Homilia do Bispo de Viana de Castelo na Missa Crismal 1. Imbuídos da espiritualidade que envolve este tempo do Tríduo Pascal – antecipado nesta manhã de Quinta-Feira Santa pela celebração da Missa Crismal – fazemos também memória da instituição do Sacerdócio cristão. Neste dia, o Senhor dotou a Igreja nascente do sacerdócio ministerial da Nova Aliança: bispos, presbíteros e diáconos, aos quais fomos chamados. A reunião do Bispo diocesano com os presbíteros e diáconos da sua Diocese, nesta concelebração da Eucaristia, exprime a comunhão entre todos nós. E vós, caros presbíteros, sois convidados a renovar as promessas sacerdotais feitas no dia da vossa ordenação. Também queremos agradecer ao Senhor o dom e o testemunho dado pelos irmãos no sacerdócio que este ano celebram as suas “bodas de prata e de ouro” sacerdotais, e associar-nos à alegria e acção de graças que elevam ao Senhor pelos anos já vividos ao serviço da Igreja. São eles: – Bodas de Ouro (ordenados em 1957): P. Avelino Felgueiras Marques (Dr.) P. João Martins Baptista P. Joaquim Isaías Araújo Azevedo de Oliveira P. Manuel Barbosa de Miranda P. Manuel Correia Quintas P. Altino José Cepeda Coelho (c.s.sp.) P. José Martins Salgueiro (c.s.sp.) – Bodas de Prata (ordenados em 1982: P. António Joaquim Pires Esteves (Dr.) P. Belmiro Esteves de Amorim Nesta celebração, o Bispo vai proceder também à consagração do Óleo do Crisma e benzer os Santos Óleos dos enfermos e dos catecúmenos, destinados ao rito da unção sacramental, parte integrante da celebração de alguns dos sacramentos. 2. Neste espírito nos introduzem as leituras bíblicas. Tendo presente a figura do futuro Messias, o profeta Isaías proclamou: “O Espírito do Senhor está sobre mim porque me ungiu, enviou-me a anunciar a boa nova aos que sofrem, a curar os desesperados, a proclamar a libertação aos acorrentados, a consolar os tristes (…). Sereis sacerdotes do nosso Deus” (cf. Is 61,1s.). Jesus, o Ungido do Pai, aplicou a Si próprio esta profecia ao ler as Escrituras na sinagoga de Nazaré, quando disse: “Cumpriu-se hoje mesmo este passo das Escrituras que acabais de ouvir” (Lc 4,21). E S. João, no livro do Apocalipse, dá graças a Deus, por Jesus Cristo, “que nos remiu com o seu sangue e fez de nós um reino de sacerdotes para o seu Pai” (cf. Ap 1,5-8). 3. Vida sacerdotal e Sacramento da Caridade – Caros padres, este dia e estas leituras sugerem-nos que façamos uma reflexão, tão profunda quando possível, mas naturalmente breve, sobre o nosso ministério sacerdotal na sua relação com o mistério da Eucaristia. O Santo Padre, na recente Exortação Apostólica “Sacramento da Caridade” chama a nossa atenção para o lugar do nosso ministério ao serviço do mistério da Eucaristia. Nos últimos anos, este apelo tem sido repetido pelos Pastores da Igreja universal, através de múltiplos documentos: de J. Paulo II: Carta Encíclica «Igreja da Eucaristia» (2003), «Fica Connosco Senhor» (2004), «Ano da Eucaristia» (2004) e Instrução pastoral «Sacramento da Redenção»; de Bento XVI, a citada Exortação Apostólica «Sacramento de Caridade». Esta insistência, não pode deixar-nos indiferentes. O exercício do nosso sacerdócio, vivido em comunhão de presbitério, é vocacionado a tornar presente no mundo a mensagem e as preocupações contidas nestes documentos. Como verificamos, a Eucaristia ocupa um lugar cimeiro. Estas preocupações da Igreja estão em conexão com dois últimos acontecimentos eclesiais: o Sínodo de Roma sobre a Eucaristia e o Sínodo diocesano da Igreja de Viana do Castelo. Nessas duas assembleias de cristãos, as referências ao cuidado a ter com mistério eucarístico foram uma constante. Como é evidente, não vamos abordar, nesta Quinta-feira Santa, todos os aspectos aí contemplados. Permitimo-nos eleccionar alguns aspectos sobre a espiritualidade sacerdotal, o estilo apostólico do presbítero, a paróquia missionária e evangelizadora, lugar privilegiado do exercício do ministério sacerdotal. 