«Apesar de ser Filho, aprendeu a obediência no sofrimento. E, tendo atingido a sua plenitude, tornou-Se, para todos os que Lhe obedecem, causa de salvação eterna». Estas palavras da Carta aos Hebreus conduzem-nos à profundidade do mistério que envolve a morte de Jesus de Nazaré.
Começam por manifestar que não estamos perante mais um condenado à morte mas sim Aquele que carrega sobre si todo o mal e todo o pecado que atinge a humanidade. E, adianta sublinhando que na obediência obtemos a salvação eterna.
Por isso, o autor da Carta aos Hebreus exorta à confiança para irmos ao encontro d’Aquele que conhece o sofrimento e experimenta a morte porque, deste modo, é o sacerdote que nos convém. Não oferece coisas exteriores a si mesmo, como acontecia na primeira Aliança, mas oferece-se a Si mesmo.
Com esta atitude, Jesus de Nazaré inaugura um novo sacerdócio do qual todos nós, baptizados, participamos, já não á maneira antiga, mas configurados a Jesus Cristo, somos chamados a entregarmo-nos a nós mesmos em oferta a Deus e aos irmãos.
É neste mistério insondável da morte do Filho de Deus que se revela a sorte do servo de Javé descrito tão dramaticamente por Isaias. Na verdade, Isaias descreve os traços do Messias que para resgatar o Seu Povo e para o conduzir à comunhão com Deus «suportou as nossas enfermidades e tomou sobre si as nossas dores».
Com esta descrição profética e com a revelação do mistério de Cristo sofredor, deparamo-nos com o itinerário da vida humana sujeita ao sofrimento e à morte e perante os quais se geram perplexidades, dúvidas, desespero e desalento, mas sobretudo muitas interrogações que exigem uma resposta. Esta se não é de ordem racional, terá de ser da ordem da experiência, da comunhão e do encontro com Aquele que nos pode oferecer a Vida em plenitude.
O Concilio Vaticano II enfrenta esta questão dizer que «é em face da morte que o enigma da condição humana mais se adensa» (GS, 18). De facto, «não é só a dor e a progressiva dissolução do corpo que atormentam o homem, mas também, e ainda mais, o temor de que tudo acabe para sempre» (GS, 18).
Desperta-se então como «a intuição do próprio coração fá-lo acertar, quando o leva a aborrecer e a recusar a ruína total e o desaparecimento definitivo da sua pessoa» (GS, 128). Deste modo, «o germe de eternidade que nele existe, irredutível à pura matéria, insurge-se contra a morte» (GS, 18).
Refere ainda o texto conciliar que «todas as tentativas da técnica, por muito úteis que sejam, não conseguem acalmar a ansiedade do homem: o prolongamento da longevidade biológica não pode satisfazer aquele desejo duma vida ulterior, invencivelmente radicado no seu coração» (GS, 18).
Perante as grandes questões e sobretudo confrontado com a impotência diante da morte, o mistério de Cristo revela-nos que «com efeito, Deus chamou e chama o homem a unir-se a Ele com todo o seu ser na perpétua comunhão da incorruptível vida divina» (GS, 18).
Na verdade, ao deparamo-nos com a Revelação, «esta vitória, alcançou-a Cristo ressuscitado, libertando o homem da morte com a própria morte (GS, 18). Daqui que «a fé, que se apresenta à reflexão do homem apoiada em sólidos argumentos, dá uma resposta à sua ansiedade acerca do seu destino futuro; e ao mesmo tempo oferece a possibilidade de comunicar em Cristo com os irmãos queridos que a morte já levou, fazendo esperar que eles alcançaram a verdadeira vida junto de Deus» (GS, 18).
Tratando-se de uma experiência de comunhão na qual se entrelaçam o mistério do homem com todos os seus dramas e o Mistério de Jesus Cristo com todo o Seu esplendor, somos convidados a percorrer o caminho de Jesus de Nazaré tal como nos é descrito no Evangelho desta celebração.
Uma longa narração que se inicia na entrega de Jesus até nos depararmos com Ele no Calvário. Começa com a pergunta: a quem buscais? E termina com a expressiva intervenção de José de Arimateia e de Nicodemos. Este último, certamente ainda se recordava das palavras de Jesus que diziam: «Deus amou de tal maneira o mundo que lhe deu o Seu Filho único, para que todo o que n’Ele crer não pereça, mas tenha a vida eterna» (Jo. 3, 14-15).
Também nós hoje devemos sentir-nos interpelados sobre a quem buscamos? Na verdade, estamos dispostos a percorrer o caminho de Jesus de Nazaré que nos leva do sofrimento e da morte até à experiência da vida nova já presente em nós pelo baptismo? Ou idealizamos um outro messias que se torna um ídolo e que não tem poder de salvar?
Estas perguntas são pertinentes para o nosso ser e para o nosso agir de cristãos.
No dizer de S. João Paulo II, «como consequência da obra salvífica de Cristo, o homem passou a ter, durante a sua existência na terra, a esperança da vida e da santidade eternas» (SD, 15). E prossegue este texto sublinhando «ainda que a vitória sobre o pecado e sobre a morte, alcançada por Cristo com a sua Cruz e a sua Ressurreição, não suprima os sofrimentos temporais da vida humana, nem isente do sofrimento toda a dimensão histórica da existência humana, ela projecta, no entanto, sobre essa dimensão e sobre todos os sofrimentos uma luz nova. É a luz do Evangelho, ou seja, da Boa Nova» (SD, 15).
É esta luz nova que nós procuramos junto do mistério da morte de Cristo e é esta Boa Nova que ansiamos na expectativa da Sua ressurreição para testemunharmos perante os nossos concidadãos que a morte foi vencida e que vivemos na Vida Nova do Ressuscitado.
Na verdade, aprofundarmos o mistério da morte conduz-nos à certeza da ressurreição. Neste sentido, reconhecemos que os que acompanham a Jesus de Nazaré neste itinerário de sofrimento que conduz à Sua morte são os mesmos que são agraciados pela novidade da Ressurreição.
Imploramos de Nossa Senhora das Dores, de S. Bartolomeu dos Mártires, de S. Teotónio e de S. Paulo VI que nos alcancem as graças divinas a partir do mistério da entrega de Jesus Cristo e nos conduzam pelos caminhos que nos levam à evangelização do mundo de hoje.
Amen.
D. João Lavrador, Bispo de Viana do Castelo