Em entrevista à Sala de Imprensa do Santuário de Fátima, José Jacinto Ferreira de Farias, presidente da Comissão Científica do Congresso agendado para Outubro próximo, explica como foi pensada esta iniciativa internacional do Santuário de Fátima, inserida no contexto geral de outras realizações de estudo e reflexão que vêm sendo levadas a cabo desde Fevereiro de 2006, ocasião da abertura da celebração dos 90 Anos das Aparições. Como aceitou o convite do Santuário para integrar a Comissão Cientifica do Congresso ”Fátima para o Século XXI”, para a qualidade de presidente da Comissão Cientifica? Com a atitude de disponibilidade para servir o Santuário não só como espaço sagrado onde milhões de peregrinos acorrem atraídos pelo mistério que lá se respira, mas também como instituição ao serviço da mensagem e da espiritualidade, cujas consequências e aplicações pastorais estão ainda muito longe de ser totalmente exploradas. Que desafio representa a realização de um congresso deste âmbito? O desafio de ser um momento importantíssimo de fazer o ponto de situação sobre o caminho até agora percorrido ao longo destes 90 anos desde as aparições, marcados pelo grande milagre de Fátima, isto é, a adesão das multidões de peregrinos sempre em maior número, mas também pelas visitas papais, pela beatificação de Francisco e de Jacinta, e pelos vários congressos até agora realizados, que oferecem ao fenómeno de Fátima a credibilidade sustentada pela reflexão crítica e científica; mas também para projectar Fátima para a década que se segue, em preparação do centenário das aparições, que cobre também o centenário da implantação da República, evento que evoca um dos períodos da história mais agressivos e violentos contra a Igreja. Tudo faz com que na próxima década seja necessário despertar os cristãos que acreditam no mistério de Fátima para os enormes desafios que são colocados à Igreja, que deve estar vigilante, porque os tempos que vivemos e os que se aproximam não são de modo nenhum fáceis. Poderá explicar como foi pensada a estrutura do congresso em termos de programa de conferências? O Congresso foi pensado precisamente, no seguimento do que acaba de dizer-se, como um repensar Fátima, retomando, de algum modo, o que foi o grande e notável esforço do Congresso de 1997, que assinalou os oitenta anos das aparições. Então, foi feito um esforço de leitura interdisciplinar das fontes disponíveis – as memórias de Lúcia e a documentação crítica publicada – no sentido de verificar criticamente, com a utilização da ciência histórica e da crítica literária, mas também da filosofia e da teologia, a credibilidade do testemunho. Os resultados desse memorável Congresso estão disponíveis, e será importante serem revisitados no futuro, sobretudo na próxima década, de enorme transcendência para a Igreja em Portugal. Este Congresso, quase em forma de síntese, retoma o mesmo percurso, mas agora numa perspectiva de futuro, ou seja, de relançar a mensagem e o mistério de Fátima para a década que antecede o Centenário. Este poderá vir a ser o maior congresso alguma vez realizado sobre a temática “Fátima”. O que poderá trazer de novo? Em termos de síntese, com certeza que será, na medida em que toca na verdade os aspectos nucleares dos acontecimentos que decorreram nos meses das aparições de 1916-1917, depois da beatificação dos Pastorinhos e da revelação da terceira parte do segredo, aspectos que não foram pelo menos expressamente considerados nos Congressos de 2001 e de 2003. No Congresso de 1997 naturalmente que sobre este tema apenas se podia conjecturar. Por isso mesmo, poderá esperar-se que este seja de facto um Congresso de grande dimensão, tendo em conta sobretudo a adesão que se espera. Concretamente a propósito da sua apresentação, na manhã do dia 12 de Outubro, em termos gerais, como está a preparar e do que falará na conferência: “O sofrimento e as intervenções de Deus na História”? Devo confessar que será uma das mais difíceis comunicações que até agora aceitei, dada a profundidade do tema e a sua delicadeza, pois que se trata de mostrar que aquilo que é paradoxal e que por muitos apresentado como escândalo e como problema de teodiceia, é o lugar próprio da manifestação de Deus na história da revelação e na experiência religiosa e espiritual do homem, isto é, o sofrimento. Mas aqui, e tomando como ponto de partida a terceira parte do segredo, procurarei meditar sobre este tema, por um lado, perturbador, mas por outro fascinante, que é o sofrimento por causa da fé, ou seja, a experiência do martírio e do segredo da força dos mártires, o que faz a diferença entre uma concepção idealista ou ideológica do cristianismo e uma visão do cristianismo como testemunho de vida e como fé, que é essa a lição que colhemos dos Pastorinhos, que foram a seu modo verdadeiramente mártires. Então se a visão profética do segredo evocava antecipadamente as perseguições à Igreja ao longo do séc XX, o grande século do martírio, então a época contemporânea, que testemunhou tão grande heroísmo por causa da fé, deve ser uma das mais fecundas da história, mesmo se o que se ouve com mais força é o alarido da descrença, do laicismo agnóstico ou ateu. Neste sentido a luz que vem de Fátima é sem dúvida de juízo, mas também de esperança para quem acreditar e se dispuser a acolher o convite à Penitência que dali nos vem. O que deseja para este Congresso? Que ele seja um momento forte de discernimento e sobretudo de vivência do mistério que ali teve lugar e que nos atrai a todos como peregrinos da verdade e do amor, peregrinos da esperança, no acolhimento daquela palavra tão importante que Lúcia regista nas suas Memórias: Ides, pois, ter muito que sofrer, mas a graça de Deus será o vosso conforto (Mem II, 66). E ainda: Não desanimes. Eu nunca te deixarei. O meu Coração Imaculado será o teu refúgio e o caminho que te conduzirá a Deus (Mem II, 67). Não há dúvida que no clima de esmorecimento e de desânimo que a muitos títulos se respira em Portugal e no Mundo, o tomar a sério estas palavras e a mensagem de Fátima na sua totalidade, por todos os peregrinos do Santuário – entre os quais eu próprio e todos os congressistas desejam encontrar-se – eis o que espero do Congresso, como momento de paragem e de transição para a próxima década que nos espera. Membro da Congregação dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos), o Padre Jacinto Farias foi ordenado sacerdote em Fátima, no dia 4 de Junho de 1978. Além da docência, foi Secretário da Faculdade de Teologia de 1991 a 1996, Director da Revista Didaskalia de 1997-2005. Tem orientado várias dissertações de Licenciatura, Mestrado e Doutoramento e colaborado com várias revistas de especialidade, na Enciclopédia Verbo, na qual redigiu várias entradas, no Projecto Vieira; participado em colóquios e congressos internacionais, com especial destaque para os últimos congressos de Fátima, de que tem sido Presidente da Comissão Científica. LeopolDina Simões