Só o Amor guarda a cidade

Homilia do Bispo de Leiria-Fátima no Dia da Cidade de Leiria É para mim motivo de grande e íntima alegria estar aqui convosco a presidir à Eucaristia, neste dia comemorativo da fundação da Igreja diocesana e da cidade de Leiria (462 anos ab urbe condita, como diriam os romanos). Com esta alegria saúdo a todos muito fraternalmente. Celebramos esta data no contexto do Ano Europeu para a igualdade de oportunidades para todos, no respeito da dignidade de cada pessoa humana para além das suas diferenças. Saúdo também cordialmente os representantes das associações empenhadas nesta nobre causa. Este é um momento de reflexão que nos convida a meditar com um olhar novo, um olhar espiritual, quer a Igreja quer a cidade, à luz da palavra de Deus que acabamos de escutar. 1. A Igreja “casa e escola de Amor” na cidade dos homens O evangelho de hoje pertence ao colóquio íntimo de Jesus com os discípulos na hora da despedida antes da paixão, e por isso com sabor a testamento. Jesus responde à preocupação dos discípulos que ficam no mundo: que vai ser de nós? Qual o nosso futuro? O texto do evangelho revela o que constitui o núcleo mais profundo da existência cristã e da Igreja no mundo, na cidade dos homens: “Pai Santo, guarda-os no Teu nome, o nome que me deste, para que sejam um comos Nós… Eu dei-lhes a glória (o esplendor do amor) que Tu me deste para que sejam um como Nós somos um”. O Nome de Deus é Amor. O sentido das palavras de Jesus é pois: “guarda-os no mistério íntimo do Teu amor, na comunhão e na imensidade do Teu amor eterno e santo para que vivam unidos nele e por ele”. A Igreja dos discípulos é convidada a olhar-se a partir do mistério da sua origem como comunidade do amor, “casa e escola do amor”: daquele amor do Pai que quer fazer da humanidade uma única família, unida por um vínculo que vai para além dos laços da carne e do sangue e dos interesses individuais ou de parte. Toda a actividade da Igreja é manifestação dum Amor de origem divina que procura o bem integral do homem: através do anúncio do evangelho e através da promoção da pessoa nos vários âmbitos da vida e da actividade humana, para uma vida digna e condigna de cada homem e mulher, criados à imagem de Deus. Numa sociedade ferida e chagada por tantas formas de egoísmo, individualismo, indiferença, exclusão, invejas, divisões, violências e conflitos, a única revolução plenamente legítima e absolutamente necessária é a revolução do amor: a que transforma as relações entre as pessoas e as vivifica no amor. Nada pode mudar tanto o mundo como a renovação das relações entre as pessoas no amor. Eis a razão do segundo ponto da nossa meditação: “só o amor guarda a cidade”. 2. Só o Amor guarda a cidade Num tempo de espalhada indiferença e de cultivada apatia e desafeição para com os problemas da cidade, por parte de muitos cidadãos, fruto do individualismo reinante, o amor de Cristo urge-nos, impele-nos a amar cada vez mais a nossa cidade. Porque “uma cidade é muito mais que um território, uma área económica produtiva, uma realidade política. É, sobretudo, uma comunidade de pessoas e, em particular, de famílias com os seus filhos e os seus problemas humanos. É uma experiência humana viva, historicamente enraizada e culturalmente distinta” (João Paulo II). É por isso que afirmamos: só o Amor guarda a cidade! Este amor não é algo de superficial e simplesmente emotivo, fruto porventura de um bairrismo provinciano. É algo de profundo e verdadeiramente empenhativo. É um sentir íntimo do coração que se manifesta e concretiza no pensar com inteligência, no agir com determinação e dedicação e mesmo no rezar com paixão e compaixão pelo bem comum da cidade. Nesta perspectiva o amor à cidade é o segredo e a própria alma da nossa responsabilidade para com ela; é a raiz viva que inspira a coragem da participação de todos no seu desenvolvimento, que não se reduz ao mero crescimento económico. Naturalmente, para que sejam respeitados os direitos e cumpridos os deveres dos cidadãos (membros da cidade) são necessárias as leis e é indispensável a justiça. Mas quer as leis quer a justiça não bastam; pedem um suplemento de alma que só o amor pode assegurar. Se no desenvolvimento da cidade está o bem comum (de todos e cada um), só o amor – que por natureza se abre indistintamente a todos – pode tornar-se serviço desinteressado e generoso (acima dos interesses de parte) por toda a comunidade citadina, em particular pelos mais necessitados, esquecidos, marginalizados, abandonados à sua sorte, que não conseguem fazer ouvir a sua voz nem alcançar a sua vez. O que vale para cada família, vale também para a grande família da cidade: o amor é fonte de comunhão, energia de colaboração, força geradora e motriz duma cultura de solidariedade – realidades que são essenciais para uma convivência fraterna, construtiva e inclusiva. O amor é fonte de sabedoria, que vê mais fundo e mais longe, e de coragem incansável, elementos fundamentais para pensar, programar e realizar o futuro cada vez mais humano da cidade. 3. A bênção do Senhor para a cidade Como Jesus amou Jerusalém, a sua cidade – até chorar por ela – assim por intercessão de Nossa Senhora da Encarnação, padroeira da cidade de Leiria, seja-nos concedido amar sempre mais a nossa cidade e prestar-lhe o nosso melhor contributo para o seu desenvolvimento integral e para o seu amanhã mais belo e solidário. Para nós cristãos, o caminho para uma cidade mais bela, isto é, mais unida, mais verdadeira, mais fraterna e solidária, passa por Jesus Cristo e o seu evangelho, como fonte perene de vida verdadeira e de um novo humanismo. Como diz o salmista: “Se o Senhor não guarda a cidade, em vão vigiam as sentinelas”(Sl 127,1). Uma palavra particular para os autarcas, mas também extensiva a todos os que têm responsabilidades na cidade: considerai o vosso mandato como uma oportunidade preciosa para fazer o bem e melhorar realmente o mundo em que vivemos e nos foi confiado. Fazei bem o bem que fazeis! Que o Senhor vos ilumine e apoie os vossos esforços! Sobre todos vós e as vossas iniciativas a favor de uma cidade mais humana, como também sobre as vossas famílias e os vossos colaboradores, sobre toda a cidade invoco as mais abundantes bênçãos de Deus. Ámen! † António Marto, Bispo de Leiria-Fátima

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