Há nove anos atrás, vivia-se o rescaldo do referendo ao aborto. Algumas associações festejavam em 1998 a vitória do Não. O contexto alterou-se. O Sim ganhou o último referendo sobre o aborto, em Fevereiro, mas nem por isso as razões que levaram há nove anos à congregação de esforços, perderam força. Isso mesmo nos dá conta Isabel Pedro, da Associação Juntos pela Vida, que ontem, na noite de 28 de Junho, organizou a primeira «Noite do Não». Esta é uma data particular, pois “quisemos relembrar todo o trabalho que temos realizado até aqui”, independentemente da nova conjectura legislativa. “Continuamos a defender a vida e a acreditar na nossa acção”, afirma. A lei que foi agora regulamentada é “anti constitucional, pois não respeita a maioria vinculativa para que o resultado de um referendo possa ser legislado”, aponta. Este argumento serviu mesmo de base para que 30 deputados do PS, PSD e CDS entregassem, ontem, um pedido, no Tribunal Constitucional, de fiscalização sucessiva da lei do aborto e da regulamentação produzida pelo Governo e publicada no passado dia 21 de Junho. “Não há nada mais importante do que defender a vida”, garante Isabel Pedro. Nesse sentido, o trabalho que pretendem desenvolver não pára. “Não parou há nove anos atrás e com certeza não vai parar agora”. A associação centra-se num trabalho “mais teórico”, sendo chamado para conferências, “manifesta publicamente as suas posições”. Depois há também um trabalho desenvolvido com as outras associações desta área, “não trabalhamos directamente com as mães e crianças, mas funcionamos como ponto de ligação”, marcando presença em várias iniciativas e organizando também reflexões. A «Noite do Não» foi precisamente esse espaço de reflexão que contou com a presença de Isilda Pegado, Presidente da Federação Portuguesa pela Vida também de Gentil Martins, médico pediatra. Questionamentos sobre a legislação a entrar em vigor a 21 de Julho, “que nos levanta muitas dúvidas”, sobre a sua aplicação e sobre a “objecção de consciência”. Isabel Pedro sublinha que, “mesmo durante a campanha, os defensores do Sim afirmavam-se contra o aborto, posição não reiterada na nova lei, que claramente promove o aborto”. As «Noites do Não» prometem continuar. “Mesmo com outras temáticas que, não sendo o aborto, se relacionam com a defesa da vida”, garante Isabel Pedro, apesar de ainda não terem datas marcadas. O Bispo Emérito de Aveiro caracteriza a nova legislação de “um molho de equívocos e de contradições e mesmo de injustiças que já não deixam ninguém surpreendido”. D. António Marcelino, num documento enviado à Agência ECCLESIA, afirma que a democracia apoiada em maiorias, “se esquece que servir o conjunto nacional”, que não é o mesmo que responder a problemas individuais ou a pequenos grupos de cidadãos, lembrando “que não podem subverter o conjunto nacional, nem esquecer valores fundamentais a respeitar, promover e defender”. “As mulheres que desejam e querem abortar passam à frente de tudo e de todos, nos direitos legais da segurança social e da saúde e nas soluções rápidas e gratuitas para o seu problema. Dispõem mesmo de privilégios e atenções que se negam às mulheres deste país que querem ter filhos. O aborto parece ser a grande prioridade do Ministério da Saúde e dos políticos que mandam no país”, aponta D. António Marcelino. O Bispo Emérito de Aveiro lembra que a nova legislação nega o direito de informação, “que é permitir que vejam a ecografia do filho que trazem no seio, afim de clarificarem, até ao último momento, a sua decisão”. Mas “a incapacidade política não investe na procura de soluções eficazes e dignificantes”, onde a vida “não esteja à mercê de poderes públicos inquinados, de vontades que querem prazer sem responsabilidade, de interesses partidários, e, muito menos, de necessidades sociais sem resposta e de informação séria que nunca chegou”. “Quase só a Igreja tem instituições em acção e iniciativas em curso, que visam uma protecção realista à procriação, às mães solteiras, às esposas espancadas, às grávidas tentadas a abortar”, sublinhando não ter conhecimento destas iniciativas por parte de grupos e partidos que lutaram pelo “sim” e agora controlam a regulamentação da lei. “A protecção ao aborto, que é o que está acontecer, não tem qualquer sentido num país em que a natalidade desce vertiginosamente e o deserto demográfico alastra”, finaliza o Bispo Emérito.