Homilia do Arcebispo de Évora na Missa Crismal “Conduzidos pelo Espírito Santo, à semelhança de Jesus” 1. Convocados para a Missa Crismal, na manhã de Quinta-feira Santa, nós estamos a participar numa das acções litúrgicas mais ricas de conteúdo e beleza e do mais alto significado. Testemunhamos, antes de mais, a grande realidade eclesial que é a comunhão dos presbíteros; além disso, experimentamos, através da bênção dos Óleos, a serem usados nas celebrações sacramentais e outras, a unidade da Igreja diocesana e a acção do Espírito Santo que santifica os seus membros com a força redentora que brota do Mistério Pascal. 2. O texto do Evangelho de S. Lucas, que acaba de ser proclamado, dá especial relevo à afirmação de Jesus na sinagoga de Nazaré: “O Espírito do Senhor está sobre Mim, porque Ele me ungiu, enviou-me a anunciar a Boa-Nova aos pobres, a proclamar a libertação aos cativos e a vista aos cegos, a mandar em liberdade os oprimidos, a proclamar um ano favorável ao Senhor” (Lc 4,18-19). Jesus aplica a Si as palavras proféticas de Isaías. “Cumpriu-se hoje mesmo a palavra da Escritura” (Lc 4,21). O Filho de Deus encontra-se no início da sua vida pública. Ela começara com os quarentas dias no deserto, nos quais Jesus fora “conduzido pelo Espírito.”Sob a acção do mesmo Espírito, Ele faz agora as primeiras revelações acerca da Sua missão. Missão que se concluirá no Calvário, quando for levantado na Cruz Redentora. Como ouvimos no texto do Apocalipse, “pelo seu Sangue libertou-nos do pecado e fez de nós um reino de sacerdotes” (Ap.1,6). Pelo mistério da Sua Morte e Ressurreição, que celebramos no Triduo Pascal, Jesus dará início à humanidade nova, ao “reino de sacerdotes”, ao mundo novo, de liberdade, de justiça, de amor e de paz. 3. “Cumpriu-se hoje mesmo”. Convém ter presente que o “hoje” de Cristo não se circunscreve àquele momento concreto, vivido na sinagoga de Nazaré. Prolonga-se no tempo; acompanha o evoluir dos séculos: “Eu estarei sempre convosco, até ao fim dos tempos” (Mt 28,20). Cada momento é, por conseguinte, o “hoje” de Jesus Cristo. Como se vai realizar esta visibilidade perene, esta actualidade do cumprimento das promessas messiânicas? É uma visibilidade que passa pela escolha de ministros e pela instituição dos Sacramentos. É pelo Espírito Ele escolhe os sacerdotes, pastores do seu Povo, e os configura consigo. Por eles, Jesus apresenta-se à Igreja, afirmando, como outrora na sinagoga de Nazaré: “Cumpriu-se hoje mesmo este passo da Escritura”. Estamos na Quinta-feira Santa. Hoje, à noite, na celebração da Ceia do Senhor, recordaremos esse momento sublime da Instituição da Eucaristia e do sacerdócio ministerial. “Isto é o meu Corpo”, “Este é o Cálice do meu Sangue”, fazei isto em memória de mim”. Pelos seus sacerdotes, Jesus santifica a Sua Igreja. Eles identificam-se com o Mestre, actualizando pela celebração da Eucaristia e dos restantes sacramentos a sua acção redentora. Falam em seu nome; governam em seu nome, santificam em seu nome. Que honra para nós estarmos associados ao Filho de Deus na salvação dos homens! Com as nossas mãos pecadoras, mas ungidas pelo Espírito, nós transformamos o pão no Corpo de Cristo e o vinho no seu Sangue. 