4. Espiritualidade sacerdotal – O projecto de vida do sacerdócio ministerial é animado pela força sobrenatural do Espírito Santo e orienta-se na fidelidade ao Evangelho. Participantes da e na missão de Jesus, não podemos esquecer aquela observação fundamental que Ele nos dirigiu: «Sem mim não podereis fazer nada» (Jo 13,20). Só com Jesus na mente e no coração poderemos realizar o nosso ministério. Não bastam nem as nossas cuidadas capacidades nem as nossas persistentes fadigas para sermos bons pastores. É absolutamente necessário que vivamos com Ele, Jesus Cristo, em comunhão plena, e que procuremos trabalhar como pastores enviados a participar na missão única do Filho. A nossa espiritualidade configura uma vida de ministros da Igreja de Deus ao serviço da parcela do povo de Deus que nos foi confiada. Assistimos a tentativas de especificar a espiritualidade do presbítero. Há quem sublinhe alguma ou algumas das características mais ou menos evidentes: “cristológica, eucarística, diocesana, caridade pastoral, …”. Mas julgamos que a autêntica espiritualidade do presbítero só pode ser vivida e alimentada através do cumprimento do nosso ministério. Através do ministério, os presbíteros crescem na fé e aprofundam a sua vida espiritual. Quando anunciam a palavra de Deus, celebram a Eucaristia, ministram a reconciliação, no confronto e no diálogo com os não cristãos, mostram o rosto do «bom Pastor que dá a vida pelas ovelhas» (Jo 10,11). Convém lembrar que a eficácia do nosso ministério está condicionada pela autenticidade e pela fidelidade com que o vivemos. E o inverso também se nos apresenta como verdadeiro: o que fizermos como presbíteros é parte integrante da nossa espiritualidade e é determinante para a nossa santificação. 5. O estilo apostólico – Ao ler o decreto “Presbyterorum ordinis” do C. Vaticano II, emerge uma figura de presbítero caracterizada por um estilo de vida que poderíamos chamar “estilo apostólico”. Tomando como base a leitura que os apóstolos fizeram da vida de Cristo, a Igreja latina pede ao presbítero o compromisso de viver o celibato, a pobreza e a obediência. Estas três dimensões do nosso ministério estão mutuamente conexas: não haverá vida célibe se não vivemos uma vida sóbria, de amor gratuito aos irmãos e irmãs, e praticarmos o espírito de partilha. Certamente, «o trabalhador merece o seu salário» (Lc 10,7). Mas este salário caracteriza-se pela simplicidade e sobriedade de vida, aberta a partilhar com os mais carenciados. O espírito de obediência a Deus e uns aos outros na comunhão presbiteral e episcopal, vive-se como complemento do celibato e da pobreza. Este estilo de vida apostólica, vivida em comum ou individualmente, tem todas as condições para conformar uma vida espiritual não somente boa mas também bela, humanamente bela no sentido pleno da expressão, com qualidade, que se exprime até através de pequenas coisas como uma habitação cuidada, refeições saudáveis e arranjo no vestir. Estas qualidades humanas revelam a alegria e bem-estar do espírito, contribuem para a santificação pessoal e são um credível testemunho no seio da comunidade. 6. Paróquia missionária e evangelizadora – Em documentos anteriores já nos referimos à importância da paróquia e às mudanças actualmente nela ocorrentes: Carta Pastoral, nos vinte e cinco anos da Diocese e Exortação Pós-sinodal. Essas mutações implicam com a indispensável renovação das estruturas paroquiais, “recentralização” no mistério eucarístico, e com o assumir dum estilo renovado do nosso ministério sacerdotal. A paróquia continua a ser para os nossos fiéis lugar importante e central para a experiência cristã, para despertar e estimular o seguimento de Cristo. Estrutura de base para a experiência da fé, espaço capaz de oferecer aos fiéis um verdadeiro exercício da vida cristã, instrumento que permite a radicação da Igreja de Cristo num determinado lugar, vista pelas pessoas como a imagem mais conhecida da Igreja, ainda hoje continua a ser o núcleo fundamental da vida da Diocese. Nas paróquias e através