Propor e transmitir a fé na sociedade actual

Carta Pastoral do Bispo de Angra O Conselho Presbiteral, no seu último Plenário, resumia assim o grande desafio pastoral de hoje: Propor e transmitir a fé na sociedade actual. À primeira vista, a formulação pode parecer não dizer nada de novo. Exprime, ao fim e ao cabo, o que é a tarefa primordial da Igreja: evangelizar. Mas, na realidade, evidencia a tomada de consciência da grande mutação cultural em acto na sociedade açoriana e a consequente exigência da Nova Evangelização, com novos métodos, novas expressões, novo ardor. Como propor o que não muda, numa sociedade que muda? Só mudando. Não o Evangelho. Mas, a actuação pastoral da Igreja, em função da sua missão evangelizadora no mundo. Não se pode evangelizar, propor e transmitir a fé, sem conhecer e procurar compreender a sociedade, em que vivemos. A evangelização será nova, na medida em que tiver em conta os destinatários. Vivemos uma época de transição, em que se vai desmoronando o regime de cristandade, no qual, se ia transmitindo a fé de geração em geração, quase por osmose. O povo cristão era instruído pela família e pela catequese infantil, pela pregação dominical e devocional. Hoje, já não se verifica essa transmissão quase espontânea da fé. Cada vez mais, se é cristão por opção e não por tradição. Urge, pois, evangelizar de novo, com a frescura e o ardor do primeiro anúncio. É preciso re-evangelizar os baptizados, que vivem à margem da Igreja, ou praticam ocasionalmente e até mesmo os que praticam regularmente, mas que tiveram uma iniciação cristã lacunosa, porque a preocupação pastoral predominante era sacramental, mais do que evangelizadora. Isto exige uma mobilização geral da Diocese, em todas as suas instâncias. Não bastam respostas pontuais. Impõem-se respostas globais e integradas. A partir de uma análise, o mais possível objectiva, da realidade circundante, para ver como podemos propor e transmitir a fé na sociedade actual. É este o vasto horizonte e o fio-condutor da programação pas¬toral diocesana dos próximos anos, incluindo também a possibilidade de convocar um Sínodo Diocesano, se e quando houver condições objectivas para tal. Em 2009, ao comemorar¬mos os 475 anos da criação da Diocese (3 de Novembro de 1534), faremos nova avaliação da caminhada pastoral, durante a Semana Diocesana. Entretanto, dentro desta perspectiva abrangente da proposta e transmissão da fé hoje, em continuidade com a caminhada anterior e, de algum modo, na linha da sugestão do recente Conselho Pastoral Diocesano, assumimos, neste ano pastoral, como ponto de referência programática, o tema do Congresso Eucarístico Internacional de Junho de 2008: A Eucaristia, dom de Deus para a vida do mundo. Eucaristia, dom de Deus, para a vida do mundo A Eucaristia é o dom de Deus por excelência. Deus amou de tal maneira o mundo, que lhe deu o Seu Filho Unigénito (Jo 3, 16). E continua a dá-Lo na Eucaristia, para que todos tenham a vida com abundância. «O Pão que Eu hei-de dar é a minha carne, que Eu darei pela vida do mundo (Jo 6, 51). Com estas palavras, o Senhor revela o verdadeiro significado do dom da Sua vida… Cada celebração eucarística actualiza sacramentalmente a doação que Jesus fez da Sua vida, na cruz, por nós e pelo mundo inteiro. Ao mesmo tempo, na Eucaristia, Jesus faz de nós testemunhas da compaixão de Deus por cada irmão e irmã; nasce assim, à volta do mistério eucarístico, o serviço da caridade para com o próximo» (Bento XVI, Sacramentum Caritatis, 88). A Eucaristia «faz» a Igreja e «modela» a sua vida e missão. A “mística” do Mistério Eucarístico tem carácter social. «A despedida, no final de cada Missa, constitui um mandato, que impele o cristão para o dever de propagação do Evangelho e de animação cristã da sociedade. Para tal missão, a Eucaristia oferece, não apenas a força interior, mas também, em determinado sentido, o projecto. Na realidade, aquela é um modo de ser, que passa de Jesus para o cristão e, através do seu testemunho, tende a irradiar-se na sociedade e na cultura» (João Paulo II, Mane Nobiscum Domine, 24-25). Assim, encarnar o projecto eucarístico na vida quotidiana consiste em ser, com Cristo e como Cristo, pão partido e repartido ao serviço dos irmãos. É a «coerência eucarística», de que fala Bento XVI e que implica compromisso social por um mundo mais justo e fraterno. É por aqui que passa a autentici¬dade das nossas celebrações eucarísticas. «A espiritualidade eucarística não é apenas participação na Missa e devoção ao Santíssimo Sacramento, mas abraça a vida inteira» (Sínodo do Bispos, 2005, Propositio 39). João