SABER APRENDER – A evangelizar “memetizando”

Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário), Blog & Autor

Um meme para um jovem é uma imagem animada (ou não) com uma frase que expressa um sentimento muito particular e que tem piada. Mas a definição de meme introduzida por Richard Dawkins em 1976 é diferente. Um meme é semelhante a uma extensão da ideia de gene, mas adaptada à cultura, ou seja, memes são ideias que se transmitem de um cérebro para outro, podendo sofrer mutações desde que sejam favoráveis à sua replicação. E dada a evolução cultural com a Grande Expansão “Memética” gerada pela internet, já começámos a sentir como ideias espalhadas na vida digital afectam a vida real. Basta pensar no caso pizzagate.

Catholic Memes

O documentário recente da HBO intitulado “After Truth: Disinformation and the Cost of Fake News”, explica bem em que consistiu a teoria da conspiração gerada por memes no Twitter, 4chan e 8chan que insinuavam a partir de emails privados de John Podesta, coordenador da campanha de 2016 de Hillary Clinton, que o restaurante Comet Ping Pong seria um local secreto de tráfico humano e pornografia infantil. No documentário vemos um espaço frequentado por inúmeras famílias que, além do belíssimo sabor das pizzas, divertiam-se a jogar ping pong dando ao restaurante o ambiente alegre e acolhedor conhecido por muitas pessoas vindas de muitas partes dos EUA. Porém, os memes da desinformação começaram a afectar a mente de algumas pessoas que desconheciam o restaurante, de tal modo que uma delas, Edgar Welch, um homem de 28 anos viajou da Carolina do Norte armado para “salvar” as crianças da rede criminosa. Quando chegou percebeu que nada havia no restaurante e foi preso. O curioso é que, depois de ter visto com os próprios olhos que a teoria era falsa, numa entrevista; ao The New York Times, Welch mantém a convicção na teoria da conspiração de base dizendo que não havia crianças — «dentro daquele estabelecimento» —, sugerindo que haveriam outros, e explicita não gostar do termo “fake news” que apenas serve para diminuir o valor das histórias contadas fora dos circuitos de notícias principais (e credenciados). Pensar que os memes foram responsáveis pelo comportamento criminoso de alguém que mantém a crença no que é fictício e falso demonstra o seu poder de transformação cultural. Mas não haverá, também, um lado positivo dos memes? Poderão os memes ser usados para o bem?

Não podemos esquecer a importância de manter a evangelização em permanente desenvolvimento e evolução. Os desafios culturais dos tempos que vivemos vão muito para além de crer ou não crer em Deus, e qual a ciência que o suporta. A cultura digital veio revolucionar o nosso modo de pensar, ser e agir, e a Boa Nova de Jesus que pode transformar o coração, mente e agir das pessoas não pode estar alheia à cultura digital. Em novembro de 2013, um meme; do Papa Francisco a abraçar um homem desfigurado tocou o coração de milhares de pessoas, incluindo ateus que manifestaram nas redes sociais a crescente admiração pelo Papa. Mas sete anos depois, em outubro de 2020, com software de manipulação de imagem, houve; quem substituísse a hóstia que Francisco consagrava por tudo e mais alguma coisa (uma nintendo, o bebé Yoda, o jovem Simba do Rei Leão, etc.) criando vários memes que se tornaram virais e ofensivos para muitos católicos. Neste sentido, os memes estão para as células culturais que tecem a sociedade como os genes para as células corporais que tecem cada um de nós. E se um meme orientado para o bem mantém a cultura saudável, um meme orientado para o mal poder tornar-se num cancro para o corpo social.

Em diversos sectores promotores de uma Evangelização Nova, e da modernização da comunicação social da Igreja no cenário mundial, a atenção volta-se, frequentemente, para a importância de estarmos presentes nas redes sociais, como instrumentos para chegar a muitas pessoas, mas qual é o propósito desse investimento? Mantê-las presas ao ecrã, ou inspirar novos horizontes levantando os olhos e estimular as pessoas a desapegar-se dos memes digitais e, indo ao encontro da vida real que se desenrola à sua volta, construir memes relacionais? Será que os memes poderão ajudar a enfrentar o desafio que a cultura digital representa para a manipulação das mentes e massas na Era da Informação ou fazem pior? Mesmo que usemos um meme com um fim positivo, não estaremos a manipular a cabeça das pessoas como os outros que os usam com propósitos menos nobres?

Um meme com potencial para se tornar viral, de acordo com Angelo Jesus Canta, precisa do equilíbrio entre três coisas: absurdez, humor, e reprodutibilidade. A “viralidade” depende de serem considerados como piadas e terem a possibilidade de se adaptar a diversas circunstâncias, de modo a poderem ser partilhados entre as pessoas do mesmo grupo ou de grupos diferentes e, assim, replicarem-se. Existem diversas experiências de evangelização através de memes, como a dinamizada; por Brandon Ocampo, “Catholic Memes”. Ocampo diz dos memes católicos — «algo que faz alguém rir, é algo que provoca os seus corações a procurar Cristo de um modo mais autêntico.» — Pessoalmente, depois de visitar a página, e não me considerando uma pessoa demasiado séria (que confirme quem me conhece) não fiquei convencido. De qualquer modo, cada meme pode suscitar um rol de comentários de partilha de experiências. Numa das publicações da página Facebook do Catholic Memes haviam mais de 100 comentários e todos escritos há 6 dias quando os li, ou seja, devem ter sido escrito durante aquele dia. Sinceramente, o que pensei foi no tempo dedicado pelas várias pessoas a comentar uns com os outros sobre o meme, replicando-o ao ser partilhado mais de 200 vezes, mas não havia qualquer comentário que fosse profundo ou indicasse ter havido um efeito evangelizador onde alguém manifestava a intenção de procurar Cristo de modo mais autêntico.

No Washington Post, o bispo americano Richard Umbers escreve sobre os memes que faz para Jesus e diz que — «os memes são um pouco divertidos, rebuçados visuais para os stressados e estoirados que deslizam pelos seus telemóveis a caminho do trabalho ou de regresso a casa, ou quando vão dormir à noite. Mas eles podem, também, conter mensagens importantes acessíveis a milhões.» — pelo que, talvez sirvam para plantar uma pequena semente. Porém, é raro lembrar-me de um meme, mas, com mais frequência, lembro-me de uma palavra ou trocadilho dito fisicamente por alguém. Pois, nos contactos pessoais, ainda que seja através do humor, tudo concorre para fazermos uma experiência relacional que nos pode marcar. Algo que parece ter um efeito mais transitório no caso dos memes. Mas não será focar os memes no humor um reducionismo da ideia original de Dawkins?

Um dos efeitos do maior tempo que passamos a navegar pelo mar de informação na internet tem sido a gradual perda da capacidade de ler algo mais extenso. E ideias profundas que desafiam o nosso modo de ser e estar na vida requerem tempo para serem interiorizadas e experimentadas. Os memes na internet possuem um conteúdo naturalmente mais superficial e o seu potencial de semear a Boa Nova parece-me, no mínimo, questionável. Mas a ideia mais original de Dawkins para o meme poderá ser melhor explorada no seu valor evangelizador. Pelo que, talvez seja um tema que valha a pena explorar na procura de novos modos de evangelizar no século XXI.


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