delas, se desenvolvem as formas quotidianas de apoio às mil necessidades mais prementes da pessoa humana. Representa a Igreja no meio das pessoas. Realidade em forte movimento de mutação nos dias de hoje – basta pensar na diminuição do número de sacerdotes que a elas presidem e no acelerado crescimento ou esvaziamento populacional de muitas delas – exige atenção redobrada na reestruturação dos carismas, ministérios e responsabilidades. É válida a recomendação do apóstolo Paulo à comunidade de Tessalónica: «Examinai tudo, guardai o que é bom» (I Tes 5,21). O futuro da Igreja tem necessidade da paróquia. Por isso o vosso trabalho sacerdotal, a vossa admirável dedicação e fidelidade, merece a nossa gratidão e encorajamento. Em função do que fica exposto, urge repensar o ministério presbiteral. Fala-se de unidades pastorais, de aparecimento de formas de vida em comum entre os presbíteros. A qualidade dos nossos cristãos é cada vez mais diversificada: os crentes conscientes, os praticantes intermitentes ou ocasionais, os que se encontram em vias de conversão, de fé suspensa ou adiada, os imigrantes de outras regiões, os que há longos anos cortaram a sua relação com a comunidade cristã, os que nunca lá estiveram. Aos pastores é pedida uma forte capacidade de escuta, sensibilidade às mudanças, aproveitamento do grande papel que os leigos são chamados a desempenhar. De nós depende que a paróquia opere uma viragem que dá pelo nome de conversão missionária da paróquia e do nosso agir pastoral. Trata-se de evangelizar a vida das pessoas para que a sua existência seja moldada pela fé cristã, no dia-a-dia e quando assumem opções relevantes. Uma paróquia missionária, não é aquela que abandonou a pastoral comum, para se dedicar a outra tarefa diferente, mas sim aquela que realiza todas as tarefas com um sentido de evangelização que tem como destinatários todos os seus membros e que está aberta para fora dela, com um sentido alargado de evangelização. No fundo, trata-se de dar à paróquia a capacidade de gerar cristãos, que tem como expressão visível a vivência do domingo como verdadeiro dia do Senhor, a participação activa e conscientemente na Eucaristia, e se sentem enviados a testemunhar a boa nova de Cristo na justa edificação da sociedade. A condição cultural hodierna mostra-nos que a família tem dificuldade em indicar aos filhos um vigoroso caminho de crescimento na fé. Ela revela-se muitas vezes incapaz de ser o agente primordial da educação dos seus filhos para a vida e para a fé. Este facto recomenda, para não dizer exige, paróquia e pastores desenvolvam uma proximidade cordial com as famílias. Por isso, a pastoral paroquial deve redescobrir a pastoral da família e instaurar uma relação mais assídua e construtiva com o casal e com a experiência familiar. Concluindo – A espiritualidade sacerdotal passa pelo exercício empenhado do nosso ministério, ao serviço da evangelização. A paróquia ou a comunidade cristã é elemento importante na vida e espiritualidade do presbítero e na sua santificação. Nas actuais circunstâncias das nossas paróquias a evangelização passa pelo testemunho de vida do presbítero e dos fiéis leigos, particularmente onde o anúncio da palavra de Deus não tem ambiente de ser acolhido. A celebração da Eucaristia deve merecer-nos redobrada atenção e ocupar o lugar central que lhe compete na edificação permanente da Igreja de Cristo. De reconhecido valor no sufrágio dos defuntos, ela deve ser sobretudo sacramento, sinal e instrumento de santificação dos vivos, ao serviço da consagração do mundo. Que esta Quinta-feira Santa desperte em nós o desejo de crescer na espiritualidade sacerdotal através da contínua renovação do nosso ministério e na alegria de o desempenhar no seio do povo de Deus, ao serviço das comunidades cristãs que nos estão confiadas. E vós, caros fiéis leigos, orai pelos sacerdotes, manifestai-lhes a vossa estima e apreço, e colaborai de boa vontade com eles no anúncio da boa nova de Cristo. D. José Pedreira