Em dia de Natal digiro-me a todos os açorianos, em cada umas das ilhas e na diáspora, bem como a todos os presentes e residentes no arquipélago, sobretudo aos que por via da imigração fazem crescer os Açores.
Quando dizemos Natal na verdade falta-nos dizer de quem. Não temos dúvidas que nos referimos, na nossa tradição religiosa e cultural, à pessoa de Jesus e n’Ele ao mistério da encarnação do Verbo de Deus. Retirar Jesus do centro, como está no presépio, é decapitar, descentrar, esvaziar aquilo a que vulgarmente chamamos Natal.
Respeitando o ritmo das estações do ano, o solstício de inverno assinala o início da grande elevação da luz solar, antes humilhada na obscuridade invernal. Felizmente evoluímos da antiga festa pagã do deus Sol, para a festa do Sol Nascente que é Jesus. «Mas para nós existe uma primavera celeste, é o Cristo que surge como um sol do ventre da Virgem», seguindo S. João Crisóstomo
Em vésperas da entrada de um novo bispo para a diocese açoriana, dirijomo às crianças para quem o Natal tem um encanto especial por se reverem no Menino, na sua simplicidade, bondade e beleza.
Saúdo os jovens e os estudantes que continuam a sonhar como os Magos a amar, a construir uma família e a poder trabalhar sem perseguições nem exílios, convidando-os a participarem nas grandes jornadas da juventude, em agosto de 2023, com jovens de todas as nações. Será um verdeiro Mundial de verão em Lisboa onde, «sem vencedores nem vencidos», em que todos vamos ganhar.
Saúdo as famílias e os trabalhadores como Maria, José e o Menino, sem qualquer forma de discriminação, onde todos cabem, e convido-os a que se inspirem nas lições do presépio, com Deus ao centro, a que se escutem, amem, cuidem e trabalhem em ordem ao desenvolvimento do Reino de Deus.
Saúdo os idosos que, como Ana e Semião, garantes do testemunho da tradição e da sabedoria, com amor e firmeza, são fonte e canal de uma riqueza inestimável que nos faz crescer.
Saúdo os doentes e os presos que partilham a experiência da fragilidade e do barro, do presépio e da cruz do calvário, pondo o seu olhar e esperança em Jesus, em quem a dor e o mal não têm a última palavra.
O evangelho dá-nos uma grande alegria: «Hoje nasceu para nós o Salvador». «Por isso, quero gritar, de porta em porta, a mentira das noites sem estrelas», e fazer notar uma luminosa constelação de três estrelas ou tríptico onde cada uma tem o seu nome: a graça, a ternura e a fraternidade.
A graça é o rosto de Deus que sorri à Humanidade, os seus braços que se abrem e alargam, as suas mãos que agarram quem está prestes a afundar-se na lama do mal, do pecado, da dor. A graça divina é salvação da escravidão mais antiga da culpa; é um rasgão no gelo dos corações endurecidos pela indiferença, é a irrupção libertadora nos dramas insolúveis da História. Natal é graça, levando-nos ao paradigma da dádiva, em que nos sentimos abençoados pela simples dádiva da existência, da nossa e do outro.
A segunda estrela é a ternura, irmã da misericórdia, da compaixão, da piedade, da empatia, da bondade, da delicadeza. O Papa Francisco fala com frequência da «revolução da ternura» como uma transformação radical da nossa forma de observar a realidade e de agir no mundo, revolução que tem o coração como epicentro, em sentido contrário à revolução auspiciada pelas armas, baseada no ódio, no rancor e na vingança.
A terceira estrela, que no céu está próxima das outras duas, chama-se fraternidade, levando-nos a alongar, dando origem à possibilidade de abraçar e de unir, do alargar universal da mente, do coração e da alma dos cristãos, de forma a alcançarmos a variedade multicolor das etnias, das línguas, das culturas, das idades, de uma Humanidade múltipla que é, todavia, filha do único Adão-Homem, que nasceu das mãos do único Pai – Criador e tem salvação no único Cristo – Senhor.
Sobre todos invoco a bênção de Deus que anunciou aos pastores a grande alegria do nascimento do Salvador; que Ele derrame em vossos corações a sua alegria e vos conceda o dom da sua paz e do seu amor. Boas festas!
Hélder, Administrador Diocesano de Angra