Paulo II resumia assim os objectivos da Nova Evangelização: «A instauração da civilização do amor e da solidariedade no mundo». De facto, o Evangelho de Jesus é uma proposta positiva de vida. Por isso, não há transmissão de fé, sem integrar a vertente evangelizadora e sacramental, com a vertente social. Não pode haver proposta da fé, sem acolhi¬mento das pessoas e interesse solidário pelos seus problemas e situações de vida, isto é, sem o testemunho da fé, que se toma operativa pela caridade (cf. Gal 5, 6), no sentido cristão e abrangente do termo. «Que fizeste do teu irmão»? Pergunta tão antiga, como actual. Como antiga e actual é a pergunta, que antecede a elucidativa Parábola do Bom Samaritano, que o Conselho Pastoral Diocesano pôs em evidência: Quem é o meu próximo? Ou dito de outra forma: de quem é que a Igreja, hoje, é «próxima», deve «fazer-se próxima»? A Paróquia não é propriamente uma agência burocrática de serviços religiosos. É, deve ser uma comunidade de vida pela vida do mundo. Não basta a presença material no território. Tem de ser uma presença cristã, comprometida e solidária com as pessoas, na sua luta pela vida. É preciso ser «próximo» e estar presente nos ambientes de vida. Não apenas, a nível individu¬al, mas de forma organizada e comunitária. Aqui se insere a acção sócio – caritativa da Igreja, inseparável da acção evangelizadora e sacramental, como opus proprium, com o seu perfil específico e não apenas como mera suplência do Estado. A Eucaristia «cria comunhão e educa para a comunhão» A Eucaristia «cria comunhão e educa para a comunhão». Uma vez que há um só pão, nós, embora sendo muitos, formamos um só corpo, porque todos participamos do mesmo pão (1 Cor 1 O, 17). A Eucaristia «faz» a Igreja, mormente como Mistério de Comunhão. Comunhão invisível e espiritual, pela presença e acção do Espírito Santo. Comunhão visível e hierárquica, na integridade da doutrina dos Apóstolos e através de estruturas de participação activa e responsável dos fiéis cristãos, como sejam os Conselhos Pastorais. Como expressão da Igreja – Comunhão e em vista de um maior envolvimento dos fiéis cristãos na vida e na missão da Igreja, tanto o Conselho Presbiteral, como o Conselho Pastoral Diocesano e bem assim a Conferência Anual de Ouvidores recomendaram a reactivação dos Conselhos Pastorais, a todos os níveis: constituindo-os onde não existem e renovando os que funcionam. O seu cabal funcionamento é pressuposto indispensável da eventual convocação de um Sínodo Diocesano. É preciso aprender a «caminhar juntos» (syn-odós): analisar juntos a realidade, discernir juntos as prioridades pastorais, programar juntos e agir juntos. Os Conselhos Pastorais são a «sinodalidade» da Igreja em acto, que tem a sua máxima expressão no Sínodo Diocesano. Os Conselhos Pastorais são, pois, chamados a conhecer melhor a realidade humana e social, em que estão inseridas as comunidades cristãs e a discernir a qualidade cristã da presença da Igreja no mundo, à luz da Palavra de Deus e da Doutrina Social da Igreja, com vista a uma presença mais visível e crível da Igreja no tecido social, para além das celebrações litúrgicas e das manifestações da religiosidade popular. Isso requer iniciativas apropriadas de formação cristã para os fiéis em geral e para os agentes pastorais em particular. Com efeito, não há Nova Evangelização, sem uma adequada Catequese de Adultos, com base bíblica e de inspiração catecumenal, isto é, como verdadeira educação da fé para uma vida cristã no mundo. Inseridos no mundo – na vida familiar e profissional, na vida social e cultural, na vida política e civil- os leigos são a presença da Igreja na sociedade e trazem para a Igreja os problemas dos homens e mulheres do nosso tempo. Jogam, pois, um pa¬pel determinante no conhecimento da realidade e na definição e execução das prioridades pastorais. Não podem ser meros espectadores ou simples colaboradores, por mera boa vonta¬de, mas participantes activos e corresponsáveis da missão, por direito próprio. Nesse sentido, para além da imperiosa necessidade de reactivar as estruturas de participação dos fiéis leigos, importa igualmente apostar nos Movimentos Eclesiais, que se revelam, na Igreja de hoje, como forças vivas de formação e empenhamento cristãos. São sinal da presença abençoada e eficaz do Espírito Santo, para uma Igreja renovada e com¬prometida com o mundo. A Igreja não existe para si. Existe para evangelizar. Não pretende competir com ninguém. Apenas servir a humanidade. Para que tenha vida com abundância. + António, Bispo de Angra

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