A televisão e a educação das crianças

Escola e família podem aproveitar as potencialidades deste meio, sem delegar responsabilidades próprias É actualmente indiscutível a importância que a televisão, assim como outros ecrãs, assume nas vidas das crianças, condicionando e marcando os seus quotidianos, as suas vivências e a forma como percepcionam, entendem e representam o mundo. Mais discutível é, no entanto, a forma como os mais novos se apropriam daquilo que vêem e retiram do ecrã, como usam essa informação e como os conteúdos mediáticos influenciam os seus modos de ser, de estar e de pensar, as suas atitudes e comportamentos. Uma coisa parece certa: a televisão tem influência na vida das crianças e a sua positividade ou negatividade tem de ser avaliada tomando em consideração um conjunto de factores, como sejam, as condições de recepção, a idade, o sexo, o desenvolvimento sócio-cognitivo, o nível sócio-cultural das famílias, etc. Desde muito pequenas, as crianças evocam as suas experiências como telespectadoras e recorrem a conhecimentos e informações em boa parte atribuíveis à televisão. Quando as ruas e as avenidas em que vivemos são, muitas vezes, espaços inabitáveis e perigosos para as crianças; quando elas têm de ficar em casa a tomar conta e a cuidar dos irmãos mais novos, a realizar tarefas domésticas ou, simplesmente, à espera que os pais regressem do trabalho; quando as comunidades locais não oferecem espaços e tempo de lazer, a televisão é, para muitas, uma ponte de comunicação com o mundo ao qual acedem através do pequeno ecrã. Muitos quotidianos infantis são habitados pela exclusividade do pequeno ecrã, embora, muitas vezes, esta situação resulte de vazios sociais em termos de oferta de actividades e da privação de oportunidades. Ora, será a pensar em todas as crianças, mas em particular nas que estão privadas, por vários motivos, de acesso a actividades lúdicas e culturais e que têm apenas a televisão como horizonte, que é importante existir, por parte dos programadores, uma preocupação grande em oferecer a esta audiência especial uma programação de qualidade, diversificada em termos de conteúdos, formatos e géneros. Uma programação que aposte em programas que façam a mediação do mundo, que apresentem e expliquem diferentes realidades e que permitam a aprendizagem e o divertimento. É claro que esta tarefa de mediação cabe também à família, às instituições educativas e à própria igreja. Compete a estas instituições mediar o mundo às crianças, o que elas experienciam directa e presencialmente e aquele que lhes chega mediatizado. Julgo que é através deste processo de mediação que podemos tirar melhor partido da televisão para a educação e aprendizagem das crianças, para o desenvolvimento de valores positivos que orientem o crescimento saudável das crianças, como sejam, a atenção e o respeito pelo outro e pelo mundo, a valorização de si próprio, a consideração da diferença, a tolerância, a promoção de uma cultura da paz, entre outros. Se a criança não for entregue ao televisor, como muitas vezes acontece, se os pais não delegarem na televisão, e em outros media, o papel de educação dos seus filhos, se houver uma efectiva preocupação por acompanhar, conhecer e explicar os conteúdos televisivos e de regular o que se vê, quando e quanto, de (re)agir face à falta de qualidade de muitas programações e de muitos programas, será possível ajudar as crianças a construírem uma relação mais criteriosa com o(s) ecrã(s). Parece-me que não há lugar, hoje, para uma visão apocalíptica que culpa a televisão de todos os males, nem para uma atitude idealizadora que os aceita sem os questionar. Nem a indiferença e a incompreensão, nem a veneração total. O importante é ajudar as crianças a desenvolverem atitudes críticas, ensinar-lhes a questionar o que vêem e ouvem para que aprendam a serem selectivas nas suas práticas televisivas. O importante é dar-lhes oportunidades para partilharem os seus pontos de vista, para os confrontarem com os dos outros, para partilharem sentimentos e ideias, para comunicarem uma experiência que as gratifica emocional, social e afectiva-mente, e para esclarecerem dúvidas que o seu conhecimento ainda não permita compreender. Por último, o importante é estar consciente que (felizmente) é principalmente à família e à escola a quem a educação das crianças compete e que a televisão pode ser usada por ambas nessa importante tarefa. O que não retira à TV o papel que exerce nessa educação nem exclui a necessidade e a importância de programas educativos dirigidos especificamente ao público infantil. Sara Pereira, Universidade do Minho

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