Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário), Blog & Autor
Comunhão é uma palavra-chave no caminho sinodal. Não se reduz ao acto de receber Jesus na missa, mas é a própria vida de Deus. Um Deus-Trindade que é unidade na diversidade e diversidade na unidade. Porém, como diz o jesuíta Ladislas Orsy no seu livro de 2009 (Receiving the Council) onde faz uma análise da recepção do Concílio Vaticano II, os primeiros passos para construir a communio devem ser dados na nossa imaginação. Mas estarão as pessoas que pretendem fazer juntas este caminho sinodal dispostas a imaginar? A imaginar o quê?
Um dos objectivos do caminho sinodal é renovar o nosso olhar e prática sobre o modo de ser da Igreja. E como diz Orsy — «os modos e meios de uma forma renovada de vida devem ser criados pelas próprias comunidades. Esse potencial está contido no carisma original, que deve ser a fonte de água viva e não um conjunto de regras cravadas numa rocha sem vida. (…) A generosidade criativa do Espírito está sempre presente. O excessivo apego aos modos e meios do passado remoto é uma apostasia mortal para o presente que dá vida.» Nesta “generosidade criativa do Espírito” a força transformativa do caminho sinodal.
Algumas das experiências difíceis que vivemos em Igreja são as formas estruturadas que limitam o espaço à imaginação das novas gerações (jovens e adultos) com expressões como — «Sempre se fez assim. Não podemos ir contra a Tradição.», «Isso vai contra o ensinamento da Igreja.», etc. — e usualmente, este tipo de frases referem-se ao modo como está organizada a formação catequética, ou à ideia cristalizada de que o ensinamento da Igreja não evolui, o que não me parece ser verdade. Por vezes, o ensinamento da Igreja é desconhecido, ou precisa de uma actualização na linguagem para ir ao encontro do modo como as pessoas entendem as coisas no mundo de hoje. E ainda, assim como procuro estar sempre a evoluir no modo de ensinar Transmissão de Calor, apesar de ser uma disciplina bem estabelecida nos seus conteúdos, importa compreender como são as formas de fazer as coisas que evoluem. Os conteúdos aprofundam-se. É possível fazê-lo no âmbito sinodal?
A sinodalidade possui um aspecto interno e, por isso, efectivo; e um aspecto espiritual e, por isso, afectivo. Importa renovar o modo como fazemos as coisas, mas em harmonia com o modo como nos amamos enquanto fazemos seja o que for. O mesmo acontece em ciência. Quando procuramos uma explicação para um fenómeno físico, usualmente, intuímos haver uma simplicidade e harmonia nas leis da natureza que incluem a incerteza. Por isso, procuramos construir o puzzle da realidade física com as peças que temos e, por vezes, com as que inventamos, primando sempre pela elegância e simplicidade das soluções. A teologia deveria ser assim, isto é, fetia na simplicidade e harmonia entre a Tradição e Sinodalidade expressa pela escuta da cultura actual.
A nossa era está muito marcada pela aceleração. Muito se trabalha para tornarmos as coisas efectivas e, por exemplo, quando se argumenta pela necessidade da Igreja estar presente nas redes sociais, o objectivo é acelerar a velocidade da Evangelização até à velocidade com que a informação flui nesta época. Este investimento nos social media procura evitar que a partilha da mensagem do Evangelho fique paralizada no tempo e no espaço, diminuindo a irradiação da Boa Nova a todas as pessoas e culturas. Mas há quem tenha receio destas novas tecnologias, talvez porque não as domine e sinta-se ultrapassado ou receia estar (sem saber) a ir contra a mensagem do Evangelho. Logo, não é melhor fazer como antigamente? Diz Orsy que — «o medo excessivo de errar pode levar a silenciar a verdade.» — sendo este um risco que muitos sentem estar correr com este processo sinodal. Mas talvez o excesso esteja também num outro ponto de vista.
Se a velocidade com que evoluímos no modo de fazer as coisas torna-se excessiva, não corremos, também, o risco de semear “pós-verdades”? Isto é, verdades a sentimento, ou seja, a verdade é o que eu sinto ser verdade? Onde está o equilíbrio entre a Tradição e a Sinodalidade? A Tradição mantém vivos os tesouros que não cessam de nos revelar coisas novas quando aprofundados. Por exemplo, compreender e encarnar os relacionamentos ao modo da Trindade. A Sinodalidade procura novos tesouros descobertos no relacionamento com todos os que estão imersos no mundo contemporâneo. Não somos do mundo apesar de vivermos no mundo (Jo 17, 16). E a sinodalidade inclui todos porque ninguém tem a capacidade de ver ou ler na totalidade os sinais dos tempos. Uns vêem umas coisas, outros vêem outras. Juntos podemos ver tudo (ou quase tudo).
Evangelizar no mundo contemporâneo parece-me depender mais das comunidades do que dos indivíduos que lhes pertencem. Pois, quando estamos reunidos em nome de Jesus, Ele está no meio de nós (Mt 18, 20). É por este motivo que a sinodalidade é o modo de ser da Igreja. Não há outra forma porque só as comunidades cristãs, pessoas unidas pelo amor recíproco que vivem entre si, podem tornar-se reflexo da Luz de Deus para o mundo. «Vede como eles se amam.» — dizia Tertuliano.
Parece-me um pouco mais clara a razão pela qual comunicar a Boa Nova só pode passar pelas novas tecnologias de informação se suscitar no outro o desejo de um encontro presencial, não virtual, com a comunidade cujo amor dá visibilidade à presença de Deus. A Tradição não é um impedimento à Sinodalidade, nem a Sinodalidade compromete a Tradição. Pois, o património de sabedoria (Tradição) pode inspirar o pensamento sinodal, e esse pode inspirar novas formas de compreender e expressar a sabedoria da Tradição. É fascinante quando encontramos uma resposta dada há séculos para o tempo presente. No passado, apesar de se viver numa cultura diferente, o que se vivia possuía um traçado de universalidade que faz sentido em todos os tempos. Não era Santo Agostinho que dizia — «Fizeste-nos para Ti e inquieto está o nosso coração enquanto não repousa em Ti»? Quando nos sincronizamos com o coração do mundo, não sentimos as pessoas inquietas? Por fim, por que razão há séculos que ouvimos as palavras que os Evangelhos atribuem a Jesus e não parecem perder o mínimo de validade ou força para os tempos que correm? De facto, já Pedro dizia — «A quem iremos nós, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna!» (Jo 6, 68). Apesar de ter dito estas palavras há 2000 anos, a experiência mostra que ainda são válidas.
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