“Os doentes crónicos, incuráveis e mentais vão ser abandonados pelo Serviço Nacional de Saúde, porque o Estado não tem sensibilidade nem sabe resolver estes casos”, afirmou Daniel Serrão que, por isso, fez um apelo à compaixão e ao afecto da sociedade civil. Daniel Serrão foi o primeiro convidado para o ciclo de conferências “Condição de doente, condição de idoso”, uma iniciativa, da paróquia de Carregosa e da Comissão de Assistência Social de Carregosa, integrada nos 25 anos de actividade desta instituição. Este professor jubilado da Faculdade de Medicina do Porto abordou o tema “O adoecer humano”, considerando que ele “faz parte do nosso estar no mundo e da forma como nos relacionamos com ele. Só adoeço, prosseguiu, quando declarar que estou doente e estou-o ainda quando não estou em equilíbrio comigo e com o mundo exterior”. Assim, de acordo com Daniel Serrão, “estar doente tem duas componentes: uma biológica e outra de leitura e interpretação pessoal. A pessoa adoece quando a leitura perturbada do seu eu a leva a procurar ajuda”. Depois de caracterizar a Medicina, “que durante muito tempo era a busca do cuidado do outro” e hoje “mudou muito, é uma disciplina com um importante fundamento científico”, o orador abordou a relação estabelecida entre o médico e o doente ao longo dos tempos. “Antigamente a relação do médico com a pessoa doente era de confiança, enquanto hoje é de pura técnica e de muita exigência. Porque assim é, hoje nenhum médico pode avançar com um tratamento sem explicar ao doente o que vai fazer de modo a obter o seu consentimento”. Apesar desta mudança, Daniel Serrão fez notar que “continua a haver uma relação de confiança, quando o doente vê no médico um ser humano virtuoso. Por isso, os médicos devem ser modelos de virtudes humanas”, tanto mais que “a realização do bem é característica do ser humano virtuoso”. A abertura de clínicas médicas por parte de profissionais de saúde levou o orador a defender que “o médico não deve ser ao mesmo tempo médico e comerciante prestador de serviços. A medicina tornou-se um negócio, mas não pode ser suspeita de que a sua natureza está inquinada por factores de natureza económica”. A abordagem do Serviço Nacional de Saúde (SNS) foi o passo seguinte. Suportado pelos impostos dos cidadãos, o SNS devia ser “geral, universal e gratuito. Apontado como um grande acto de justiça social e de equidade, acaba por não o ser, porque as pessoas que têm dinheiro não vão aos hospitais públicos. É por isso que o negócio da medicina privada tem vindo a aumentar”, explicou. A questão dos idosos com alguma ou muita dependência, dos doentes incuráveis e dos que não são aceites nos hospitais a não ser por abandono, porque entendem que não há nada a fazer, levou o orador a apelar ao voluntariado. “Os doentes terminais precisam de viver bem e de acompanhamento. Há, pois, espaço para organizações nascidas do voluntarismo, da paixão e da compaixão para tomarem conta destes casos. Por muito inferiorizadas que sejam, estas pessoas têm a mesma dignidade, devem suscitar a mesma compaixão e o afecto que todos devemos ter uns pelos outros, doentes ou sãos”. E acrescentou: “Muita coisa se pode fazer pelos outros e que não custa muito dinheiro, mas na medida dos recursos disponíveis. O ponto principal é que haja vontade de ajudar e amor pelo outro, de modo que a pessoa se sinta bem, feliz”. “Não critico o ministro da Saúde pelo que tem feito, porque é indispensável no plano financeiro, mas porque não explica o que faz”, asseverou Daniel Serrão. Este fez notar que, se em 1940, 4% do Produto Interno Bruto era encaminhado para os tratamentos, hoje essa percentagem ultrapassa os 10%, tecto máximo aceitável para a economia de um país. Por outro lado, o Professor defendeu que o caminho mais prático passa pela educação para a saúde, a começar na família e na escola primária. Se a morte é inevitável, é um dever biológico, o Estado deve gastar dinheiro na prevenção da doença e na protecção da saúde. Porém, como os resultados só se verão daí por 60 ou 70 anos, politicamente não tem interesse algum”. Há muito a fazer Depois de escutar o orador convidado, o padre Artur Pinto concluiu que “não há medicina possível sem economia estável”. Assim sendo, para o pároco de Carregosa “há muito a fazer no campo da gratuidade na caridade. Antes de reclamarmos, cabe-nos agir, porque o melhor que podemos dar a alguém é o tempo a nossa vida”. O doente deu conta das visitas aos doentes que a paróquia promove junto das crianças da catequese e catequistas. “As crianças e as catequistas trazem vida. É isto que precisamos de aprender a fazer, criando, mais do que nunca, esta sensibilidade”. O padre Artur Pinto admite que “o Estado vai reduzir-se ao essencial, pelo que nós, cristãos, temos de fazer a nossa obrigação, estando junto de quem precisa, escutando-o e apoiando-o. A Comissão de Assistência Social tem feito esse trabalho que é de todos e para todos para, num mundo em que a economia manda, dizermos-lhe que há muito mais do que isso”. Por seu turno, o presidente da Câmara assumiu que “em Oliveira de Azeméis há uma prática de preocupação com os outros. Há gente a dar-se totalmente à causa do outro, a trabalhar em lares e centros de dia e como a Comissão de Assistência Social de Carregosa. Ainda vamos fazer mais, porque é gente com vontade de ajudar e com capacidade de doação muito grande”. O ciclo de conferências prossegue já no sábado, 16 de Junho, pelas 21h, no auditório da Junta de Freguesia, com testemunhos de pessoas doentes. No dia 22 será a vez do Cónego Jorge Cunha, que dissertará sobre a condição do idoso. António Rebelo