4. A nossa configuração sacramental com Cristo, deve fazer de nós sacerdotes eucarísticos conduzidos pelo Espírito, à semelhança do Bom Pastor e Sumo-Sacerdote. Gostaria de sublinhar nesta nossa reflexão que, do mesmo modo que Jesus foi conduzido pelo Espírito Santo, assim os Bispos, juntamente com os Presbíteros devem ter como preocupação fundamental, na sua vida e actividade pastoral, deixar-se conduzir pelo Espírito de Deus. Foi este o pedido que, no dia da nossa Ordenação, o Bispo ordenante dirigiu ao Pai: “Vos pedimos, Pai Todo-poderoso, constitui este vosso servo na dignidade de presbítero, renovai em seu coração o Espírito de santidade (…) pela sua pregação, as palavras do Evangelho frutifiquem pela graça do espírito Santo nos corações dos homens”. Na mesma liturgia de Ordenação, quando se unge as palmas das mãos do Ordenado, o Bispo volta a referir a presença do Espírito Santo ao dizer: “O Senhor Jesus Cristo, a quem o Pai ungiu pelo Espírito Santo e seu poder, Te guarde para santificares o povo cristão e ofereceres a Deus o Sacrifício”. Estes textos exprimem claramente que o Espírito Santo, tal como esteve presente na vida de Jesus, assim conduz o presbítero no seu ministério. Aqui está sintetizado o sentido da nossa missão, somos configurados com Cristo, Bom Pastor, Sumo-Sacerdote, para continuarmos a sua acção salvadora: “anunciar a Boa-Nova aos pobres … proclamar um ano favorável ao Senhor”. 5. Mas para que tal projecto divino se realize, é necessário que haja, da nossa parte, uma abertura de coração ao Espírito Santo. Deus respeita sempre a nossa natureza de homens livres. É na base desta liberdade e deste amor colaborante, que se pode esperar a eficácia da acção divina. Gostaria de sublinhar três aspectos fundamentais do que poderíamos chamar o “mistério presbiteral segundo o Espírito”. 1) O primeiro aspecto diz respeito à nossa íntima comunhão com Jesus na Eucaristia. Como escreveu o Papa Bento XVI, “A forma eucarística da existência cristã manifesta-se, sem dúvida, de modo particular no estado de vida sacerdotal. A espiritualidade sacerdotal é intrinsecamente eucarística” (n.80). Na Eucaristia encontra-se o centro e a fonte da vida sacerdotal. Só no Espírito se pode viver o mistério pascal da Morte e ressurreição de Jesus, realizada sobre o altar. O mesmo Espírito Santo, presente na Celebração Eucarística, conduzirá o sacerdote à oração diante do Senhor presente no Sacrário. 2) O Espírito é ainda na Igreja fonte de comunhão. É por isso que a comunhão presbiteral, isto é, a comunhão dos presbíteros entre si e como o bispo diocesano, constitui, antes de mais, um fruto da acção do Espírito Santo. Demos pois, caros padres, tempo suficiente para o diálogo eucarístico com o Senhor, iluminados e impulsionados pelo Seu Espírito. Aqui se encontra o caminho seguro da nossa missão de pastores da Igreja. 3) Finalmente, o Espírito é princípio dinâmico da nossa actividade apostólica. Foi assim, logo nos primórdios da Igreja. Ao receber o dom do Espírito, a primitiva comunidade de Jerusalém iniciou com grandes frutos a sua actividade missionária. Sabemos que, na sociedade actual, o activismo, a técnica, a organização dominam a vida das pessoas e das comunidades, penetrando até nos espaços eclesiais e sacerdotais. É necessário que, mesmo ao usar as tecnologias modernas e os meios humanos, verdadeiramente extraordinários que Deus pôs nas nossas mãos, nos coloquemos, acima de tudo, sob a acção do Espírito. Foi sempre assim com os grandes apóstolos da Igreja ao longo da história. 6. Ao concluir esta meditação sobre o lugar essencial que o Espírito Santo deve ocupar na vida dos sacerdotes, gostaria de evocar o exemplo de Maria, Mãe de Cristo e Mãe dos sacerdotes. Ela é modelo perfeito de docilidade à acção do Espírito Santo. Foi a partir do seu “Sim”, do Seu “fiat”, no momento da Anunciação do Anjo S. Gabriel, que Ela recebeu no seu seio o Filho de Deus por acção do Espírito. A sua disponibilidade total manteve-se inalterável durante toda a vida, até ao Calvário e à Ressurreição de Seu Filho. Que Maria faça de nós instrumentos dóceis ao Espírito Santo para sermos transparências vivas de Jesus, o Bom Pastor. Sé de Évora, 5 de Abril de 2007 + Maurílio de Gouveia, Arcebispo de Évora