexto rural, os Espiritanos tentaram olhar para a sua sobrevivência e perceberam que o futuro poderia passar por um investimento agro-florestal. Foram conversando com os paroquianos e souberam que havia algumas fazendas à venda, onde se poderia cultivar. Decidiram avançar para a compra de um ‘chaco’ (assim se chama uma destas propriedades agro-florestais) de 33 hectares, situado a 33 kms da Igreja, muitos deles de terra batida, impossíveis de palmilhar, no tempo das chuvas, mesmo com jipes 4×4! Lançaram uma campanha de apoio que permitiu pagar uma parte, estando outra a ser paga aos bocados. Depois, foi preciso tomar decisões corajosas para que os missionários dessem um testemunho ecológico ao povo a quem animam. Foi neste discernimento que surgiu a ideia de avançar para o cultivo de cacau, cuja plantação exige que se mantenham árvores mais altas, uma vez que a sombra é necessária. Assim, preparado o ‘chaco’, avançou mais uma campanha: a da compra dos pés de cacau! Como resposta à defesa necessária da biodiversidade, além do cacau plantaram-se pés de café, mangueiras, abacateiros, goiabeiras, muitas árvores nativas e numerosas bananeiras, as únicas plantas de que já colhem fruto.
Tive a oportunidade de passar três dias de trabalho no chaco. O calor é insuportável e as nuvens de mosquitos ameaçam com dengues e outras doenças graves. É um trabalho duro, não só para plantar, mas para ir cortando as plantas daninhas que crescem muito e rapidamente. Não tendo, atualmente, condições financeiras para empregar ninguém, são os próprios missionários que asseguram todo o trabalho, o que diz bem da simplicidade e capacidade de luta destes ‘Espiritanos todo-terreno’, como eu lhes chamei.
Anunciar o Evangelho implica falar de Deus, celebrar os Sacramentos, dar um testemunho de vida digna, ser solidário com os mais pobres, ter um estilo de vida simples e fraterna, escutar as pessoas, construir comunidade participativa…mas também ajudar as pessoas a amar a terra, nossa casa comum, onde se joga a dignidade da vida das pessoas e o nosso futuro.
Voltarei, mais tarde, a falar dos compromissos pastorais e para fazer um balanço desta visita de 3 semanas às terras de Santa Cruz. O futuro está nublado, mas o sol anda muito por estas paragens.